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Solana: pior a emenda que o soneto
Importava demarcar a União Europeia dos propósitos ofensivos dos "cartoons" dinamarqueses, importava declarar que a Europa rejeita a xenofobia, que os objectivos da acção externa da União Europeia são postos em causa quando se publicam provocações como as do tal jornal dinamarquês de extrema-direita. Importava acima de tudo sublinhar que a liberdade de expressão no espaço público europeu - uma das conquistas da nossa civilização e da humanidade - não é posta em causa quando se consideram certas mensagens como racistas, estigmatizantes e fora de qualquer consenso do debate civilizado. Importava mostrar que a Europa não alimenta a tese do confronto de civilizações porque acredita na universalidade dos direitos humanos.
Mas o Representante Especial do Conselho Europeu, a cara da Política Externa e de Segurança Comum da União, Javier Solana, não foi capaz de demarcar, na altura certa, a Europa deste tipo de discurso. Agora, à pressa para corrigir a ausência inicial das instituições europeias (Conselho e Comissão) neste debate, Solana decide emendar a mão. E a emenda é bem pior que o soneto.
Numa conferência de imprensa conjunta com o Secretário Geral da Organização da Conferência Islâmica (OIC) em Jeddah, Solana pronunciou-se ontem a favor da pretensão dos governos representados na OIC - a maior parte ditatoriais e violadores dos direitos humanos -de uma acção das Nações Unidas contra a "difamação da religião", indo até ao ponto de admitir que se incluísse linguagem contra a "blasfémia" nos estatutos do futuro Conselho dos Direitos Humanos da ONU (que deverá substituir a actual Comissão de Direitos Humanos da ONU)
Mas não se trata aqui de proteger 'a religião', qualquer religião. Não se trata até de considerar a religião como uma ordem de valores que deva ser mais respeitada do que qualquer outra. Não se trata, sobretudo,de por em causa a organização secular da ONU e de muitos Estados Membros da ONU (e estes não são apenas ocidentais, como demonstram países de população maioritariamente muçulmana como a Indonésia e a Turquia).
Trata-se, sim, de demarcar a Europa de mensagens de incitamento conflitual que tomem todos os membros individuais de um grupo - seja ele étnico, religioso, nacional, etc - por gente perigosa, pelo simples facto de pertencerem a esse grupo.
Goze-se com Jesus, Moisés, Maomé, se se quiser e faltar o bom senso. A liberdade de expressão permite-o. Mas quando programas na televisão sobre Jesus ou o Papa insinuarem que todos os católicos são pedófilos; mal um texto sobre Moisés for aproveitado para negar o holocausto; mal um cartoon sobre Maomé servir para apresentar o Islão como árabe e todos os árabes e muçulmanos como terroristas - chegámos aos limites da liberdade de expressão. Cabe então às forças políticas progressistas (não conto muito com a Direita para estas coisas irrelevantes da 'diversidade'), e às instituições da União, antes de mais, distanciar-se.
Javier Solana fê-lo tarde e mal, meteu os pés pelas mãos.
Solana passou claramente o prazo de validade. Nestes tempos conturbados, não chega um mínimo denominador comum para a UE. Para isso já temos Durão Barroso na Comissão.
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