"SE EU PUDESSE VOLTAR ATRÁS"
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"SE EU PUDESSE VOLTAR ATRÁS"


A R., de 16 anos, me enviou o relato abaixo. Para ilustrar, usei várias fotos de meninas americanas da sexta série, porque acho que tem gente que esquece que essas meninas de 12 e 13 anos são... meninas. 

Eu não sei exatamente como ou porquê, mas me tornei feminista. Ainda estou no começo, sabe? Fico confusa com alguns temas e procurando respostas acabei achando seu blog.
Depois de ler diversos artigos, resolvi contar meu caso.
Bom, você deve estar chocada com minha pouca idade e ficará ainda mais com a idade que eu tinha quando aconteceu. Eu mesma não acredito.
Tenho uma família “grande”. Pais, tixs, primxs etc, então sempre fui muito alta e parecia mais velha do que realmente era.
Quando tinha 12 anos e estava na 6a série, frequentava um curso antes da escola e foi lá que tudo aconteceu. No início do ano entrou um professor novo e sabe, foi amor à primeira vista! Achei lindo, atraente, inteligente e bla bla bla. Mas até aí, normal. Achava isso de todo mundo que via. Mas namorar, beijar, ficar, nada! Nunca havia dado nem um selinho. Por muitos meses isso não significou nada, mas mais ou menos em setembro daquele ano, “nós” nos aproximamos.
Começou com umas conversas inocentes no intervalo, elogios, pedido pra adicionar no msn, pedido de telefone…
O cara tinha 28 anos, dois filhos (com mães diferentes), e a “namorada” estava esperando o terceiro.
No dia que completei 13 anos, ele vendo todo mundo me dando parabéns, resolveu me “presentear”. Me levou até uma sala e me beijou. Dos males o menor! Na época achei lindo. Ficamos assim até acabar o ano e no início do ano seguinte.
Em fevereiro do outro ano, pediram pra ele fazer uma coisa fora da escola e levar alguém pra ajudar. Adivinha: ele me chamou.
Assim que saiu da rua do curso, estacionou seu carro de vidros escuros em uma rua deserta e começamos a nos beijar. “Normal”. Depois de um tempo falou pra irmos pro banco de trás. Eu estava assustada, mas fui. Começou a passar as mãos pelo meu corpo e fui ficando cada vez mais assustada, até que colocou a mão nos botões da minha calça, me olhou e perguntou se eu tinha coragem. Eu era uma criança! Estava “apaixonada” por ele. Tinha medo de perder aquilo que eu achava que tinha. Apenas balancei a cabeça dizendo sim.
E foi ali, no banco de trás de um carro, com 13 anos que perdi minha virgindade.
Você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com o blog. Eu mesma me questionei no meio do texto… Afinal de contas, ele não me obrigou, não me forçou, então não foi um estupro. Talvez tenha sido pedofilia, mas não tenho certeza. Acho que não se encaixa.
De uma marcha das vadias: "a maneira
que as meninas jovens se vestem não
cria pedófilos. A maneira que as
meninas maiores se vestem não
cria estupradores"
Acredito mais que tenha sido um abuso de poder. Ele se aproveitou de sua situação e me seduziu. Eu acho.
Isso mudou totalmente minha vida. Porque dias depois ele pediu demissão e sumiu! Sumiu por um tempo, né. Ainda hoje, sempre que quer fu***, me procura. Peço a Deus todos os dias pra voltar no tempo e mudar o maior erro que cometi na minha vida. Sinto como se nunca fosse esquecer ele e o que fez comigo.
Há um ano namoro um garoto por quem sou apaixonada de verdade. E por mais que confie nele e o ame, não consigo nem pensar em transar. Tenho medo desse trauma nunca passar, sabe?

Minha resposta: Nossa, R. Nem sei o que dizer. Entendo que não tenha parecido um estupro pra você, afinal, você achava que estava apaixonada por um professor, um adulto, uma figura de autoridade. Mas foi. Você tinha 12 anos, e só tem 16 agora, vai demorar um pouco mais pra vc conseguir superar esse trauma.
Existem motivos para existir o que se chama de "idade de consentimento". Não é frescura, não é moralismo. É porque crianças ou pré-adolescentes ou jovens de 12 e 14 anos, seja lá como você preferir chamar, ainda estão se formando, tanto física quanto psicologicamente. E também porque estão em posição de vulnerabilidade. Vocês dependem dos pais. Lógico que vocês têm uma série de direitos, entre eles se apaixonar. Mas é realmente muito perigoso quando isso acontece por um sujeito muito mais velho, de 28 anos. Até se ele tivesse 18 anos já seria estranho, porque esses seis anos, nessa idade, fazem uma diferença enorme. 
Mas quem errou foi ele. Ele, como professor, não pode se envolver com alunas. Ele já não poderia se envolver com você hoje, agora que vc tem 16 anos, imagina quando você tinha 12. E provavelmente você não foi a única aluna com quem ele se envolveu. Pode ter sido por isso que ele saiu da escola. 
Eu com 13 anos
Eu já dei aula pra meninos e meninas de 12 e 14 anos, e sempre me dava muito bem com eles. Eu gosto de adolescentes. Nunca aconteceu, mas, se um aluno tivesse mostrado qualquer interesse romântico ou sexual por mim, não haveria a menor chance d'ele ser correspondido. Mesmo que eu não fosse casada e monogâmica, eu não me sinto atraída por meninos de 12 anos desde que eu tinha 14 ou 15 (se não me falha a memória, acho que, quando eu tinha 15, troquei alguns beijinhos com um menino de 12 da classe da minha irmã caçula). 
Sinto grade dificuldade em entender como tantos homens se rendem ao conceito de "Lolita", da menininha que, segundo eles, os seduz (casos de professoras -- quase sempre dos EUA -- que se envolvem com garotos também existem, mas não há comparação com a forma que nossa cultura sexualiza as "ninfetas"). A responsabilidade é sempre da pessoa mais velha. Cabe a essa pessoa mais velha se afastar, dizer não. 
Cena de Towelhead
Não sei se você já viu, mas recomendo os filmes Towelhead, que mostra uma menina de 13 se "interessando" por um vizinho, e como ele abusa dela, o filme Confiar, que também trata de um pedófilo virtual que seduz meninas, e a peça Como Aprendi a Dirigir, de Paula Vogel, em que a protagonista, adolescente, é abusada pelo tio. São obras fortes, mas acho que você vai se identificar. 
Eu com 12 anos: uma criança
Ah sim, quando eu tinha 14 anos, eu ia nadar num clube. E lá me apaixonei (ou achava que tinha me apaixonado) por um salva-vidas lindo que tinha 22 anos. Eu acho que dei muito em cima dele. Felizmente, por mais simpático que fosse comigo, ele entendeu que não era certo se envolver com uma menina de 14. Que bom que existem homens responsáveis!
O que aconteceu contigo é muito comum, R. É por isso que essas obras que indiquei são importantes. A sociedade vê os pedófilos como monstros que ficam à espreita para pular em cima das vítimas, mas geralmente não é assim que eles agem. Eles se aproximam lentamente, são bacanas, falam com a menina, tratam bem, de um jeito que vários adultos não tratam. Nosso mundo não vê com bons olhos crianças e adolescentes. Ou julga vocês incapazes, ou perigosos. Como diz a narradora de O Olho Mais Azul, de Toni Morrison (em que uma menina negra é estuprada pelo pai alcoólatra), há adultos que nem falam com crianças, só lhes dão ordens. 
"Você obviamente nunca foi
uma menina de 13 anos"
Crianças sabem que adultos têm o poder. E tantxs de nós, em qualquer idade, somos seduzidxs pelo poder. Quanta gente de classe média não quer "pertencer" ao mundo dos ricos? Quantas mulheres não querem "pertencer" a um grupinho de homens misóginos? Crianças querem ser vistas por adultos, querem conversar com eles. Imagina como é fácil para um pedófilo se aproveitar disso.
Foi o que seu professor fez. Você ainda pode denunciá-lo, se quiser, porque o crime que ele -- não você! -- cometeu não prescreveu. E, principalmente, porque ele deve ter feito e deve estar fazendo o que fez contigo com outras meninas. Você já contou isso pra alguém da sua família? Pro seu namorado? 
Fundamental é que você corte o estuprador da sua vida. E é você que precisa avaliar se quer ou não denunciá-lo. 
Isso tudo ainda é muito recente pra você. Deve parecer que foi ontem, e foi mesmo. As feridas ainda estão abertas. Considere fazer terapia. Você não deve permitir que o abuso que sofreu te defina, mas você tem que lidar com ele. O trauma vai passar sim, só que talvez não passe sozinho, sem ajuda. 
Fique bem, R. querida. Continue sendo forte.


Depois que terminei de escrever isso, recebi a notícia de que um tribunal de Goiás absolveu, por unanimidade, um homem de 48 anos que teve um relacionamento duradouro com uma menina de 13. Os desembargadores alegaram que, apesar do Código Penal presumir estupro, essa presunção poderia ser afastada se a vítima consentisse e se "não fosse ingênua a respeito do sexo". Para um deles, pesou que ela já não fosse mais virgem. Como esse tipo de decisão é absurdo e machista! 
Outra coisa: no post de anteontem, publiquei um tuíte de uma escritora, a Renata, celebrando o que a filha de 13 anos de uma amiga havia dito: que seu corpo era uma festa, mas só para convidados. Algumas pessoas reclamaram, achando que 13 anos era cedo demais pra ver o corpo como festa (seja lá o que isso quer dizer). Não quero entrar nesse campo polêmico, mas é frequente crianças e adolescentes descobrirem seus corpos com outras crianças e adolescentes (brincar de médico, quem nunca?). 
Eu vejo essa fala da menina como uma questão de autonomia sobre o próprio corpo, muito mais do que uma afirmação de que ela estaria "convidando" montes de homens para transar com ela. No entanto, e se estivesse? Se uma menina de 13 anos, uma criança, como se pode ver pelas fotos que pus aqui, "convidasse" um homem de 48, ou de 28, para transar (vamos imaginar que esse cenário existe, e não o inverso, como o narrado no guest post), cabe a ele a responsabilidade de dizer "Não, obrigado". 




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