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"FIZ JURAMENTO PARA ME CASAR VIRGEM E ME ARREPENDO"
Acho que eles querem dizer relacionamento
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Meninas em cerimônia de juramento de pureza nos EUA |
Já tem um tempinho que a Lígia me enviou o link de um texto que ela se ofereceu pra traduzir. Agora ela, que é professora de inglês em SP ([email protected]) mandou a tradução. Vale a leitura, até porque os "votos de pureza" estão se tornando populares também no Brasil.
“Na fé em que o amor verdadeiro espera, eu faço um compromisso com Deus, comigo mesma, com minha família, meus amigos, meu futuro companheiro, e meus futuros filhos a manter a abstinência sexual de hoje até o dia em que eu me casar perante Deus. Assim como prometo me abster de pensamentos sexuais, toques sexuais, pornografia, e atos que levam à excitação sexual.”
Aos dez anos de idade, eu fiz uma promessa, na minha igreja e junto a um grupo de meninas da minha idade, de permanecer virgem até o dia do meu casamento. Sim, você leu certo: eu tinha dez anos.
Vamos dar uma olhada em quem eu era aos dez anos: eu estava na quarta série. Eu brincava com Barbies e tomava chá com amigos imaginários. Eu fingia ser uma sereia toda vez que eu tomava banho. Eu ainda achava que garotos eram nojentos e não tinha ideia que eu gostava de meninas também. Eu demorei mais quatro anos até ter minha primeira menstruação e, mais importante de tudo, eu não tinha a menor noção do que era sexo.
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De movimento brasileiro: livros para eles e para elas |
A igreja me ensinou que sexo era algo para pessoas casadas. Que sexo fora do casamento era algo sujo, pecaminoso, e que eu iria para o inferno se eu fizesse sexo. Eu aprendi que, como uma menina, eu tinha a responsabilidade de me manter pura para o meu futuro marido. Seria, no entanto, completamente possível que meu futuro marido não se mantivesse puro para mim porque, de acordo com a bíblia, ele não tinha a mesma responsabilidade. E, claro, por ser cristã, eu deveria perdoá-lo por seus pecados e me entregar a ele completamente, de corpo e alma.
Assim que eu me casasse, seria minha obrigação corresponder às necessidades sexuais do meu marido. Foi me dito, milhares de vezes, até que eu perdesse a conta, que se eu me mantivesse pura, meu casamento seria abençoado por Deus e nunca terminaria em divórcio.
Eu acreditei em tudo isso. E por que não iria acreditar? Eu era muito nova, e essas eram pessoas em quem eu confiava. Todos sabiam que eu tinha feito voto de castidade. Meus pais eram muito orgulhosos pela filha ter feito uma decisão tão espiritual; toda a congregação aplaudia minha honradez.
Por mais de uma década, minha virgindade foi como uma medalha de honra para mim. Minha igreja me encorajou a fazer isso, dizendo que meu testemunho iria inspirar outras meninas a seguir o mesmo caminho. A qualquer momento, se o assunto viesse à tona, eu ficava feliz em contar a todos que eu tinha feito um voto de pureza.
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Comemoração de pureza em Presidente Prudente, SP, agora em outubro |
Assim que eu cheguei à adolescência, meu voto de pureza havia se tornado minha identidade. Quando eu conheci meu namorado (agora marido), eu disse a ele logo de cara que eu estava me guardando para o casamento. Ele levou tudo isso numa boa, afinal, meu corpo, minhas regras, e ele me amava.
Nós namoramos por seis anos antes de casar. Toda vez que nós fazíamos algo remotamente sexual uma grande culpa tomava conta de mim. Eu sempre me perguntava qual era o limite, pois eu morria de medo de ultrapassá-lo. Ele poderia tocar meus seios? A gente poderia se ver pelados? Eu não sabia o que poderia ser considerado sexual o suficiente para condenar meu futuro casamento e me mandar diretamente para o inferno.
Uma mistura nada saudável de orgulho, medo e culpa me fez manter meu voto até o nosso casamento. Nas semanas anteriores ao casamento, eu recebi vários cumprimentos por ter mantido minha virgindade por tanto tempo. Os comentários iam dos curiosos (Como você conseguiu aguentar por tanto tempo?) até os mais nojentos (Aposto que sua lua de mel vai ser agitada!). Eu deixei que todos me colocassem num pedestal, como um mascote, uma garota cristã perfeita e virginal.
Eu perdi minha virgindade na noite do meu casamento, com meu marido, exatamente como eu tinha prometido naquele dia quando eu tinha 10 anos. Antes disso, eu me peguei no banheiro do hotel pensando “Eu consegui. Eu sou uma boa cristã.” Não houve coral de anjos, nem uma luz divina vindo do céu. Éramos só eu e meu marido num quarto escuro de hotel, atrapalhados com a camisinha e o lubrificante pela primeira vez.
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Sexo dói. Eu sabia que doeria. Todo mundo me disse que seria desconfortável na primeira vez. O que ninguém me disse é que eu estaria de volta no banheiro, momentos depois, chorando por razões que eu ainda não compreendia. Eles não me disseram que eu choraria na minha lua-de-mel, porque sexo parecia algo sujo, errado e pecaminoso, mesmo que agora fosse permitido, já que agora eu estava casada.
Quando voltamos da lua-de-mel, eu não conseguia olhar nos olhos de ninguém. Todos sabiam que eu não era mais virgem. Meus pais, as pessoas da igreja, meus amigos, meus colegas de trabalho. Todos sabiam que eu estava suja e manchada. Eu não era mais especial. Minha virgindade tinha se transformado em um aspecto tão importante da minha identidade que eu não sabia quem eu era sem ela.
E as coisas não melhoraram. Eu evitava me despir na frente do meu marido. Eu tentava não beijá-lo de maneira muito tentadora ou muito amorosa, para não parecer que eu estava iniciando alguma coisa. Eu morria de medo da hora de ir para a cama. Talvez ele fosse querer transar.
Quando isso acontecia, eu acabava aceitando. O que eu mais queria era fazê-lo feliz, tanto porque eu o amava quanto porque eu aprendi que era isso que eu devia fazer: era minha obrigação atender a todas as necessidades dele. Mas eu odiava sexo. Às vezes eu ia dormir chorando porque eu queria gostar de sexo, porque nada daquilo era justo comigo. Eu tinha feito tudo certo, eu tinha feito e mantido uma promessa. Onde estava o casamento abençoado que tinham me prometido?
Às coisas continuaram assim por dois anos, até que eu não aguentei mais. Eu contei tudo ao meu marido que, sendo feminista, ficou horrorizado que eu o deixei me tocar quando eu não queria. Ele me fez prometer que eu nunca mais faria algo que eu não quisesse. Nós paramos de transar e ele me convenceu a procurar um terapeuta, e eu fui. Esse foi o meu primeiro passo para me curar.
Garotas de dez anos querem acreditar em contos de fadas. “Faça esses votos para que Deus te ame e fique orgulhoso de você”, eles me disseram. “Se você esperar até o casamento para fazer sexo, Deus te dará um maravilhoso marido cristão, e vocês viverão felizes para sempre”. Ter esperado não garantiu que eu fosse feliz para sempre. Pelo contrário, controlou minha identidade por mais de uma década, me fez sentir uma estranha para mim mesma, e me fez precisar de terapia. Eu tinha tanta vergonha da minha sexualidade e do meu corpo que fazer sexo era uma experiência degradante para mim.
Eu não vou mais à igreja e nem sou religiosa. Conforme eu fui me curando, percebi que não sabia como ser religiosa e ter uma vida sexual saudável ao mesmo tempo. Então eu escolhi o sexo. Eu travo uma batalha diária para lembrar que o meu corpo pertence a mim e não à igreja da minha infância. Eu preciso lembrar que os votos que eu fiz com dez anos não definem quem eu sou hoje.
Quando eu transo com meu marido, eu sempre me certifico de que estou fazendo isso por causa das minhas próprias necessidades sexuais, e não porque é o meu papel como esposa satisfazê-lo sempre.
Hoje em dia eu tenho certeza de que o conceito de virgindade é utilizado para controlar a sexualidade feminina. Se eu pudesse voltar no tempo, eu não esperaria. Eu teria transado com meu então namorado, agora marido, e eu não teria ido para o inferno por isso. Nós teríamos nos casado com uma idade mais apropriada e eu teria me mantido sujeita da minha sexualidade.
Infelizmente, eu não posso voltar no tempo, mas eu posso deixar minha mensagem. Se você for esperar pelo casamento para fazer sexo, tenha certeza de que está fazendo isso porque você quer. O corpo é seu, e pertence a você, não à igreja. Sua sexualidade é um assunto seu e de ninguém mais.
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