Geral
Verissimo e as lembranças do golpe
Por Altamiro BorgesNo momento em que brasileiros saem às ruas para rosnar pela volta dos militares ao poder e para exigir o impeachment da presidente Dilma – trazendo à tona o ódio de classe incubado pela mídia golpista durante doze anos –, nada como ler mais uma lúcida crônica de Luis Fernando Verissimo, publicada neste domingo (22) em vários jornais. O texto deveria ser recomendado nas escolas para os estudantes que não conhecem a história e que são guiados, como massa de manobra, por organizações fascistas e entidades ligadas às elites – nativas e alienígenas. Reproduzo o imperdível artigo abaixo:
*****
28 anos
Verissimo
Lembrando aquele tempo, o que me parece mais incrível é que eu tinha 28 anos. Como foi que eu passei pelos meus 28 anos sem me dar conta, todos os dias, do privilégio? A gente deveria poder voltar ao passado só para nos encontrarmos mais moços, nos darmos uma boa sacudida e gritarmos "Cara, isto nunca mais vai te acontecer! Você nunca mais terá 28 anos!". Descontado o susto que levaríamos ao ser atacados aos gritos por um velho desconhecido, o encontro nos alertaria para o valor daquela raridade - estar vivo e ter 28 anos!
É verdade que eu não tinha muitas razões para festejar a idade. Tinha uma razão para estar eufórico - minha mulher e eu ficamos noivos no dia em que assassinaram o Kennedy, e a caminho da loja para comprar as alianças éramos as únicas pessoas alegres na rua - mas, sem dinheiro e sem perspectiva de ganhá-lo, muitos motivos para estar preocupado com o futuro. E o País naquela agitação. O governo do Jango Goulart atacado por todos os lados, tentando sobreviver, e a oposição, a imprensa, radicais de direita e de esquerda competindo para encurtar sua sobrevida.
Casamos no dia 8 de março de 1964. Poucos dias depois houve a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Milhares de pessoas foram às ruas protestar contra o governo, cujas "reformas de base" eram chamadas de comunizantes e uma ameaça à liberdade no Brasil. Alugamos um quarto e sala perto do Túnel Velho, em Copacabana. A janela do quarto dava para a rua Siqueira Campos, por onde ainda passavam bondes. Mas quem liga para o barulho de bondes (e para a agitação política) no começo de um casamento? E ainda por cima com 28 anos?
As marchas da família com Deus eram impressionantes. Você tinha a ideia de que o País inteiro se sublevava, com velas acesas contra o bolchevismo. E no dia 31 de março, os tanques puseram-se em marcha. Um hipotético esquema militar do Jango para resistir ao golpe provou ser mais hipotético do que se pensava. Jango foi deposto. E mesmo na chamada fase branda da ditadura que se instalava, sob o comando do marechal Castelo Branco, começaram as perseguições e as cassações. Minha tia Lucinda trabalhava no governo do Rio. Não tinha nenhuma atividade política, mas suas opiniões eram de esquerda, em contraste com o pensamento da maioria das suas colegas de repartição. Montamos um esquema, que esperávamos fosse mais confiável do que o do Jango, para ajudá-la a fugir, caso a coisa apertasse. Não foi preciso acionar o esquema - que foi minha única participação na resistência ao regime ditatorial, fora o ritual de ler as crônicas do Cony no Correio da Manhã todas as semanas.
Vivemos dois anos no apartamento sacudido pelos bondes da Siqueira Campos. Nossa primeira filha, a Fernanda, nasceu lá. Acostumada com o ruído dos bondes, é, até hoje, dos nossos filhos, o que tem o sono mais tranquilo. Minha condição econômica continuava a mesma: pouco dinheiro, menos perspectivas. O resultado foi que desistimos do Rio e fomos morar na casa do pai, em Porto Alegre. Prometi à minha mulher, carioca, que seria por pouco tempo, mas estamos em Porto Alegre há quase 50 anos. Estávamos lá quando veio o Ato Institucional n.º 5 e começou o período mais criminoso do regime militar.
Às vezes, penso naquela fase de nossas vidas, e da vida do País, quando morávamos no Rio. Me pergunto se aquelas pessoas que marcharam com Deus, e recolheram ouro, do qual nunca mais se ouviu falar, para ajudar o País, imaginavam que suas marchas cristãs e bem-intencionadas dariam no que deu. Li que nas recentes manifestações contra o governo Dilma surgiram faixas pedindo "intervenção militar já". E me senti, de novo, com 28 anos.*****
Leia também:
- Verissimo e a revolta da classe média
- Verissimo, Marina e o "voto no coração"
- Verissimo pede desculpas à imprensa
- MST e a reforma agrária de Verissimo
- Verissimo, a mídia e o "sapo barbudo"
- Verissimo e Sader no Barão de Itararé
-
Clarissa
Autor: Érico veríssimo 197 páginas Porque leu este livro? O comprei no sebo quando estivemos no Brasil este ano porque já tinha lido: Olhai os lírios do campo. O livro é sobre... Uma adolescente chamada CLARISSA que vivia numa fazenda...
-
Veríssimo, Marina E “voto No Coração”!
Por Altamiro Borges Luis Fernando Veríssimo – cronista, romancista, novelista, saxofonista e tantas outras coisas criativas – é uma leitura obrigatória. Seus textos, sempre consistentes e leves, fazem bem a alma. Muitas vezes ele fica distante...
-
A Torcida Pelo Genial Verissimo
Por Altamiro Borges O escritor Luis Fernando Verissimo foi internado ontem no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Segundo a sua filha Fernanda, o pai de 76 anos começou a se sentir mal na sexta-feira (16), após participar de um evento literário...
-
O Pecado De Verissimo
Rodrigo Constantino O simpático cronista Luís Fernando Verissimo ataca novamente, me obrigando a consumir mais Engov para evitar o embrulho estomacal (ainda mando a conta do remédio para ele). Em seu artigo de hoje, "Não é mais pecado", Verissimo...
-
A Propriedade De Verissimo é Sagrada?
Rodrigo Constantino Luis Fernando Veríssimo, em seu artigo de hoje, ataca o caráter "sagrado" do direito de propriedade no caso de Pinheirinho, alegando que há um direito maior, da dignidade humana, daquela gente que havia invadido a propriedade particular....
Geral