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"FUI CRIADA PARA TER MEDO DOS HOMENS"
A L. me enviou este email:
Eu sempre fui muito machista, criada por uma família bem conservadora (especialmente por parte de pai), e nem sequer percebia o quão perigoso isso pode ser. Mas agora eu leio o seu blog e outros de vez em quando, tento aprender mais e mais sobre o movimento feminista e o acho incrível. Ainda assim, tenho um problema.
Eu fui criada para ter medo de homens. Não de uma maneira normal, acho, já que minhas amigas acham que eu sou neurótica. Por exemplo, quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, estávamos eu e minha mãe na cabeleireira, e eu quis voltar pra casa sozinha à noite, e minha mãe não deixou, apesar de minha roupa ser bem folgada pois, "a primeira coisa que um homem faz ao vê-la é imaginá-la nua". Minha mãe já fez plantão em Delegacia da Mulher, então ela está sempre muito preocupada com isso. Aos meus 14, 15 anos, esqueci mais ou menos esses ensinamentos, e era bem legal. Eu andava à noite sem medo (apesar de com cuidado), e tinha muitos amigos homens (apesar do medo que minha mãe tinha por mim por eu estar rodeada de homens). Quanto a esse assunto, minha vida estava boa. Namorei, acabei, fiquei, e coisas assim, até começar a namorar com o meu atual namorado (eu tinha 15 anos quando começamos a namorar), que chamarei de G. Nosso namoro sempre foi muito conturbado, cheio de brigas, mas acho que posso dizer que a culpa é minha por sempre me chatear com qualquer besteira. No começo do namoro brigávamos porque ele queria que eu perdesse a virgindade com ele e eu não estava pronta, mas ele achava que eu estava (como se fosse ELE que pudesse decidir isso, né), e enfim, brigamos um pouco, mas em questão de um ou dois meses, passou essa fase. Perdi a virgindade com ele naturalmente aos 9 meses de namoro, por livre e espontânea vontade (na verdade, acho que ele amadureceu nesses meses e até ficou me perguntando se eu "tinha certeza", com medo de que eu estivesse fazendo só por ele). Os meses seguintes foram bem divertidos, e nunca tivemos problemas na cama.
Mas aí eu viajei para os EUA, em um intercâmbio. Passei quase um ano lá, morei com três famílias. Nos EUA eu não tinha amigos homens e quase não falava com homem algum (só os professores e meus host parents). E apesar dos problemas naturais de qualquer intercâmbio, eu me diverti muito. Só houve dois problemas. O primeiro, é que eu tinha muito medo de invadirem a casa e fazerem algo comigo, porque lá não tem muro.
Também tinha medo do meu primeiro host father pois não tava acostumada ainda a morar com gente estranha e ele era o único homem da casa. Mas isso foi só no começo, depois passou. O outro problema foi uma situação lá em que me senti invadida: um irmão da segunda família minha de lá entrou no meu quarto enquanto eu dormia, sem bater na porta nem nada, mas eu acordei na hora e ele arrumou uma desculpa qualquer e foi embora. Acho que ele ia pegar dinheiro meu, já que meu dinheiro "sumia" naquela casa, não acho que fosse abusar de mim.
O problema começou quando eu voltei. Eu passei a ter medo de homens. Não muito, mas a ponto de, se meu namorado me abraçasse com força e eu não conseguisse largar, eu ficava com medo e começava a tremer. Não sei se foi pela falta de contato com homens que tive, ou se pela situação com o irmão lá, ou se pelo medo que senti. Por coincidência ou não, desde que voltei não consegui mais ter orgasmos. E assim, com o passar do tempo, fui perdendo meu interesse em sexo.
Não tenho certeza se minha falta de libido está diretamente ligada à falta de orgasmos, talvez seja só coincidência. Meu medo de homens próximos a mim passou depois de alguns meses, mas passei a ter uma paranoia muito maior quanto a homens desconhecidos do que tinha antes dos 14 anos. Não consigo me imaginar fazendo sexo com outro homem que não meu namorado. Me dá medo. Medo, de verdade. Eu acho a ideia apavorante. E acho que isso não é saudável.
O fato é: eu tenho um problema. Não sei o que o causa, não sei o que aconteceu. Mas, lentamente, desde que voltei dos EUA, meu medo aumentou e minha libido diminuiu. Eu tenho tentado resolver esse problema do sexo e tem melhorado, mas não muito.
Ah, quase esqueci de contar: já tive alguns problemas com o G. porque ele às vezes tacha as coisas como "de puta" ou "não de puta", digamos. Já me contive muito por causa disso. Tenho medo dele me julgar. Ele diz que nunca me julgaria, mas não consigo largar esse pensamento. Sei que provavelmente essa é a causa de meus problemas na cama, mas não sei como mudar. Estamos juntos há 4 anos, não acho que ele me julgaria, mas como já aconteceu de ele dizer que isso ou aquilo são coisas de puta (mesmo que ele não quisesse ofender, esse adjetivo é ofensivo por si só), eu fico tensa.
Imagino que você não possa me oferecer uma solução milagrosa que tudo resolva, mas...
Eu simplesmente precisava desabafar com alguma pessoa do sexo feminino, e não tenho nenhuma amiga com quem me sinta à vontade pra falar sobre isso. Sempre vejo pessoas desabafando com você, então pensei em fazer o mesmo... Espero que não lhe incomode. Eu estou realmente preocupada com essa situação toda. Me frustra saber tanto sobre o feminismo, concordar com boa parte, e não conseguir internalizar as ideias.
Minha resposta: Querida L., qualquer medo que te paralisa deve ser compreendido e combatido. Parece que, sem maiores acontecimentos, o seu medo piorou, e isso afeta sua libido. Será que algo sem tanta importância que ocorreu contigo nos EUA reativou um trauma de infância que você esconde até de você mesma? Eu tentaria descobrir as causas desse medo todo através de terapia. Converse com seu namorado sobre o incômodo que você sente ao vê-lo categorizar as coisas como "de puta" e "não de puta". Acho que ele vai entender.
Espero que as pessoas aqui possam te dar alguma luz.
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