A INCRÍVEL DIRETORA QUE SAIU DA MATRIX
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A INCRÍVEL DIRETORA QUE SAIU DA MATRIX


Quando vi Matrix pela primeira vez, no cinema, em 99, gostei bastante, mas não amei. Foi preciso ver o filme (e estou falando só do primeiro) mais duas vezes para passar a considerá-lo sensacional. Continua sendo minha opinião até hoje, mesmo que as duas sequências sejam bem fraquinhas.
Um pouquinho depois, li um texto muito divertido na internet, texto que continua lá, passada uma década. É de um professor americano que diz que Matrix é o filme mais gay (no bom sentido, não no sentido que se fala hoje, "isso é tão gay") já feito. Vou citar alguns dos exemplos que ele usa para nos convencer. Morpheus, um homem experiente, encontra Neo pela internet e lhe manda um email declarando: “Estive procurando por você minha vida inteira. Você é o escolhido”. Em seguida, Morpheus lhe dá uma pílula e adverte: “Ao ir por este buraco, você não poderá voltar mais”. A próxima coisa que observamos é Neo acordar nu, depilado e pegajoso, e reclamando de dor nos músculos que ele nunca usara antes.
Segundo o autor do artigo, a mais homossexual das cenas ocorre quando um assistente de Morpheus revela a Neo que está “realmente ansioso pra ver do que você é capaz”. Neo é colocado num programa de treinamento onde Morpheus lhe instrui a ir “mais rápido, mais rápido, mais rápido”. O alegre assistente, entusiasmado com a performance de Neo, conta a todos: “Dez horas seguidas! Ele é uma máquina!”
Fora o fato do pessoal usar roupas justas de couro e frequentar raves.
Na época do lançamento do filme, uma seita religiosa que havia se apossado da escola de inglês onde eu dava aula e era coordenadora acadêmica adotou Matrix como seu filme de cabeceira. Como a seita era homofóbica, passei o artigo sobre “gayest film ever” pra alguns membros, que desprezaram a análise, afirmando que tal coisa poderia ser dita de qualquer filme.
E eis que, um tempinho depois de começar o blog, fico conhecendo um outro grupo machista, homofóbico e conservador que também vê Matrix como seu pastor e nada lhes faltará. Sim, os mascus. Pra eles, todos os homens do mundo vivem numa matrix em que são eternamente enganados pelas mulheres. O mundo atual, ou seja, a matrix, lhes ensina que mulheres são seres angelicais que devem ser amados acima de todas as coisas (aham, sim, é exatamente assim que a nossa sociedade trata as mulheres!). Mas eles, mascus, tomaram a pílula vermelha e agora podem ver a luz e enxergar as mulheres como elas realmente são -– monstros que só querem sugar sua energia e serem sustentados por eles, porque no universo paralelo mascu nenhuma mulher trabalha e toda mulher quer aplicar o golpe da barriga. 
Claro que qualquer pessoa que já leu mais de cinco tópicos num fórum mascu percebe que não existe ninguém mais enfiado na matrix que os mascus. Eles criaram universo alternativo para se sentir mais confortáveis. Um universo em que todas as mulheres (até suas próprias mães) são vadias e em que todos os homens que não sejam a meia dúzia de guerreiros da real são fracos, frouxos e burros (e aí eles chamam as feministas de misândricas!). Pra mim, mascus são aqueles que não conseguem parar de olhar pra mulher de vermelho em Matrix.
Assim como todo filme inteligente, Matrix pode ser interpretado de diversas maneiras. Mas eu acho tão estranho que grupos de direita se identifiquem com a história! Quer dizer, o filme termina com uma música que fala de direitos civis, de derrubar o sistema e combater o poder, e os mascus interpretam esse poder como o poder da vagina? Só eles mesmo. E obviamente não sou só eu que leio Matrix como uma luta da esquerda. O filósofo Slavoj Zizek, seguramente de esquerda, deu o título de Bem-Vindos ao Deserto do Real (uma citação do filme) a seu livro sobre as reações ao 11 de Setembro.
Enfim. Será que os mascus sabem que o diretor do seu filme preferido é uma mulher?
Certo, a trilogia foi dirigida pelos “irmãos Wachowski”, Andy e Larry, que sempre foram muito discretos em suas vidas pessoais. Tanto que eles exigiam acordo com o estúdio de não ter que dar entrevistas no lançamento dos filmes, o que é uma obrigação contratual de todos os astros.
Agora em julho, Larry se assumiu Lana publicamente. E ela é um exemplo. Nunca nenhum diretor ou diretora de Hollywood se assumiu transgênero.
Antes de se transformar em Lana, Larry teve um divórcio tumultuado com sua primeira mulher, que o acusou de ter sido desonesto em sua vida particular. Só pra constar: a primeira mulher de Larry era mulher, e a mulher atual de Lana é mulher. Lana sempre se sentiu atraída por mulheres. Só que antes ela era vista como hétero, e hoje é vista como lésbica.
Lana não é apenas um exemplo para a comunidade LGBT, mas para todas as pessoas que enfrentaram as camisas de força da socieade para poderem enfim ser quem elas quiserem. No seu discurso de agradecimento para o prêmio de visibilidade da campanha por direitos humanos, Lana explicou que não gosta do termo transição porque implica numa oposição binária de gênero.
Ela se lembra quando estudava em escola católica, e tinha que usar uniforme. Meninos e meninas precisavam ficar em filas diferentes. Lana era criança e queria ficar na fila das meninas, mas sabia que suas roupas não combinavam. Também sabia que não pertencia à outra fila, então ela permanecia parada no meio, entre as duas filas (professorxs: que tal abolir filas para meninas e meninos?).
Quando era adolescente, frustrada com seu corpo, Lana tentou o suicídio. Ela sobreviveu e agora está prestes a lançar A Viagem (Cloud Atlas -- veja o trailer legendado), novo e elogiadíssimo filme co-dirigido por ela, seu irmão, e o alemão Tom Tykwer, diretor do cult Corra Lola Corra (que inspirou o nome deste bloguinho).
Já tem dez anos que Lana saiu do armário para a família. Quando contou pra sua mãe, ela –- a mãe -– reagiu como todo ser humano inteligente deveria reagir. Em vez de encarar a transição de sua filha, então filho, como uma morte, ela viu como um novo lado de seu rebento. Encarou aquilo como um presente, porque agora teria acesso a uma nova parte que não precisaria mais ficar escondida. Logo depois da revelação, as duas foram a uma lanchonete. Lana estava preocupada com a reação de estranhos, como se essa reação pudesse negar toda sua existência. E a mãe apresentou-se à garçonete, e disse, “Essa é minha filha, Lana”. E a garçonete respondeu: “Puxa, ela é igual a você!”.
Quando seu pai chegou, ele disse: “O que importa é que você está viva, está feliz, e que eu posso abraçar e beijar você”. Para Lana, ter ótimos pais é como ganhar na loteria –- algo que você não fez nada pra ter, mas foi premiada mesmo assim. Ela sempre quis ser uma escritora, uma cineasta. Mas, como não havia ninguém como ela, ela pensava que seu sonho estava encerrado, devido a seu gênero ser menos típico que os outros.
Tem coisas, diz ela, no final do seu discurso, que você não faz pra si. Faz para os outros. “Se eu puder ser essa pessoa para mais alguém, o sacrifício da minha vida privada terá tido valor”.   
Parabéns, Lana! Você sim conseguiu sair da matrix. Espero que nunca descubra que sua obra é usada por grupos de ódio. Seria um desgosto muito grande.




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