VALE A PENA VER DE NOVO: A ESPERANÇA VENCEU O MEDO
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VALE A PENA VER DE NOVO: A ESPERANÇA VENCEU O MEDO


Um dia depois da vitória do Barack Obama, recebi este email (minha tradução):“Fizemos história. E não quero que você se esqueça de como a fizemos. Você fez história todo dia durante a campanha - todo dia que bateu nas portas, fez uma doação, ou falou com sua família, amigos, e vizinhos sobre por que acredita que é hora de mudança. Quero agradecer a todos vocês que deram seu tempo, talento, e entusiasmo por essa campanha. Temos muito trabalho a fazer para colocar nosso país de volta aos trilhos, e manterei contato sobre o que virá a seguir. Mas quero ser muito claro sobre uma coisa... Tudo isso aconteceu graças a você. Obrigado. Assinado: Barack”.
Recebo mensagens do Obama desde que participei de um comício em Detroit, em junho. Também faço parte de um grupo conservador, de quem continuo recebendo emails, só pra ver como eles pensam. Tanto os democratas quanto os republicanos pediam doações, a partir de 5 dólares. Mas o que me chamava a atenção era a diferença dos emails. Enquanto os do Obama falavam em esperança, mudança, e inclusão, os do grupo conservador eram puro ódio. Anunciavam dúzias de novos livros revelando o “verdadeiro” Obama, que é, segundo eles, socialista, muçulmano e, se não terrorista, no mínimo amigo de terroristas, um grande perigo pros EUA. Parecia mesmo a disputa da esperança contra o medo. Sounds familiar? Deixa eu ver, quando vi isso pela última vez? Ah sim, 2002, Brasil, Lula x Serra. Mas devo estar enganada, porque a grande mídia está dizendo que as vitórias de Lula e Obama não têm absolutamente nada em comum.
Lembro do primeiro encontro que Lula teve com Bush, já em 2003. Todos os jornalistas brasileiros estavam ávidos em saber como um líder de esquerda se relacionaria com o dono do mundo. Loucos pra captar um deslize diplomático, perguntaram se o Lula gostava do Bush. E o Lula saiu-se com uma resposta ótima: “Gostar mesmo, eu só gosto da Marisa”. Mas desta vez Lula deixou clara sua torcida por Obama. E, assim como tantos líderes ao redor do mundo, vibrou com sua vitória. Aliás, o planeta inteiro parece ter sido tomado por uma grande euforia. Imagine o luto se os republicanos tivessem conseguido seu terceiro mandato consecutivo.
É que esta é a chance dos EUA recuperarem um pouco do seu prestígio. Pergunte a um americano como é ser americano em outros países desde que, contrariando toda a opinião pública internacional, os EUA invadiram o Iraque. Montes de americanos fingiam ser canadenses só pra não passarem vergonha e serem imediatamente julgados pelo péssimo presidente que elegeram (duas vezes!). Isso muda com o Obama. Sua eleição quase que representa um mea culpa da população americana. Podia vir com um bilhete: “Olha, estivemos temporariamente fora de nossas faculdades mentais. Desculpa qualquer coisa”.
Na realidade, é quase impossível Obama realizar um mandato fora de série, porque os EUA estão em frangalhos. A crise é séria mesmo, e até os analistas mais patriotas e conservadores já falam em fim do império. Mas existe a esperança de um governo que dialogue mais, que seja menos arrogante, menos bélico, menos “trigger happy” que os governos republicanos (trigger happy é algo como morrendo de vontade de apertar o gatilho). E não é só o fim da era Bush, mas da era Reagan também.
Ronald Reagan (presidente entre 1980 e 88) é o deus dos conservadores americanos hoje em dia. Eu nem sabia que o pessoal gostava do Reagan - até que ele morreu, em 2004. Aí virou um carnaval, a história foi inteirinha reescrita, o sujeito foi canonizado, e seu governo virou uma lição a ser seguida. É estranho, porque eu vivi os anos 80. Lembro de escândalos como o do Irã-Contras e de capas de revistas semanais como a Time e a Newsweek estampando “A América de Reagan: Os pobres ficam mais pobres” e “O Fracasso de Reagan: Ele conseguirá se recuperar?” Pois é, conseguiu. Vai saber como Bush será avaliado. Pra muitos conservadores, ele foi um grande presidente apenas porque impediu que os EUA fossem atacados de novo, após 11/09/01 (ahn, durante o seu primeiro mandato).
É claro que Obama foi eleito pra defender os interesses americanos. Se houver conflito (e geralmente há) entre os interesses americanos e os interesses de qualquer país do mundo, a gente verá Obama usar o “big stick” (grande porrete) que vem com o cargo. Como todos os presidentes americanos, democratas e republicanos, Obama também declarará suas guerras. Mas a gente espera que ele pense duas vezes antes de invadir um país porque os EUA precisam do petróleo. A gente espera que ele cumpra acordos ambientais para que os EUA deixem de ser o rei do desperdício. E a gente espera que um país tão rico reavalie suas prioridades. Como ter dinheiro de sobra pra promover guerras e salvar bancos, mas não pra oferecer saúde e educação (universitária) a sua própria população?
Pra mim, o pedaço mais importante do discurso da vitória de Obama foi este: “Vamos convocar um novo espírito de patriotismo; de serviço e responsabilidade em que cada um de nós passe a colaborar e trabalhar mais e cuidar não apenas de nós mesmos, mas um do outro. Se esta crise financeira nos ensinou alguma coisa, é que não podemos ter um Wall Street que vai bem enquanto Main Street [rua principal] sofre - neste país, nós nos levantamos e caímos como uma só nação, como um só povo”. Em outras palavras, ele pediu o fim do individualismo exacerbado que é marca registrada dos EUA! Ele também mencionou uma eleitora de 106 anos, nascida uma geração após o final da escravidão, e que durante boa parte de sua vida não pôde votar por causa da cor de sua pele e por ser mulher. E ele pergunta o que os americanos querem deixar pros seus filhos se eles viverem 106 anos. É uma ótima pergunta.
Na verdade, só o fato de tantos conservadores chamarem Obama de socialista já me enche de esperança. Ninguém jamais acusou Bill Clinton de ser socialista, por exemplo. As votações de Obama no Senado foram impecáveis, e, segundo a direita, ele foi um senador ultra-esquerdista. Ok, esquerda nos EUA certamente não tem o mesmo significado que em outros lugares. Mas a reação contra sua vitória é forte, porque os EUA são um país dividido. E nem sempre as manifestações contrárias são muito democráticas. Já estão circulando camisetas com dizeres como “'I'll keep my freedom, my guns, and my money. You can keep the change” (“Vou ficar com minha liberdade, minhas armas, e meu dinheiro. Fique você com a mudança”. “Change” foi o slogan do Obama, mas aqui há um trocadilho com “troco”: “Fique você com o troco”).
É fácil identificar conservadores americanos revoltados com a vitória do Obama, mesmo que não estejam vestindo essas camisetas. Eles vão passar os próximos quatro anos, quiçá oito, referindo-se ao presidente pelo seu nome do meio, Hussein. Como se chamar-se Hussein fosse algum incrível demérito. Já estão fazendo campanha pra Sarah Palin 2012. Não, é sério. É ela que engloba todos os ideais da direita. Não preciso nem dizer que, desde já, Obama é favorito pra vencer em 2012.
Se bem que, como disse um conservador revoltado, “Talvez ele não dure nem um ano”. O discurso do ódio é nesse nível. E não se pode duvidar de um país com indivíduos que adoram atirar e que já mataram Martin Luther King e John Lennon, e ou mataram ou tentaram matar vários presidentes (Reagan incluso). Outro leitor americano daquele grupo de direita do qual recebo emails jurou: “Vocês não vão conseguir implantar o socialismo nos EUA sem enfrentar resistência”. Alguém sugeriu que os conservadores aceitem a derrota e evoluam. Um respondeu, “Não acredito em evolução. Prefiro ficar com a minha fé, Deus e minha arma”. E lógico que tem racismo no meio: “Não vou pagar impostos para esse crioulo que deveria ter ficado na África”. Há também as mensagens mais educadas, como esta: “Nunca apoiarei este novo presidente socialista. Ontem a América morreu e tornou-se a piada do mundo. Obrigado, liberais socialistas. Apodreçam no inferno”. E mais um: “Estou rezando por um fracasso épico”. E quando a direita cristã fala em rezar ela não está usando uma figura de linguagem.
Mas imagino que o pessoal que não seja fanático por armas e que acredita na separação entre igreja e estado esteja como eu: feliz pela vitória do Obama. Feliz e emocionada, até. É só eu ver gente comemorando que meus olhos ficam marejados. Pena que minha emoção não dure muito. Na quarta, a apresentadora meio âncora do Jornal Hoje disse que é bonito e raro ver as pessoas se emocionando, acreditando num político. Raro em que lugar, cara-pálida? Só porque a grande imprensa não cobre as nossas comemorações não quer dizer que elas não existam. Inclusive em Joinville, que pela primeira vez em sua história elegeu um governo de esquerda, o clima é de muita esperança. Porque às vezes a esperança vence o medo.




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