SOU PRECONCEITUOSA POR NÃO VER A REALIDADE, DIZ LEITORA
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SOU PRECONCEITUOSA POR NÃO VER A REALIDADE, DIZ LEITORA


Vocês leram o post de ontem? Se não, leiam. Ele foi publicado, com algumas modificações, no jornal catarinense onde tenho uma coluna no domingo. Acho que a editoria cortou umas referências menos sutis sobre o partido político que exige a paternidade do Bolsa-Família, porque, durante as eleições, me pediram pra não escrever sobre política partidária. Bom, o texto é uma crítica à classe média, que não cumpre a lei relativa aos direitos das empregadas domésticas. E sobre o preconceito desta mesma classe contra os pobres e contra o Bolsa-Família. (Aliás, adorei os comentários que vocês deixaram aqui. É bom que as pessoas saibam que uma política simples e barata como o Bolsa-Família faz com que meninas de 8 anos não virem empregadas domésticas, e possam continuar na escola). No texto, eu só falo de raça no último parágrafo, quando relato uma conversa que tive com meus adolescentes ricos alguns anos atrás. Mas volta e meia falo sobre racismo, tanto aqui como no jornal. No domingo, uma leitora me enviou um email que me abalou (tudo sic, não mudei uma vírgula, só tirei o nome):

Eu, como representante da categoria negra dessa cidade, posso dizer que estamos saturados dos seus comentários maldoso, que posta nesse jornal. Não raro nos deparamos com sátiras, de 'negros pobres', 'negras empregadas'. Em qual mundo vive? Hoje temos negros no topo, somos médicos, advogados, esportistas, políticos e até ministros.
São negros também que estão no ranking das pessoas mais poderosas do mundo, Barack Obama, Michely. Temos um nistro negro no Brasil, procure se informar. É negra uma das pessoas com maior fortuna no mundo, Oprah Winfrey, já ouviu falar?
Lola Aronovih, em que seculo você vive, deve viver no século XVIII, ou ainda mantém negros como escravos em cárcere privado? Não duvido nada, se não tiver uma mucama escondida, pois só assim faria um texto tão ridículo e preconceituoso com o título '~...não sei o que lá de donos de escravos'.
Pergunte a 10 jovens negras, o que fazem. Garanto que se uma falar que é empregada é muito. Tem sim empregadas negras, mas são aquelas mais idosas que não tiveram oportunidades como nós jovens temos hoje.
Muda o disco, abra os olhos para o mundo, escrava coisas mais interessantes, seus tetos são caóticos, tediosos. Quero ter o prazer de ler um texto seu falando sobre negros bem sucedidos, bonitos, felizes.
Enquanto isso não acontece, leio artigos mais interessantes como do Sr. Prates, um melhor que o outro.
Frustração resume-se ao terminar de ler esse texto, uma página inteira dedicada a tamanha bobagem entre as linhas. Nada a carescentar, assim é esse e todos os textos que leio nas suas páginas.

Ok, eu acho que a palavra-chave no email todo foi “Prates”. Quem gosta de Luiz Carlos Prates, um reaça de marca maior que escreve no jornal e bate na mesa na TV, dificilmente vai gostar de mim. Somos opostos. Não tem como eu concordar com ele, ou ele comigo. Mas eu tentei responder o email da leitora:

Cara ...,
Acho que vc não entendeu o meu texto. Ele não foi nenhuma sátira aos negros. Pelo contrário, foi uma crítica a classe média brasileira (e latino-americana, em geral), que ainda mantém empregadas em seus apartamentos. Sinto informar que sim, a maior parte das empregadas domésticas é negra. Não fui eu que criei este número. É uma realidade. Veja esta pesquisa, por exemplo.
Não entendo como apontar este número pode ser visto como preconceituoso. Nos meus textos, eu COMBATO esta realidade. Não quero que ela continue sendo assim. Vc se zanga comigo por eu combater uma realidade que pra vc (e pra mim tb) é desconfortável? Prefere tapar o sol com a peneira? É verdade que temos negros no topo, mas são pouquíssimos. Sugiro que vc preste um pouco de atenção na sua linguagem, pois vc escreveu 'até ministros'. Como assim, 'até' ministros? Essa palavrinha, 'até', faz soar como se fosse algo incrível que negros atingissem essa posição. Mas a realidade é que ainda há poucos negros em posição de poder. Vc citar alguns poucos negros com poder não muda essa realidade. No Brasil, considera-se que mais de 50% da população é negra. Se tivéssemos justiça racial neste país, 50% dos cargos políticos, 50% das vagas nas universidades públicas, 50% das chefias nas empresas, seriam ocupadadas por negros, não acha? Estamos muito longe disso acontecer, infelizmente. Vc sabia que, na USP, menos de 1% dos professores é negro? Concorda com essa situação? Vc acha que devemos falar desse 1% que conseguiu chegar lá ou de uma situação profundamente injusta e desigual que impede que mais negros cheguem a essa posição?
Eu não tenho nenhuma obrigação de falar da Oprah Winfrey apenas porque vc se recusa a ver a realidade. E não sei quem te nomeou 'representante negra' da sua cidade. Há muitos negros que lutam para melhorar a situação em que vivem, ao invés de fingirem que todos os negros são Joaquim Barbosa. Eu escolheria esses como meus representantes ― gente que quer mudar o mundo, não gente que está feliz da vida com o racismo em que vivemos, e prefere ignorá-lo.
Atenciosamente,
Lola

E ela respondeu:

Mas é claro que você não tem obrigação de falar sobre o que eu quero, e eu não tenho obrigação de concordar com o que escreve, e dar-se por contente. Cadê a liberdade de expressão. Represento os negros que não tiveram a mesma coragem, pela democracia de gente assim, ou nós sempre concordamos, ou então nos calamos.Sou convicta do meu papel na sociedade. O fato é que alguns jornalistas se incomodam quando são criticados. A bem da verdade, ninguém gosta de críticas, isso chateia todo mundo. Mas há jornalistas que pensam que a crítica é uma prerrogativa sua. Um alerta: muitos que se julgam 'consciências da nação', 'agentes de transformação social', saibam que hoje, mais do que nunca, o seu trabalho está sendo observado, analisado e discutido nos inúmeros foruns existentes na rede. Novos tempos, felizmente.
Saia da cadeira do escritório…de pesquisas do Google, números, porcentagens, vai pro campo, sente, ouça e amplie o discurso.
Lamentável.

Este eu não respondi. Sempre fico perplexa com a acusação de “você não aceita outras opiniões”, que às vezes ouço por aqui também. O que é exatamente “aceitar opiniões”? Acho que muita gente confunde aceitar opinião com ter de mudar de opinião. Eu ouço a opinião alheia, faço a delicadeza de responder quando encontro o mínimo de tempo, mas não tenho que passar a acreditar que puxa, é mesmo, de fato toda negra brasileira é uma Oprah Winfrey (desconheço quem seja Michely), ou que no máximo 10% das empregadas sejam negras, segundo a autora do email. É, eu sei que deveria confiar mais nas impressões de uma pessoa do que em estatísticas, mas às vezes eu sou meio racional.




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