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MENINAS QUE AMAM DEMAIS
A N. me mandou essas dúvidas.
Vou direto ao assunto: sou perdidamente, enlouquecidamente, 100% mesmo, sem tirar nem por... apaixonada por um machista. Mas talvez tenha explicação e eu não seja tão doida assim. É por isso que quero sua opinião.
Tenho 22 anos e quando tinha 14, eu era uma criança bem sozinha, carente de atenção, sem amigos e com uma família desestruturada. Foi quando um professor meu começou a me dar muita atenção. Eu era a aluna certinha que tira notas altas, ajuda os colegas, presta atenção na aula e demonstra interesse, sabe? O sonho de todo professor? Acho que eu era assim. Papo vai, papo vem, em pouco tempo ele já me ligava todo dia, me dava carona pra casa, trocávamos sms, saíamos juntos. Um pouquinho mais e todas as mulheres da vida dele -- namorada, mãe e irmã -- já me odiavam. Para uma menina de 14 anos carente, um cara bonito, carinhoso e atencioso que chega te chamando de linda, especial, inteligente, é o tal do príncipe encantado que nessa idade a gente costuma acreditar que existe, né? Eu me apaixonei.
Enfim, só para não ficar no suspense... Todas as declarações de carinho e afeto de um dia pro outro de transformaram em nada além de indiferença. Um dia ele me disse, se referindo à namorada, "com uma de vocês duas eu vou ficar". Nesse dia eu tive a primeira pista de que ele não passava de um cara muito egoísta e egocêntrico. Quando no auge do meu desespero eu perguntei a ele "Eu posso fazer alguma coisa para te convencer a me escolher?", escutei como resposta "Tenta". Nesse dia eu chorei como nunca e me perguntava confusa se eu devia ter me atirado para ele, provado que eu era madura o suficiente para merecê-lo. E até hoje eu ainda penso que se eu tivesse feito isso, ele teria me escolhido.
Bem, os anos passaram. Ele não só não ficou com a namorada, como simplesmente parou de falar comigo, e ainda iniciou um relacionamento com uma outra professora minha. Eu passei por poucas e boas até me ver "livre" da presença deles nos anos de escola, mas acabei sobrevivendo. O profundo sofrimento e vontade de morrer acabaram se amenizando com o tempo e hoje, mais amadurecida, eu quase consigo enxergar nele alguém bastante diferente do que construí aos 14 anos. Digo quase, porque tudo o que acumulei de afeto e admiração é muito intenso e eu sempre me pego confusa. Afinal, ele foi um pilantra? Foi egoísta e aproveitador, ou realmente gostou de mim mas pulou fora antes que se envolvesse ainda mais? A indiferença toda foi fruto de uma brava tentativa de me ajudar a esquecê-lo, ou apenas verdadeiro desinteresse pelo meu bem estar?
No Facebook as piadas machistas por ele compartilhadas me causam repulsa, mas a paixão é tão intensa que eu só faço fingir que não vi. Isso é o quê? Um amor tão grande que chega a ser incondicional, ou estou perdendo meu tempo nutrindo tanto sentimento por alguém que nunca mereceu e continua não merecendo? Por que saber (ou achar) que o cara é um idiota não é suficiente para criar uma aversão a ponto de me fazer esquecê-lo?
E aí eu vejo essas mulheres que se casam com homens que são completos cretinos mas não têm coragem de dar um basta e se divorciarem pois alegam amá-los. A gente aponta o dedo e diz "Como pode gostar de alguém que te maltrata?". Eu acho que as entendo. Eu continuo amando alguém que só me fez sofrer. Qual é esse limite sutil que separa "amor por um homem" do "amor por si própria"? Para completar essa minha dúvida, namoro há alguns anos um rapaz que, mesmo não sendo nem de longe assumidamente machista como o professor, já fez algumas coisas não muito legais comigo, principalmente quando fica irritado, apelando para uma agressividade verbal e vez ou outra até física. A gente sempre conversa, ele reconhece seu exagero e tenta melhorar. Mas sinto medo de estar fazendo um papel masoquista nessa história toda, devido ao meu histórico. Será que estou exagerando? Ou será que realmente eu estou sendo vitimada e tentando colocar panos quentes em nome do "amor"? Não quero terminar como essas mulheres que se casam, são destratadas pelo marido na frente dos filhos, e aceitam viver assim para sempre. Tenho uma certa "pré disposição" para tal? Estou achando que sim.
O que vc pensa disso? Existe alguma maneira prática de descobrir se é tudo coisa da minha cabeça ou se realmente esse é um perigo ao qual estou me expondo? E se sim, como a gente faz para passar por cima de todo o sentimento e se afastar de alguém?
Minha resposta: Querida N., é difícil dizer, porque nunca passei por isso. Mas, pelo que sei, através de leituras e dezenas de relatos que chegam até mim, sim, existe uma pré-disposição. Uma infância complicada, um trauma do passado, um relacionamento abusivo-- tudo pode desencadear uma certa tendência para se envolver amorosamente com pessoas erradas, pessoas que te farão sofrer. Então o primeiro passo é óbvio: fuja do relacionamento com essas pessoas. Ao primeiro sinal que um cara pode te fazer sofrer, termine o relacionamento. Com o tempo, vc vai encontrar alguém em que vc realmente possa confiar.
Mas me espanta que, mesmo depois de oito anos, vc continue apaixonada pelo professor. Puxa, N., esquece isso. Pare de acompanhá-lo nas redes sociais, e tente esquecê-lo.
Uma vez, numa palestra em SP no ano passado, na hora de conversar com o público, uma moça muito bonita e meiga fez meus olhos ficarem marejados quando contou ter "sofrido por amor" (parece clichê, mas acontece direto). E então ela falou dessa associação, a MADA (Mulheres que Amam Demais), e como isso a ajudou. Recentemente, eu a reencontrei numa outra palestra e cobrei o guest post que já havia pedido antes. Vamos ver se ela lê essas linhas e se toca.
Mas no final do ano, uma leitora (cujo relato já publiquei aqui) me escreveu contando sua dificuldade em terminar um relacionamento, por pior que ele fosse, e perguntou se haveria um grupo de apoio. Eu, cheia de dedos, disse que uma moça já havia recomendado o MADA, mas que eu não sabia se lá misturavam religião, auto-ajuda, e outras coisas meio esotéricas. Bom, essa leitora procurou o MADA -- e adorou. Primeiro que, segundo ela, não tinha nada de religião (se bem que a apresentação do site fala em Deus o tempo todo). Segundo que ela se sentiu acolhida, e foi ótimo pra ela ver tantas mulheres passando por aquele mesmo problema. Então, querida, talvez possa ser uma saída pra vc.
Outra, claro, é fazer terapia, e tentar descobrir por que vc se acostumou a colocar o "amor por um homem" acima do seu amor próprio.
Sobre o seu professor, você pergunta se ele é um pilantra. Eu não o conheço, não posso responder. Mas o que eu acho é o seguinte: você era adolescente, tinha 14 anos, ele era (é) um adulto. A responsabilidade de evitar qualquer tipo de envolvimento é do adulto, e acabou. O adulto deve saber que uma menina de 14 anos é jovem demais pra qualquer sujeito que não seja um adolescente que nem ela. Sinto muito se a menina parece hiper madura, se rolou um clima, se vcs foram soul mates em outra reencarnação. 14 anos é fora de limites para um adulto. Em qualquer caso.
Outro dia eu estava lendo um post num blog americano. Era de uma mulher adulta que escreveu que, quando tinha 13 anos e estava bem perdida, fez uma conta em algum fórum da internet. Seu nome no fórum era 13yearoldgirl. Ou seja, não deixava muita margem pra dúvida -- ou ela era alguém se passando por uma menina de 13 anos, ou era uma menina de 13 anos mesmo. E ela conta que chovia homem, todos adultos. Ela papeava com vários, conversas picantes, e saiu e transou com alguns. E sabe, pô, ela tinha 13 anos. Não é que ela mentia a sua idade -- ela realmente tinha 13 anos, os caras sabiam disso, e mesmo assim davam em cima. Diz ela, hoje: "O que eu precisava era de exemplos masculinos na minha vida que soubessem dizer 'Não, obrigado' para as abordagens de uma menininha. Porque não importa que uma menina esteja dizendo 'sim'; é o papel do homem adulto dizer 'não'".
A situação dela era parecida com a sua: ela estava carente, estava com montes de problemas, achava-se feia e gorda, e eis que surge um adulto todo atencioso (adultos, esses que geralmente nem falam com crianças e adolescentes, ou mais "passam instruções" do que conversam; aliás, é assustador como um montão de pedófilos consegue seduzir crianças apenas por dar atenção, "tratar bem", ouvir, conversar, fazer com que aquela criança se sinta especial. Se os pais e parentes daquela criança lhe dessem atenção, se a sociedade de modo geral não tratasse crianças como seres incompetentes e sem voz, é bem capaz que a vida dos pedófilos não seria o passeio que é). Assim como vc, muita menina de 14 anos acharia o cara simpático um príncipe encantado.
Mas tem algo muito errado com esses caras. Ter fantasia sexual com menina de 13 anos até vai, sei lá, desde que fique só na fantasia. Mas agir em cima dessa fantasia... Eu só fico pensando o apelo sexual ou romântico que um menino de 14, 16, 18 anos teria pra mim. Desculpe, mas é nenhum. Zero. Eu tenho 46 anos. Pra mim, um garoto de 16 anos é um garoto. Por mais inteligente, querido, fofinho, bonito, carinhoso, divertido que seja (e existem muitos adolescentes com todas essas qualidades), ele é um garoto.
Talvez, quando eu tinha 20, 22 anos, eu ainda podia considerar um garoto de 16 anos (14 não) atraente. Lembro de, com 22 anos, ter uma ou outra fantasia sexual com um lindo garoto de 16. Mas aí eu me lembrava que ele tinha 16 e via que havia um abismo de interesses e de vivências entre a gente. Honestamente, lembro de ter pensado: vou esperar que ele faça 18, aí a gente conversa. E claro que meu interesse nele passou uma semana depois de eu tomar esta decisão.
Portanto, se o seu professor exagerou na "indiferença" para que vc se afastasse, ele agiu certo. Mas ele já agiu muito errado quando te deu corda.
Lembro quando o Silvio, vulgo maridão, tornou-se muito amigo de uma aluna de 15 anos que ele tinha no xadrez. Eu não fiquei com ciúme porque sabia que não havia nada entre eles fora a amizade. Ela ligava pra ele quando estava triste, contava seus problemas, e ele só ouvia. E às vezes riam juntos (ela era fã de uma coluna que eu tinha no jornal, e o maridão sempre foi um personagem das minhas colunas). Muitos anos depois, ela hoje mora em Portugal, está casada, tem uma filhinha, e de vez em quando ela e meu maridão se falam na internet. Mas o Silvio sempre foi muito ético. Ele jamais se envolveria sexual/afetivamente com uma aluna, ainda mais com uma menor de idade. E nem havia esse interesse por parte da aluna em questão. Quase todos os alunos do Silvio lembram dele pra vida toda. A marca de um excelente professor, e também de uma excelente pessoa.
Em outras palavras: uma situação totalmente diferente daquela com seu professor. Só estou citando esse caso porque minha tendência é dizer que não deve haver qualquer tipo de relacionamento mais próximo entre um adulto e um adolescente, mas vejo que pode. Eu mesma já fui "confidente" de vários alunxs pré-adolescentes (sempre me dei bem com jovens). Mas eles me viam (e sei que veem assim o Silvio também) como uma pessoa que não os subestimava, que não os tratava como inferiores, que os respeitava como pessoas autônomas, ainda que na infância e na adolescência eles não tenham autonomia nem independência. Eu gostava deles, eles gostavam de mim, e isso gerava confiança. Nossa, eu falei demais, né? Espero que vc consiga aproveitar alguma coisinha entre todas essas linhas.
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