A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE


No campo do Direito agrário temos uma inúmera relação de princípios jurídicos estritamente específicos que influenciam na confecção dos contratos agrários. O assunto é tão envolvente que nos absorve de tal forma, que mesmo tendo tecido o texto acima, ainda precisamos incorporar a esta dissertação detalhes sobre alguns princípios em especial.

São nestes princípios que visualizamos uma diferença entre os contratos agrários descritos no Estatuto da Terra e nos contratos atípicos formulados no embasamento do Direito Civil, com princípios peculiares do ramo civilista. São situações diferentes, que fazem nascer problemáticas que são discutidas no decorrer deste texto.

Outra observação que se faz necessária é aquela inerente à origem histórica da função social. Em León Duguit, ínclito estudioso francês, abordou-se a função social inserindo-a no mundo jurídico, a partir do século XIX. Podemos considerá-lo um teórico de escol no que tange à doutrina sociológica do Direito e do Estado, sofrendo influência significativa de Augusto Comte e Émile Durkheim.

É bom registrar, que no pensamento de Duguit, existia um questionamento acerca da concepção da propriedade prevista no Código Civil de Napoleão. No texto do Código, o direito de gozar e dispor da propriedade era absoluto. Mas em Duguit isto não era absorvido plenamente. Ele pregava a inexistência de direitos subjetivos, propondo a ruína do individualismo impregnado no sistema civilista francês. Isto, sem sombra de dúvidas influenciou o legislador brasileiro ao registrado no texto lei nacional a função social.

Já na visão constitucional brasileira, Uadi Lâmmegos Bulos diz que o direito à propriedade não se reveste de caráter absoluto. Vejamos:

?Trata-se, pois, de um direito nodular à fisiologia do Estado e, consequentemente, de toda a base jurídica da sociedade. Daí seu status constitucional, porque ele não é mero direito individual, de natureza privada, e sim uma instituição jurídica que encontra amparo num complexo de normas constitucionais relativas à propriedade. [...] seu objetivo é otimizar o uso da propriedade, de sorte que não possa ser utilizada em detrimento do progresso e da satisfação da comunidade.? (BULOS.2011, pág. 336)

No cenário agrarista brasileiro, o princípio da função social da propriedade é registrado por Benedito Ferreira Marques, citado na obra de Umberto M. de Oliveira:

?É o centro em torno do qual gravita toda a doutrina do Direito agrário?. (apud OLIVEIRA.2010 pág.162).

Jônathas Silva outro mestre da faculdade de Direito da UFG, diz que:

?Impõe-se uma indagação: seria mais próprio falar-se de uma função social da propriedade ou da terra? Existe entre estas duas expressões uma variação de significado, como se viu existir entre rural e agrário, ou são expressões que se equivalem? Alguns doutrinadores referem-se à função social da terra, porém a grande maioria prefere falar na função social da propriedade. A lei n.º4.504, de 30 de novembro de 1964, denominada Estatuto da Terra, registra: ?a propriedade da terra, condicionada pela sua função social?, conforme a dicção do art. 2º, reiterada pelo §1º, assim averbada: ?a propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social...? (SILVA, 1996).

A problemática perquirida por Jônathas Silva ainda permanece. Seria viável continuar falando em função social da propriedade, conforme encontra-se inserido no texto constitucional vigente, ou seria melhor e mais moderno, numa visão neo-agrária, falarmos em função social da terra?

Pensamos, particularmente, que a expressão constitucional não está equivocada. O legislador constituinte de 1988 ultrapassou as fronteiras que engessavam o sistema jurídico nacional daquela época. Até hoje colhemos bons frutos desta constituição vanguardista.

Ousamos expor que acreditamos na função social da terra inserida ou casada na função social da propriedade rural. É nela que se pode desenvolver uma atividade agrária sustentável e ao mesmo tempo necessária para a produção de alimentos, respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem estar entre os trabalhadores da terra.

Portanto, fica notório que este princípio pode ser considerado com um dos princípios mais importantes do Direito agrário, fazendo gravitar em torno de sua órbita outros princípios elementares do mundo jus-agrarista. É oportuno registrar o pensamento de Miguel Reale acerca dos princípios e sua importância:

?Uma enunciação normativa de valor genérico, que condiciona ou orienta a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. [...], desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática.? (REALE, 1976, pág.300).

Seu pensamento novamente reforça a argumentação que está sendo lavrada nesta dissertação, enaltecendo a problemática lançada desde o início. O posicionamento de Reale é reforçado no pensamento de um jurista uruguaio Afonso Gelse Bidart :

?Tanto na eleição do princípio [...] quanto nas modalidades que assume, a ciência jurídica tem um amplo campo de desenvolvimento que significa, igualmente, uma possibilidade de elaboração das normas positivas do futuro. Aqui o homem da ciência enfrenta o problema de interpretar e sistematizar o ordenamento jurídico com o qual trabalha e elaborar a partir do mesmo, orientações diferentes para encarar esse setor do Direito e sua futura possível renovação.? (BIDART, 1983, pág. 05 e 06)

Com esta posição teórica, Bidart reforça a idéia de que não se pode colocar em xeque-mate a função social da propriedade. Ela é núcleo importante da temática agrária e enaltece a posição de direito público que o Direito agrário precisa manter, principalmente na formulação de seus próprios contratos, quer sejam típicos, isto é, aqueles definidos no Estatuto da Terra, ou então outros tipos de contratos, que embora não estejam na legislação agrária especial, mas que também possuam finalidade agrária.

Reforçamos o pensamento, dizendo que não se colocar de lado a importância deste princípio e para abrilhantar ainda mais a exposição neste trecho, ainda citamos novamente o pensamento de Jônathas Silva, que sua magnífica obra dizia:

?Não se pode pôr em dúvida que a função social da propriedade se inclui entre os princípios gerais do Direito agrário. A identificação e o estudo desses princípios conferem a esse ainda novo ramo do Direito dignidade científica, isenta de obstáculos epistemológicos, pelo reconhecimento de objeto e métodos próprios do Direito Agrário.? (SILVA, 1996, pág. 37).

Retornando ao cenário brasileiro e fazendo um enlace do pensamento de Bidart com o constitucionalismo nacional, invocamos o magistério de José Afonso da Silva acerca da natureza pública da função social da propriedade. Nele temos:

?Os juristas brasileiros, privatistas e publicistas concebem o regime jurídico da propriedade privada como subordinado ao Direito Civil, considerado direito real fundamental. [...] essa é uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não levou em conta as profundas transformações impostas às relações de propriedade privada, sujeita hoje, à estreita disciplina do Direito Público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais.? (SILVA, 1992 pág. 246)

Em outra passagem, o mesmo autor constitucionalista, insere o princípio da função social da propriedade na seara da ordem econômica. Isto enaltece o princípio colocando-o como ponto de destaque e como elemento construtor e transformador social.

Afastar a ideia individualista impregnada no proprietário rural e transformá-la em ideia social, onde a terra é capaz de gerar renda, alimentos e bem estar é o resultado que este princípio pode produzir. Afonso da Silva ainda dizia que:

?Já destacamos antes a importância desse fato, porque então embora também prevista entre os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.? (SILVA, 1992 pág. 690).

Assim, a contribuição deste princípio é afastar o individualista tão marcante nestes séculos de latifúndio no Brasil e provocar a mudança de comportamento e pensamento acerca da propriedade rural, permitindo gerar um novo conceito de propriedade agrária. Numa visão neo-agrarista, a propriedade não pode mais ser enxergada como objetivo absoluto e individualista. A propriedade precisa ser vista com algo social, produtivo, equilibrado e altamente sustentável.




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