UMA EVOLUÇÃO POSSÍVEL: MENOS CARROS, MAIS BICICLETAS
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UMA EVOLUÇÃO POSSÍVEL: MENOS CARROS, MAIS BICICLETAS


Venho acompanhando meio de longe a polêmica em torno das novas ciclovias em São Paulo, cidade em que morei durante 16 anos, até 1993. 
Antes de mais nada, só uns avisos: não ando de bicicleta desde os meus 15 anos, por aí. Nunca fui muito boa nisso, me faltava equilíbrio. Se a bicicleta tivesse rodinhas, ou se fosse um triciclo, seria mais convidativa pra mim. Que mais? Não sou fã de carro. Desde que cheguei em Fortaleza, quase cinco anos atrás, ainda não peguei no volante. Aliás, minha carteira de motorista venceu. Talvez eu a renove, mas não sinto falta nenhuma de dirigir. Mesmo.
De todas as cidades onde morei (na ordem: Buenos Aires, Rio, São Paulo, Joinville, Florianópolis, Detroit, Fortaleza), a que menos gostei foi SP. Hoje até gosto de visitar, mas, na época, eu tinha chegado ao meu limite. Fui assaltada lá três vezes. E detestava a poluição, que barrava as estrelas. Mas o pior era o trânsito, e olha que estou falando do trânsito de vinte anos atrás. Era inviável morar numa metrópole dessas. 
Campanha nos anos 1920
Em 2010, o Estado de SP recebia 1.200 novos carros todos os dias. Na capital, são 680 veículos novos sendo emplacados a cada dia. A cidade já tem 7 milhões de veículos, ou seja, um carro para cada duas pessoas. Além de lotar todo o espaço e poluir o ar, os carros matam. Em 2009 houve 1.382 mortos em acidentes de trânsito na capital, contra 1.301 vítimas de assassinato. 
Os números de SP são assustadores. Vão mesmo contra qualquer bom senso. 
Segundo um engenheiro de transporte, apenas 20% dos paulistanos andam regularmente de carro. No entanto, esses 20% ocupam 80% das vias públicas. Não é muito democrático, é? Fica menos ainda se pensarmos que, em todos os governos, as políticas "públicas" (não parecem privadas?) são feitas focando só os carros. 
E qualquer administração que ofereça alternativas ao monopólio dos carros enfrenta enorme resistência. Quando Luiza Erundina e Marta Suplicy investiram nos corredores de ônibus, a galera chiou. 
Agora é a vez de Fernando Haddad (também do PT), que promete investir em ciclovias, virar alvo. É uma guerra urbana: os 20% que andam de carro veem a cidade como sua, totalmente sua, unicamente sua, e não aceitam dividi-la com mais ninguém -- nem motos, nem ônibus, nem bicicletas, e muito menos pedestres. Esquecem-se que carro não é liberdade. É opressão social. 
Semana passada, uma professora e pesquisadora, referência em semiótica no Brasil, deu uma bola fora ao reclamar contra as ciclovias em SP e ainda, pra piorar, associar a cor vermelha (padrão internacional para faixas de bicicletas) com propaganda do PT. 

O senador e candidato a vice-presidente pelo PSDB, Aloysio Nunes, também se posicionou: contra as ciclovias, a favor dos moradores de Higienópolis. Aqueles que foram contra um metrô no bairro, porque traria gente "indesejável". Os mesmos que protestaram contra a construção de um shopping (que hoje eles adoram). 

Uma cidade do tamanho de SP tem hoje apenas 60 km de ciclovias. 
O atual prefeito, Haddad, quer aumentar esse número para 400 km até o final do ano que vem. Além de todas as vantagens possíveis (diminuição do trânsito, da poluição e do barulho, economia para a cidade, saúde para quem pedala), um efeito colateral das ciclovias é aumentar a segurança urbana. Já pensou nisso? Foi com a ajuda das ciclovias que Bogotá conseguiu reduzir drasticamente a criminalidade em suas ruas.
É simples: pra combater a criminalidade, é muito melhor ter mais gente nas ruas do que ruas desertas.
Fui convencida disso quando estive na Universidade Federal de Juiz de Fora, no ano passado. Lá, eles abrem as portas do campus nos fins de semana, para que cidadãos possam caminhar e pedalar. Muito mais eficaz que manter uma universidade lacrada e monitorada por guardas. Ocupar o espaço urbano deveria ser a palavra de ordem. 
É preciso sim superar a cultura do automóvel. É preciso refletir: de quem é a rua?
Campanha nos anos 20:
carros como máquinas
mortíferas
Em 1920 muita gente achava que ruas eram espaços públicos para crianças brincarem. Nada andava mais rápido que 16 km/h. Uma rua era como um passeio público, em que você só precisava se desviar de animais ou outras pessoas. Aí vieram os carros, que no início foram vistos como máquinas da morte, pois atropelavam -– e matavam –- pessoas, principalmente crianças. 
A relação dos cidadãos com a rua mudou. A rua pouco a pouco virou um lugar de carros, não de gente ou bicicletas. O fato é que essa relação entre pedestres, ciclistas, passageiros de transporte público, e motoristas de carro não é algo natural, que surgiu de repente. É uma construção social. E, como tal, pode ser desconstruída. Por que uma cidade privilegia os carros? Quem ganha com isso?
Uma das muitas casas
abandonadas em Detroit
Eu morei um ano em Detroit, Michigan. Felizmente, aluguei um lugar que ficava pertinho da faculdade, a quatro quarteirões, então era possível ir andando. Quando precisava pegar ônibus para ir a algum outro lugar não era muito bom (mas também não era um desastre, é só que demorava). Detroit é tida como uma das piores cidades americanas no que se refere ao transporte público. Por quê? Porque Michigan foi o estado em que ficavam todas as grandes montadoras de veículos (foi, não é mais. Hoje Michigan está falido justamente porque as montadoras, para aumentar os lucros, saíram dos EUA à procura de países onde podem pagar salários incomparavelmente menores e ainda ganhar isenções fiscais, como o Brasil). 
E obviamente não interessa às marcas de carro ter bom transporte público. Elas fazem lobby para que o transporte seja o pior possível, para que todas as pessoas precisem de um carro (a propósito, foram elas também que mataram o carro elétrico). 
Também morei em Joinville, conhecida como "a cidade das bicicletas", pois tem uma para cada quatro habitantes. Durante algum tempo eu dei aula na Tupy, que ficava a 1,5 km da minha casa, então eu ia andando. Quando dava a saída da fábrica, era um mar de bicicletas. Imagina toda essa gente indo de carro, ou lotando ônibus. E Joinville está longe de ser bem equipada em matéria de ciclovias. 
Tem um vídeo maravilhoso sobre como Copenhagen virou a cidade das bicicletas a partir dos anos 70. Hoje 55% dos habitantes da capital da Dinamarca vão de bicicleta para o trabalho todos os dias. São 350 km de ciclovias. É a capital com menor índice de congestionamentos urbanos na Europa. Mas nem sempre foi assim. E foi a pressão popular que fez com que Copenhagen mudasse de atitude.
Copenhagen nos anos 1930
O arquiteto Jeff Risom explica que havia centenas de bicicletas na Copenhagen da década de 1930, mas nos anos 50 chegaram os carros. Se olharmos fotos da cidade entre as décadas de 50 e 70, não veremos bicicletas. Só que, nos anos 70, com a crise do petróleo, as pessoas passaram a exigir (“como os paulistas devem fazer”, acrescenta Risom) mais opções de transporte. Foram os cidadãos que saíram às ruas para pedir ciclovias. 
Bicicletada em São Paulo
No começo, como toda mudança, ficou um pouco congestionado. Mas, à medida que mais pessoas começaram a deixar o carro em casa e adotar a bicicleta, mais espaço foi aberto para esse meio de transporte. E olha só, os dinamarqueses têm um alto padrão de vida. Não teriam dificuldade pra comprar um carrão. Só que lá carro não é status, é locomoção. E bicicletas são o meio mais rápido, barato, e não poluente de chegar a um lugar.
Os ciclistas em Copenhagen andam a 20 km/h, em média. Acha pouco? É porque você assiste muita Fórmula I, ou porque você fica fantasiando com a potência do seu automóvel. A velocidade média dos carros em SP é de 13 km/h. 
Aqui tem um texto muito bom rebatendo as principais críticas feitas às ciclovias de SP (que são muito parecidas às críticas feitas às ciclovias em qualquer lugar). 

Combater a cultura do automóvel é superar mitos, é parar de ver carro como símbolo de status e masculinidade, e admitir que outras alternativas são mais que possíveis -- são urgentes. 
Desde quanto estacionamentos são mais importantes que calçadas, máquinas têm mais prioridades que pessoas? É como o Patrick lembrou: muitos prédios públicos não oferecem creches para que seus funcionários possam deixar os filhos enquanto trabalham. Mas oferecem estacionamentos, com vigias. No nosso mundo, babás para carros são mais fundamentais que babás para crianças. 
Carros estacionados em cima de faixa
para bicicletas, em SP
Eu vou e volto andando de casa pra faculdade. Fiz essa opção, e paguei muito mais caro, para poder viver perto do meu trabalho. Assim, ganho em tempo e economizo no transporte. Não é perfeito: as calçadas são esburacadas, sujas, e muitas vezes ocupadas por carros e motos que decidem que precisam estacionar bem ali onde os pedestres passam. Os motoristas tampouco respeitam as faixas de pedestres (se não respeitam as calçadas, vão respeitar uma faixinha numa rua que eles têm certeza que pertence a eles?). 
O momento mais bacana no meu trajeto não acontece todos os dias. É quando, durante alguns segundos, o trânsito dá um suspiro. É o tempo que demora pro sinal abrir e todos os automóveis voltarem. Mas durante aqueles segundos, a cidade é outra. É silenciosa, calma, o ar é melhor. Nesses raros instantes, eu imagino como seria viver num lugar em que a cultura do automóvel não fosse tão predominante.




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