"POR QUE É TÃO DIFÍCIL LIDAR COM ALGUMAS FEMINISTAS?"
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"POR QUE É TÃO DIFÍCIL LIDAR COM ALGUMAS FEMINISTAS?"


A N. me enviou este email em maio. E eu só respondi em dezembro. Publico agora.  

Lola, você parece tão acolhedora e eu ando meio perdida e triste, me sentindo péssima. Sabe, eu tento muito saber sempre mais sobre feminismo, leio muita coisa, já li livros recomendados, textos, opiniões de feministas mais envolvidas com coletivos e de academia (não sou universitária, não estudei em faculdade -- ainda -- quem sabe um dia eu consiga). E tenho me sentido tão solitária, cada vez mais, nesse meio. 
Nas redes sociais, me esforço muito pra saber mais, pra compreender como ser feminista, mas tem hora que sinto tanta agressividade vinda de meninas que falam sobre o tema e fico confusa, envergonhada, percebo o quanto ainda sou crua e não sei de nada. Eu sei que parece que estou aqui pra reclamar de feministas, e acho que é mais ou menos isso mesmo, é um desabafo. 
Vira e mexe escrevo alguma frase no Facebook, falo algo e aparece alguém pra me corrigir tão agressivamente... Daí meus amigxs que nada sabem e não querem saber sobre feminismo vêm me dizer "tá vendo, feministas são radicais, histéricas, não é a toa que são chamadas de feminazi, daí não gostam..."
Eu li algo sobre sororidade, e entendo que temos que ser unidas, se não estou enganada. Mas o que tenho visto é, por exemplo, se curto uma página feminista no FB e compartilho alguma coisa que me parece boa, acaba aparecendo alguém pra me dizer "não se fala assim, isso aí tá errado, não é por aí". Mas de uma forma tão indelicada, sabe? Eu sei que essa luta não é fácil, muita gente precisa mesmo saber como falar, que termos usar, separar, tomar cuidado com palavras mas, repito, precisam ser tão agressivas? E ainda mais com outra mulher? 
Assim não se angariam simpatias. Acho que nunca, nunca vou saber como falar para "agradar" feministas e nunca vou poder me dizer feminista se não sei termos que posso usar, se falo algo equivocado por não saber mesmo, não por má fé.
Percebo que você, Lola, é tão delicada com as pessoas que procuram seu blog, menos com os "mascus", né? Mas geralmente vc procura esclarecer de forma educada, sem ir pra cima feito um urubu na carniça da ignorância de alguém que tá querendo aprender. Ora, é errando que se aprende ou não? 
Por que precisa ser assim, Lola? Por que algumas pessoas que já são bem mais iniciadas no feminismo tratam outras que estão só tentando acertar, entender, estudar, compreender, com agressividade e desdém? É necessário ser  assim tão impiedosa? Não falo do conteúdo, mas da forma que usam pra criticar. Ressalvo que também vejo meninas muito carinhosas e cuidadosas, como uma chamada Jarid, ela fala com doçura, não é arrogante, não tenta ser "superior", não destrói os outros.
Isso tudo, sei lá, só depõe contra o feminismo, que já é tão incompreendido. Pra que tanta agressividade até com mulheres? Sororidade não seria um princípio pra tratar outra mulher que não sabe direito ainda o que dizer, a forma de dizer, as palavras que se podem usar ou não? Eu vejo isso meio com uma forma de bullying, ou de dizer "eu sei, vc não sabe de nada, sua idiota, não é assim que se fala, não pode falar assim, você é burra". 
Até ando me encolhendo e procurando ficar na minha, não dizer mais nada, nem compartilhar nada no FB, porque parece que tem que passar por um crivo antes.
Adoro seu blog, viu? Obrigada por tudo. Nem sei se vc vai ler isso e levar em consideração.  Eu hoje fiquei meio humilhada. Mas passa...

Minha resposta: Você levanta várias questões interessantes, querida N. Acho que a resposta mais direta a sua pergunta é: porque feministas são pessoas, e às vezes é duro lidar com pessoas. Nem todas as pessoas são legais, e nem por isso a gente sai por aí odiando a humanidade, né? (Quero dizer, a maior parte de nós, não).
Tudo é relativo. Enquanto você me acha acolhedora, muita gente não acha. Muita gente me descreveria como mais agressiva do que vc descreve essas feministas que não te acolheram. E é preciso levar em consideração, sempre, que, se um homem e uma mulher dizem exatamente a mesma coisa, a interpretação de como cada um está dizendo aquilo vai variar. O homem (ao menos o homem cis, branco e hétero) geralmente será visto como assertivo, decidido, com um tom de autoridade; a mulher, como agressiva (este comercial ilustra bem isso). Simplesmente porque não se espera que as mulheres digam muita coisa. 
"Ninguém me ama,
vou virar feminista"
Campanha anti-voto
E mulheres fazerem parte de um movimento revolucionário que combate preconceitos? Um movimento que vem sendo demonizado desde que começou? Aí é que essa mulherada vai ser considerada agressiva mesmo!
Mas creio que a gente tem que saber separar quem não sabe de quem não quer saber e tem raiva de quem sabe. Não podemos tratar todo mundo igual. Alguém que já chega me chamando de feminazi gorda nojenta é diferente de alguém que foi infeliz usando algum termo. E isso se aplica a todos os movimentos sociais. 
Por exemplo (eu sempre dou esse exemplo), quando comecei o blog, seis anos atrás, eu não fazia a menor ideia de que o termo correto é homossexualidade, não homossexualismo. Usava os dois como sinônimos. Várias pessoas me corrigiram. Claro que foi muito mais eficaz a estratégia de quem decidiu explicar ("a gente não fala 'heterossexualismo', não é? Então não se deve usar 'homossexualismo'") do que de quem disse "Sua estúpida, é homossexualidade, burra!"
Mas imagina que aquele "homossexualismo" foi o vigésimo que aquelx ativista viu no dia. Que ela já explicou isso uma pá de vezes. Não é motivo pra perder a paciência de vez em quando? Nunquinha?
Por outro lado, consigo entender bem como é você se sentir aliada numa luta e não ser aceita por ativistas, muitas vezes por causa de picuinhas pessoais. É uma droga isso, mas no feminismo, assim como em tantos outros grupos, também existem panelinhas, brigas de ego, "não fui com a sua cara", invejinhas bobas, disputas de poder, e tudo o mais. Não somos perfeitas. Eu adoraria que todo mundo se desse bem e aprendesse a discordar, mas não é o que acontece. Que eu saiba, em grupo nenhum.
Tem muita gente que, em vez de criticar, debater e concluir que "discordamos nesse ponto" (e tudo bem!), prefere fazer uma fogueira virtual pra queimar quem não gosta. Em vez de falar "discordo de você por causa disso e disso", a pessoa te chama de anti-ética e mau caráter. É uma péssima escolha de adjetivos. É uma péssima maneira de ver o mundo, porque mesmo que, sei lá, uma feminista seja contra pornografia e outra seja a favor, ainda temos um montão de coisas que nos unem. Não é preciso brigar por causa de discordâncias. 
Claro, não tenho paciência com mascus nem com reaças. Sou atacada diariamente por essas criaturas que obviamente já têm uma opinião pré-concebida do que é o feminismo (e do que é "uma feminista"), e nada do que eu disser mudará essa opinião. Não dou a mínima pro que essa gente acha. Eles são inimigos do feminismo (e de todos os outros movimentos que lutam por mudanças), são anti-feministas e, na grande parte das vezes, anti-mulher. Não tenho porque ser educada com esse pessoal que, a julgar pelas ameaças que recebo, quer me ver morta. Não sou uma ativista limpinha e fofinha.
Mas há muito mais gente que não sabe o que é feminismo do que gente que é contra o feminismo, e se tratarmos todo mundo (inclusive feministas que discordam de alguma coisa) como inimigo, só saímos perdendo. Portanto, eu acho que sim, precisamos ser pacientes com quem se esforça para aprender. 
E nada de ficar cassando carteirinha feminista. Quem age assim se põe meio como leão de chácara do feminismo, e isso não existe, porque o feminismo não tem líderes. Apesar de eu ser do meio acadêmico e acreditar que teoria pode ser incrivelmente útil, eu nunca vou decretar que, se você não ler tal e tal teórica, você não pode se dizer feminista. Essa é uma visão elitista do feminismo, que não compartilho. Não vou dizer que se você é dona de casa ou anda maquiada você não pode ser feminista, porque essas são escolhas pessoais, e o que eu quero é derrubar um sistema de opressões.
E talvez eu seja utópica demais, mas sempre vou preferir o amor ao ódio. "Faça amor, não faça guerra". Parece um slogan datado dos anos 60? Pra mim não.




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