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GUEST POST: SILÊNCIO DANOSO EM TORNO DO VAGINISMO
Uma leitora que pediu pra ter sua identidade preservada me enviou este post muito interessante sobre um assunto que nunca foi abordado aqui no blog, e que no entanto aflige ao menos três em cada cem mulheres. Para que leitor@s possam comentar sem precisar se identificar, hoje deixarei a caixa de comentários aberta também para anônim@s. Espero que trolls mantenham distância. Leio seu blog já faz alguns meses. Eu já sabia que você existia antes, mas não sei, recentemente você está em todo o lugar. Até pouco menos de um ano atrás, feminismo era considerado por mim como algo anacrônico -- significante no passado, sem sombra de dúvida, mas anacrônico. Bem, eu não tenho vergonha de mudar de idéia, e eu mudei. A questão não é nada disso. É que eu acho que devo um texto à comunidade blogueira, especialmente àquela focada na luta pelos direitos iguais entre gêneros, ou se não um texto, uma elucidação sobre algo que nunca é falado. Eu tenho vaginismo. Você com certeza já sabe; vaginismo é uma contração involuntária -- não dá pra ressaltar esse involuntária vezes suficientes -- dos músculos da vagina quando uma mulher tenta fazer sexo. A dor é desesperadora. Tudo fica preto em volta e eu só conseguia sentir dor, e eu precisava me segurar pra não bater no homem. Até onde se sabe, isso é meramente psicológico, muitas vezes relacionado com traumas do passado ou coisas do tipo. O problema é que pra mim -- e aposto que pra muitas outras mulheres -- o vaginismo parecia que tinha chegado do nada. Eu era maior de idade e tinha resolvido perder minha virgindade com um namorado que eu amava e que me fazia sentir segura -- inclusive eu tomava pílula anticoncepcional já e ele usava camisinha. Não estávamos fazendo nada errado, muito pelo contrário. A minha família não me reprimia, apenas queria ter certeza que eu estava bem e segura. Mesmo assim, uma vez depois da outra, nós não conseguíamos. À certa altura, consegui vencer a vergonha de falar com a minha mãe e procuramos o ginecologista. Eu passei pelo exame de papanicolau pela primeira vez, o de virgens, depois de ele alegar que mesmo com as tentativas, o meu hímen estava intacto. Depois que os exames voltaram e tudo indicava que eu estava bem, ele disse que eu provavelmente tinha vaginismo e dali pra frente devia procurar um psicólogo. Bem, eu nunca gostei da idéia de ir a um psicólogo, mas dessa vez achei que era realmente necessário e cedi. Enquanto eu sentia que só batia cartão nas sessões que se passavam tentando culpar a minha mãe por qualquer super proteção ou projeção em mim de quaisquer traumas que ela pudesse ter, eu e meu namorado não conseguíamos nenhum avanço. Foi quando o nosso relacionamento começou a desmoronar; ele, que sempre tinha sido tão paciente, às vezes se afastava. Foi quando eu só observei o desaparecimento da minha autoestima acontecendo. Ninguém nunca tinha gostado de mim antes; eu era louca, louca por ele. Queria desesperadamente fazê-lo feliz, e ao mesmo tempo todas as vezes em que eu queria "deixar o meu homem satisfeito", eu falhava. Quando ele disse isso, bem, não tem um jeito que eu conte que faça isso soar menos pior. Eu acabei arrumando um jeito de aguentar a dor e começamos a fazer sexo anal. Bem, ele começou a fazer sexo anal. Eu sofria bastante toda a vez que isso acontecia, mas eu o amava e só conseguia pensar em me modular de toda a forma que pudesse pra fazer o "meu homem" feliz.
A consciência de não ter controle sobre o meu próprio corpo, mesmo que nada tangível estivesse me impedindo, ficou mais escondida, ao mesmo tempo que ele deixou de ser compreensivo. Essa situação se arrastou, claro, até que ele disse que eu não era capaz de satisfazê-lo sexualmente. Começou a dizer que se eu não conseguia, era porque não queria. Eu era extremamente insegura, imatura, e ouvir aquilo foi a minha morte. Na altura em que ele finalmente terminou comigo, tivemos o tal "final de semana de despedida". Eu tenho vergonha de lembrar de como eu estava, implorando pra não perdê-lo, tentando de qualquer maneira fazer sexo com ele, pra que ele soubesse que eu o queria, e que eu conseguiria. Dá pra imaginar que numa atmosfera horrível como essa, eu não consegui mais uma vez. Foi aí que ele me virou de costas, e me segurou agressivamente, e fez sexo anal comigo (ou em mim?). Quando terminou, ele disse que me odiava.Sair do estado em que eu fiquei depois daquilo foi algo que eu não achei que conseguiria fazer. Veja bem, uma vez eu li que vaginismo geralmente ocorre em mulheres que gostam de estar no controle, que tem "nível intelectual alto". Eu não sei vocês, mas a minha atitude nessa história não mostra nenhum nível intelectual. Eu não conseguia entender porque eu não conseguia fazer sexo, se eu tinha feito toda a lição de casa, se eu tinha me esforçado tanto pra fazer o homem que eu amava feliz. Bem, na época outras coisas ruins aconteceram, mas depois de algum tempo, eu voltei a me interessar por estudos, por trabalho, por política, e o vaginismo ficou resolvido pela abstinência: ou seja, não ficou resolvido.
O fim da história é bom: eu acabei conhecendo outro namorado, que não "perdeu a paciência" comigo, que gostava de mim e foi compreensivo. Tanto que com ele eu finalmente consegui fazer sexo, gostar, me sentir realizada, num relacionamento de verdade. Conforme eu conto para meus amigos íntimos que eu tenho vaginismo -- porque mesmo hoje, não é um problema completamente resolvido -- várias mulheres me relatam problemas com sexo. Com a expectativa do parceiro. Sobre sentir muita dor, dor além do normal, e ele nem se importar. Acabei concluindo que vaginismo é algo muito mais comum, mas como é tão, tão íntimo, ninguém tem coragem de falar sobre isso. O desespero de fazer alguém feliz pode acabar anulando a gente como ser humano. É, ao mesmo tempo, algo difícil pros homens entenderem, eu imagino, porque, bem, não tem como eles terem o mesmo problema. Mas sabe, Lola, eu acho o silêncio extremamente danoso. Porque se eu soubesse que outras mulheres passavam por isso, talvez eu soubesse que eu ficaria bem, e teria tido alguma presença de espírito pra fazer o meu namorado na época me tratar como eu merecia de verdade. Talvez eu possa ajudar alguém contando essa história, pra que fique claro que nós não temos culpa de ter vaginismo. Que os homens não têm o direito de serem imbecis a ponto de acharem que estamos "sendo frescas", "fazendo doce". Que calma, segurança de quem nos ama e sim, enfrentar o problema de frente podem fazer com que o corpo da gente seja verdadeiramente nosso.
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