Luis Fernando Veríssimo – cronista, romancista, novelista, saxofonista e tantas outras coisas criativas – é uma leitura obrigatória. Seus textos, sempre consistentes e leves, fazem bem a alma. Muitas vezes ele fica distante dos temas mais áridos da política. Mas, quando os aborda, sempre estimula a reflexão crítica. Reproduzo abaixo a crônica publicada neste domingo (14) sobre Marina Silva e as eleições. Retorno na sequência:
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Marina
A comparação da Marina com o Jânio e o Collor é gratuita, mas, se ela for eleita, entrará na lista dos nossos presidentes exóticos - o que não significa que terá o mesmo destino dos outros.
Mulher, negra, com uma história pessoal de superação da sua origem mais admirável até do que a do Lula, ela seria, no governo, no mínimo uma curiosidade internacional, e talvez uma surpresa.
Acho difícil que sobreviva a todas as suas contradições e chegue lá, mas no Brasil, decididamente, você nunca pode dizer que já viu tudo. Temos uma certa volúpia pelo excêntrico.
A influência da religião numa hipotética administração Marina é discutível. Não se imagina que o bispo Malafaia e outros bispos evangélicos teriam o mesmo poder no governo que tiveram sobre a redação dos princípios da candidata, obrigada a mudar alguns para não desagradá-los.
E o que significaria termos um governo evangélico em vez de um governo católico ou umbandista? Obscurantismo por obscurantismo, daria no mesmo. Outra excentricidade do momento - sob a rubrica “Só no Brasil” - é o fato de a candidata mais revolucionária nestas eleições ser ao mesmo tempo a mais conservadora.
A aprovação quase universal do casamento gay está tornando esta questão obsoleta, para não dizer aborrecida, mas outras questões em choque com princípios religiosos, como a da liberação do aborto e a pesquisa com células-tronco, afetam a vida e a morte de milhões de pessoas.
É impossível saber quantas mulheres já morreram em abortos clandestinos por culpa direta da proibição do uso de preservativos pelo Vaticano, por exemplo.
Não faz a menor diferença para mim, para você e para o nosso cotidiano se Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo porque nem Ele era de ferro, ou se a humanidade descende de macacos.
Eu mesmo adotei uma crença mista a respeito: acredito que todos os antepassados da nossa espécie eram filhos de macacos menos os meus, que foram adotados. Mas a oposição à pesquisa com células-tronco que pode levar à cura de várias doenças hoje mortais não é brincadeira. É criminosa.
Acho a Marina uma mulher extraordinária. Mas, como alguém que está na fila para receber os eventuais benefícios de pesquisas com células-tronco, voto no meu coração.
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O texto é belíssimo. Ajuda a pensar neste momento tão importante, às vésperas das eleições. Ele é duro, intenso, mas sem perder a ternura. É assim que se comporta o grande brasileiro Luis Fernando Veríssimo. Ele sempre fez questão de explicitar suas posições e nunca se curvou diante da pressão de setores da imprensa – “às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”, já disse em outra ocasião.
Apesar da virulência midiática contra o ex-presidente Lula, ele nunca escondeu sua simpatia pelo “sapo barbudo” (veja o vídeo abaixo), mesmo lhe fazendo seguidas críticas. Nas eleições de 2010, ele também insinuou seu voto em Dilma numa entrevista ao jornalista Ayrton Centeno, do site “Brasília Confidencial”. Após elencar os avanços das duas gestões de Lula, ele declarou: “Vou votar para que o próximo continue este”.
Na construção do Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé, uma obra coletiva iniciada em maio de 2010, uma das várias alegrias que tive foi quando Luis Fernando Veríssimo topou fazer parte do seu conselho consultivo. Através do amigo comum Joaquim Palhares, do site Carta Maior, eu lhe fiz o convite e ele respondeu imediatamente. “Topo fazer parte do Conselho, desde que não envolva uma participação muito ativa, para a qual eu não teria condições. E obrigado pela distinção do convite”. Tomei “umas” para comemorar!
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