"QUEM ESCOLHE NOSSAS ROUPAS?"
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"QUEM ESCOLHE NOSSAS ROUPAS?"


A C. me enviou este email delicioso, cheio de food for thought.

Ei Lola, me chamo C. tenho 24 anos, sou mãe de um garoto de 5 anos, e sou feminista desde, desde... bem, acho que desde que me conheço por gente. Nunca aceitei quando minhã dizia que eu tinha que ajudar nas tarefas domésticas e meus irmãos não, ou antes disso, quando o assunto era brincadeira e roupas. Brincava de RPG com meus irmãos, sempre questionei tudo em minha volta.
E sigo assim, questionando o mundo e a mim mesma todos os dias. Comecei a ler seu blog há alguns anos, quando depois de me organizar politicamente num partido, percebi que o machismo não acaba com o fim do capitalismo...
Mas bem, o que me leva a escrever este email é a questão da moda. Quero fazer algumas reflexões. A moda como é proposta hoje serve ao capitalismo e ao machismo. A cada estação as grandes empresas inventam tendências e criam nas pessoas a falsa necessidade de adquirir esses "novos" itens. Como diz no vídeo "De onde vem as coisas", é a obsolescência programada. 
Para que servem os seios
Além disso, nossa conhecida sociedade machista produz as roupas que "valorizam" (pra mim, estigmatizam) o corpo das mulheres: decotes, saltos, vestidos curtos, longos, sensuais... Já cheguei a me desesperar ao entrar em lojas femininas pensando em tudo isso. 
O que nós realmente escolhemos e o que nos é imposto socialmente?
Eu adoro não usar roupa! Reconheço apenas dois benefícios das vestimentas -- higiene nas partes íntimas e esquentar o corpo. No mais, viveria nua. Uma vez que isso não é (ainda) possível, minhas escolhas são sempre por menos pano, shorts curtos, saias e vestidos idem, pouca blusa, pouco tudo.
Mas, não é isso que os machistas querem? Que mostremos nossos corpos? Porque é claro, nos vestimos pros homens, e só! Percebo a incoerência no meu próprio discurso. Por um lado reconheço a má intenção da indústria da moda, por outro, quero continuar com minhas mini roupas, pensadas e produzidas por estas mesmas indústrias. 
Só para deixar claro, não sou escrava da moda. Há alguns anos que não sei o que é usar salto. Compro somente o necessário (em termos de pão-durice, sou igualzinha a você Lola; com o salário de bolsista na faculdade, conseguia pagar todos meus gastos, metade do filho, e ainda, juntar na poupança pra poder viajar, e ser realmente feliz consumindo pouco).
Barbara Evans de costas
Sinto que vivemos no tal "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Meu companheiro me fez pensar muito sobre isso. Uma vez ele me disse, quando saí com uma calça daquele tipo de ginástica, "todo homem que vê uma mulher com calça assim pensa e faz comentários sexuais, eu sei que você não quer isso". E realmente não quero, mas não tenho culpa por essas mentes pequenas. 
O que você pensa a respeito Lola?
PS: Leio muitas fontes de informação feminista, seu blog na minha opinião é o melhor do Brasil, principalmente porque você não ignora a luta de classes no feminismo. Meu sincero obrigado por trazer tanta informação importante, acho lindo ver os posts de mulheres que se descobriram feministas no Escreva Lola Escreva! 

Minha resposta: C., obrigada pelo carinho. Você faz várias reflexões interessantes, e espero que role um debate saudável na caixa de comentários. Praticamente qualquer pessoa na face da Terra entende mais de roupa do que eu. 
Compreendo o seu mal-estar com roupas. Também não gosto.
Em casa eu me beneficio da falta de janelas (há vantagens em ter poucas) para andar nua. Bom, não completamente nua porque, se eu não estiver de calça, os mosquitos sugam todo meu sangue por baixo da mesa. Mas não visto nada acima da cintura. E seria bem bacana se a gente pudesse sair assim na rua, pelo menos a gente que mora nesse calorzão. Eu fui uma vez, dois anos atrás, a uma praia de nudismo, e a sensação de entrar no mar sem vestir nada é de total liberdade. Recomendo!
Eu já tive mais preconceito com a moda, que associo quase sempre a uma indústria bilionária e elitista e a um padrão de beleza racista e, obviamente, gordofóbico. Mas entendo que vestir-se é também uma forma de expressão, e muita gente se aproveita disso para passar uma mensagem. E também, até entendo que moda tenha a ver com mais coisa além de roupa. 
Li um artigo na revista Ms. uns anos atrás (se alguém puder traduzi-lo aqui pro bloguinho, o que você está esperando?) que relacionava feminismo e moda e que me fez pensar. 
Um dos argumentos era que, se as feministas ignorarem a moda (como eu faço), estamos deixando passar nosso poder de influenciar essa indústria. De lá pra cá, li outros textos mostrando que moda e feminismo não são incompatíveis. Tenho certeza que no mundo acadêmico existe bastante pesquisa acerca dessa discussão. 
Entendo também que nem toda roupa seja opressora. Opressor é não ter escolha. Tipo: nós mulheres não podemos sair às ruas sem camisa, porque corremos o risco de sermos presas ou linchadas ou assediadas até dizer chega. Enquanto isso, homens andam por aí descamisados, mesmo tendo os mamilos que nós temos.  
Logicamente, o conceito de escolha é muito relativo. Temos que nos perguntar o quanto de escolha realmente temos nas nossas "escolhas". Tanto é imposto socialmente desde que nascemos que essas imposições soam até naturais e passam desapercebidas. Nossos "gostos pessoais" não são tão pessoais assim. São moldados por toda uma cultura.  
Tem tanta coisa que a gente, do alto do nosso privilégio, sequer repara... Por exemplo: tenho uma aluna de Guiné Bissau, linda, com a pele escura que brilha. E ela disse outro dia na aula que precisa se policiar mais ainda que outras mulheres com a roupa que veste. Porque, por ela ser negra, ela é sempre sexualizada. Ela contou que recentemente estava num ponto de ônibus fazendo o que as pessoas fazem no ponto de ônibus (aguardando o ônibus) quando um carro parou perto dela e perguntou quanto era. E ela estava de calça jeans e camiseta!
Ela também contou pra turma que não pode de jeito nenhum usar minissaia ou mesmo shorts, porque será sexualizada. E acrescentou que um homem branco pode usar bermuda numa boa, mas se um negro usa bermuda, ele é visto primeiro como um assaltante. 
Portanto, que escolha um negro realmente tem em usar bermuda, ou uma negra em usar minissaia? Que escolha essa minha aluna tem em não ser vista como prostituta?
Bom, acho que já dei o pontapé inicial pra uma ampla discussão. Vamulá! Caprichem aí nos comentários.




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