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"MEU NAMORADO AINDA É AMIGO DE QUEM QUASE ME DESTRUIU"
A E. me mandou este email:
Tenho 19 anos, namoro um rapaz de 20. Me considero feminista há mais ou menos sete meses, quando caiu minha ficha e me vi sozinha diante do mundo, e o feminismo me trouxe de volta. Com 8 anos sofri abusos de um tio de outra cidade. Os abusos pararam quando minha família parou de visitar a casa dele todo mês. Convivi com isso durante 6 anos, quando esse tio morreu e contei pra minha mãe, que ficou louca com a história e resolvemos não contar a mais ninguém da família. Ela e eu frequentamos psicólogos, porém, depois de um tempo estávamos passando por situações financeiras difíceis, e resolvi dizer a ela que estava bem (mas não estava) para poupá-la de gastar comigo. Com 16 anos fui rebelde, bebi, usei droga, ficava com quantos caras eu queria, só não transava pois tinha nojo, trauma, medo. Entrei em coma alcoólico, foi quando minha mãe percebeu que eu realmente não estava bem e me levou novamente ao psicólogo, que disse que eu tinha muita tendência a ser borderline. Moro numa cidade do interior, e tudo isso me fez ficar um pouco famosa pro lado ruim. Fiz mais uns meses de terapia e parei de novo. Conheci um rapaz e achei que era o homem da minha vida, mas ele me traía, me enganava 80% do tempo, e nunca gostou de mim de verdade. Terminei com ele, entrei em depressão, até que conheci o T. Formamos uma amizade muito bonita. Eu estava mal por causa do outro namorado e o T. me distraía; eu quebrei o pé, ele me visitava. Logo após meu aniversário começamos a namorar. Ele era virgem, totalmente inexperiente em relacionamentos; eu estava frágil, ambos imaturos. Mas deu certo por um período de 10 meses. Houve uma época em que eu estava confusa, em crise (o diagnóstico de borderline era verdadeiro). Visitei um amigo em outra cidade, saí com amigos dele e visitei lugares badalados, bebi demais e acabei ficando com um amigo desse meu colega. Voltei no ônibus chorando: que tipo de pessoa eu era? Por que eu tinha feito isso? Meu namorado nunca mereceu, sempre foi amigo, nunca brigava comigo, não me prendia, não era machão... Depois de um tempo contei pro T., que ficou muito mal, mas guardou para si mesmo. Passaram-se mais uns meses e estávamos bem, um namoro estável e saudável. Perto do aniversário dele senti vontade de tirar fotos íntimas e mostrar pra ele. Não sei porque me deu essa vontade, eu nem gosto do meu corpo, mas durante uns 20 segundos de loucura me senti bonita. Ele adorou as fotos e ficou com algumas no computador dele. Depois de mais um tempo eu entrei em crise novamente, e mesmo gostando muito do meu namorado, fiquei confusa e terminei com ele. Ele não aceitou o término, sofreu muito. Ele quase não tinha amigos de verdade do seu lado, só pessoas que o afundavam ainda mais. Aconteceu o que eu temia: ele me ameaçou com essas fotos no primeiro mês. Mas minha mãe conversou com ele e ele entendeu. Ele estava desesperado, confuso, ele não é assim, ele nunca foi assim. Bom, as ameaças pararam, e ele deletou as fotos. Mas o inferno começou depois, quando ele já não falava mais sobre isso. Três amigos dele começaram a zombar da minha cara por causa dessas fotos. Postavam no facebook, twitter, tumblr, ask, coisas que tinham a ver com esse assunto das fotos, me mandavam perguntas anônimas no meu blog dizendo que eu era safadinha. Ouvi "vadia", ouvi que eu não trancava a vagina pra ninguém (sendo que só consegui concretizar o ato sexual com esse último namorado), ouvi que eu era vaca e merecia ser estuprada, ouvi que pessoas dignas não tiram fotos nuas, ouvi que eu era hipócrita, falsa, piranha porque traí meu namorado, fora o que espalharam para várias pessoas da cidade. Muitas que considerava amigas pararam de falar comigo. Tudo isso me fez ter a maior crise da minha vida. Tentei suicídio várias vezes em um mês, e comecei a terapia com meu atual psicólogo. Hoje trato meu transtorno de borderline e vivo bem, perto do que já vivi. Depois de sete meses, voltei a falar com meu ex. Contei a ele tudo que havia acontecido comigo, o porquê das coisas que eu fazia, do modo estranho que agia com ele às vezes. Ele entendeu, chorou comigo, pediu desculpas, disse que sempre me amou e me perder o deixou desesperado. Percebi muitas mudanças na vida dele, ele amadureceu, está mais decidido. Conversamos algumas semanas dias inteiros sobre tudo, e eu sempre gostei de verdade dele, ele sempre gostou de verdade de mim. Resolvemos voltar. Já faz quatro meses que voltamos, e nosso relacionamento está ótimo. Exceto por, feminista que sou, por tudo que vivi, por tudo que passei, não consigo aceitar o fato d'ele ainda ser amigo de um dos caras que quase acabou com a minha vida, o pior deles, o que o influenciou a me ameaçar; os outros dois ele cortou contato total. Menos com esse, pois ele diz que é difícil desfazer uma amizade de infância. Eu me sinto sem importância porque, mesmo após eu contar a ele tudo que sofri por causa do seu amigo, T. ainda mantem essa amizade. Isso me faz sentir uma mulher que apanhou a vida inteira do marido e depois volta pra ele. Me sinto traindo meus princípios. Mesmo o T. não sendo machista, mesmo que eu o ame demais, essa situação me incomoda. Queria que ele nunca mais olhasse na cara desse amigo (por consideração a mim, como prova do amor que ele diz sentir por mim), mas não é o que vai acontecer, pelo visto. Não sei mais como agir. Já conversei com ele, ele sabe como me sinto em relação a esse amigo, mas continua trocando sms e conversando com esse rapaz. Não me sinto no direito de interferir na vida do meu namorado assim, mas realmente não sei o que fazer, Lola. Meu psicólogo nunca fala o que devo fazer, só "o que isso representa" e bla bla bla, estou cansada... Minhas amigas são todas feministas e me entendem; às vezes sinto vergonha de ter voltado com ele perto delas, mas eu o amo. Não sei Lola, estou perdida! Por favor, se puder me responder e me ajudar, fará de mim a pessoa mais feliz do mundo.
Minha resposta: Situação difícil a sua, E. Acho que entendo como vc se sente: eu me chateio quando, no Twitter, vejo gente com quem me dou muito bem sendo amiga de haters meus. E isso é gente que eu nem conheço pessoalmente, não são amigos e inimigos de verdade, só na internet, então imagina na vida real? Eu ficaria com bastante raiva sim se meu marido, por exemplo, não rompesse a amizade com alguém que tivesse me feito muito mal.Por outro lado, o cara é amigo de infância. Também fica difícil terminar relacionamentos assim. Os três amigos babacas do seu namorado provavelmente acharam que estavam fazendo a coisa certa, se vingando de vc em defesa do T. E o amigo que sobrou provavelmente também faz lobby contra vc com seu namorado. Ele também deve querer que o T. rompa com vc, assim como vc quer que seu namorado rompa com o amigo. Claro que são tipos diferentes de rompimentos, mas são relacionamentos de todo jeito.É chato dizer, mas todo mundo tem amigo babaca. Todo mundo tem aquele amigo ou amiga que ninguém entende por que vc quer ficar perto dele. E acho que deve haver liberdade num namoro ou casamento para que vc possa manter a amizade com sua amiga babaca sem que seu namorado seja obrigado a conviver com ela. E vice versa, claro. Vc não vai sair pra jantar com seu namorado e o namorado babaca.Mas, claro, estamos falando de mais que um amigo babaca. Estamos falando de alguém que te odeia ao ponto de ter tentado te destruir. E seu namorado ainda o considera um amigo. Pois é, é complicado lidar com isso. Estamos falando de uma pessoa que te machucou muito. E se, sei lá, esse amigo tivesse te agredido não apenas verbalmente, mas também fisicamente? Seu namorado o perdoaria?Acho péssimo ter que colocar seu namorado numa posição de "seu amigo ou eu", mas entendo como vc se sente. Bom, vc conversa com ele e ele sabe como vc se sente a respeito. Sei lá, estou confusa. Falei com meu marido sobre isso, e ele acha que não dá pra interferir na amizade alheia. Mas eu estava pensando: se eu tiver um amigo que não só é babaca como fez algo muito errado contra alguém (como por exemplo divulgar fotos nuas, atormentar, perseguir, xingar uma menina, a ponto de levá-la a tentar cometer suicídio), eu acho que ou terminaria relações com ele, ou pelo menos me afastaria desse amigo. E digo isso mesmo se ele fizesse essas coisas com uma menina que não conheço! Agora imagine se o amigo tivesse feito tudo isso comigo? É, pensando melhor, eu não iria aceitar mesmo.Estou tentando me lembrar se já passei por isso. Não sei, tenho amigos de infância com quem hoje tenho pouco contato, mas muito carinho, mesmo que eles sejam pessoas totalmente diferentes de mim (são de direita, por exemplo). Faz alguns anos, um amigo de longa data retomou contato comigo, pela internet. A gente se gostava muito quando era adolescente, e com o tempo foi se separando, por morar em estados diferentes e tal. E, claro, fiquei muito feliz quando esse amigo me redescobriu e voltamos a conversar. Só que o que era tolerável na adolescência era difícil de engolir na idade adulta. Apesar d'ele ser o mesmo cara brincalhão, espirituoso e carinhoso que eu me lembrava tão bem, ele era machista e egoísta. Ele começou a me contar sobre como tratava a esposa. Ele a traiu com certa frequência e, num desses relacionamentos, teve um filho fora do casamento, e exigia que a mulher "oficial" o perdoasse. E ele queria minha total solidariedade, sabe? E eu não pude dar isso a ele, porque não achava nada certo o que ele tinha feito, como tratava a mulher (tinha várias outras coisas, como proibir a mulher de trabalhar, etc). Ele ficou bravo comigo e se afastou. Ficamos mais um tempo sem nos falar, até que ele descobriu meu blog. E o que esse meu amigo decidiu fazer? Deixar comentários machistas, piadinhas totalmente clichê e sem graça, no meu blog feminista... Pedi pra ele parar, e ele disse que feminista não tinha senso de humor mesmo. Desde então não falei mais com ele.Aí é aquele negócio: em nome da amizade, a gente tem que tolerar um monte de besteiras e preconceitos?Como você pode ver, estou falando de uma amizade à toa, que não tem muita ligação com a sua experiência. Então talvez não seja o caso de vc pedir pro T. terminar a amizade, mas de dar um tempo, de pedir que seu namorado se afaste (mesmo que apenas temporariamente) desse cara. Porque continuar com um amigo que te fez tanto mal também me faria questionar a lealdade do T. a vc. Porque fica parecendo sim, por tabela, um pouco como "dormir com o inimigo".Como você pode ver, eu mudei de opinião umas cinco vezes enquanto te respondia.
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