GUEST POST: SINTO CULPA POR NÃO SENTIR CULPA
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GUEST POST: SINTO CULPA POR NÃO SENTIR CULPA


A P. me enviou este relato:

Você publicou um tempo atrás um texto falando sobre meu estupro e sobre os outros abusos que sofri. [Nota da editora: São tantos relatos sobre estupro que não consegui encontrar esse especificamente de jeito nenhum].
Lendo os comentários, uma pessoa perguntou se eu tinha abortado o primeiro bebê que tive, do meu namorado que me pegou à força para fazer sexo.
Sim. Eu abortei! Hoje eu sinto um alívio imenso de, mesmo nova, ter conseguido pela primeira vez na vida pensar no futuro.
Eu tinha 16 anos e namorava um homem de 42 anos. 
Ele tinha acabado de se divorciar, era médico, e no começo do relacionamento, "o homem que toda mulher gostaria de ter". Mas ainda assim, meu sexto sentido me impedia de apresentá-lo para meus amigos e meus familiares. Vergonha dele ser mais velho? 
Meus pais não sabiam da minha relação.
Meus pais sempre foram ausentes e nunca me explicaram NADA sobre sexo. Tudo que aprendi, foi graças a revistas e as poucas coisas que encontrava na internet nos anos de 1998, 1999.
Eu já tomava anticoncepcional por conta de cistos no ovário, porém, eu tomava um dia sim, três não, uma semana sim, outra não...
Aprendi sobre responsabilidade depois de ter meus filhos. E não, nunca achei que uma gravidez aconteceria comigo!
José era um amor no início do nosso relacionamento. Fez um joguinho genial. Só me beijaria depois que assinasse os papéis de divórcio. Só faríamos sexo quando eu estivesse realmente preparada.
Uns meses depois, começou a ficar esquisito. Sentia ciúmes quando minhas amigas ligavam. Sentia ciúmes quando eu ia para festas e baladas (ele dizia que não podia me acompanhar porque ainda era muito cedo pros meus pais saberem sobre nosso relacionamento), e nossas discussões passaram a ser frequentes. 
Um dia ele me apertou forte no braço (fiquei com o braço roxo), pois no meu estojo de colégio tinha o meu nome e de um colega e um coração junto. 
No dia em que engravidei, eu estava conversando com o primo dele, quando ele chegou em casa e cismou que tínhamos transado. Ele disse que eu era dele e que ele provaria. Abaixou minha calça de moletom e fez sexo comigo. Um sexo mecânico. Nem eu estava ali e nem ele. 
Eu até pensei: "Poxa, estou no meu período fértil", mas minha parte adolescente (que nem imaginou que aquilo era um sexo forçado) [nota da editora: pode chamar de estupro] me consolou dizendo: você toma pílula. Pílula do dia seguinte? Pra quê? Não ia acontecer NADA!
Mas aconteceu. Eu descobri que estava grávida.
Em um primeiro momento, eu queria o bebê. Me senti até livre. Para poder contar pros meus pais sobre meu relacionamento, pra poder ter uma família (lá em casa éramos tão distantes). José me disse que também queria o bebê. Que oficializaríamos nossa relação. Que casaríamos! Porém, eu teria que deixar de estudar, de ter meus amigos, de sair sozinha. Teria que ficar em casa cuidando dele e do bebê!
Fizemos um ultrassom e descobrimos que eu estava com oito semanas (demorou para eu fazer o teste, eu achei que minha menstruação estava atrasada pelo modo irregular de tomar a pílula). O coração do bebê batia. Eu estava com descolamento de placenta. Precisaria de repouso absoluto.
Eu nem sabia o que tudo aquilo queria dizer e perguntei pro José, que respondeu: "Que se você não ficar deitada 100% do seu tempo, vai perder o bebê!"
Fiquei assustada. Eu não queria perder o bebê! Mas... eu queria ter o bebê?
Fiquei dois dias deitada. Dois dias que José não ligou uma única vez. Dois dias em que me senti absolutamente sozinha, com medo, aflita.
Amigas ligaram para irmos pro show da Ivete Sangalo. Eu aproveitei a oportunidade e pensei: bom, se eu pular muito, eu não vou ter abortado, vou apenas sofrer um aborto!
Fui no show, pulei, dancei, bebi, aloprei! E nada!
Subia e descia escadas. E NADA!
Mais três dias sem José. Me dei conta de que eu teria que enfrentar aquilo tudo sozinha! Meus pais JAMAIS aceitariam que eu fosse mãe solteira. Foram criados em famílias absurdamente controladoras e religiosas (inclusive, uma tia quer se divorciar de um marido machista depois de 25 anos de casamento e a família é totalmente contra).
Liguei pra José e disse que queria tirar o bebê.
Ele fez outro joguinho. Disse que ia contra as leis de deus, que ele jamais faria isso, que ele me denunciaria se eu tentasse de outras formas (não reparei que ele estar com uma menina menor de idade era um problema). Eu fiquei com mais medo. Medo de não dar conta de nada. Medo de, de novo, estar passando por uma situação sozinha. Medo de nunca mais ser feliz. Vem cá, eu até queria o bebê. Na minha cabeça era como brincar de boneca, só que por outro lado, eu teria que deixar de fazer tudo aquilo que gostava. Eu não estava preparada para crescer tão rápido assim. Eu tinha 16 anos.
No meio do caminho ele aceitou o aborto. Disse que me ligaria assim que estivesse tudo esquematizado.
Duas semanas depois (eu estava com quase 12 semanas), ele pediu que eu ficasse em jejum a partir de tal horário que ele me encontraria de manhã e me levaria para uma clínica.
Eu estava MUITO assustada. Eu enjoava e queria vomitar (nada). Eu tremia como se fizesse um frio de vinte graus negativos. Meus dentes batiam. E ele MUDO.
Fui sedada, fizeram todo procedimento (pelo menos ele ficou do meu lado). Acordei meio grogue e ele estava com a mão na minha barriga e começou a chorar. E eu me perguntei: "Eu tenho que chorar também?". 
Não. Nunca chorei. Nunca senti culpa. Aliás, sentia sim! Sentia culpa por não sentir culpa! Me senti aliviada. Sentia uma sensação estranha, como se eu estivesse com um OB e precisasse tirá-lo, daí eu lembrava que não tinha que tirar nada, que tudo já tinha acabado!
Ficava aliviada por ter finalmente colocado um ponto final naquele inferno que minha vida estava se tornando.
Continuei com José por mais uns dois anos (no esquema acaba e recomeça). Quando eu comentava o assunto, ouvia dele: "Foi melhor assim, imagina um pentelho nos impedindo de transar aqui na sala". Pois é, jamais teria o apoio dele.
Mas sabe, nunca conversei sobre isso nem com minha terapeuta. Talvez me tirar a culpa seja um modo de não me dar chance para sofrer. Para não pensar no que fiz, no bebê, no que seríamos.
É normal isso? É normal eu não me sentir culpada? Não me arrepender? Ter medo de ser amarrada e queimada na praça da cidade por algo que fiz e não ligo de ter feito? Conversarei com minha terapeuta na próxima consulta.

Minha resposta: É normal não sentir culpa! As pessoas reagem de formas muito diferentes. Creio que boa parte das mulheres que abortam sentem-se culpadas, mas isso não quer dizer que existe um padrão de comportamento, uma etiqueta, por assim dizer. Não se sinta culpada por não se sentir culpada! 
Você tinha 16 anos, obviamente não estava preparada para ter um filho, e nunca teria tido apoio desse José com quem você teve a infelicidade de se envolver (e que te estuprou!). Você -- nem você nem ninguém -- tem que sofrer por fazer uma escolha que todas as mulheres deveriam ter o direito de fazer. O direito de poder escolher se quer prosseguir ou não com uma gravidez não desejada.




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