ATACADA NA NET ATÉ DIZER CHEGA
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ATACADA NA NET ATÉ DIZER CHEGA


Semana passada recebi uma notícia muito triste: Iara de Dupont, leitora antiga, blogueira querida, estava fechando o blog que mantinha há quatro anos, o SMM (Síndrome do Mundo Moderno).
A decisão da Iara, que espero não ser definitiva, é uma prova daquele post que publiquei de uma feminista americana, contando que, devido aos ataques incessantes, várias feministas estariam jogando a toalha. Porque quem aguenta tanto ódio? Como suportar agressões e ameaças o tempo todo?
Pra fazer este texto, juntei partes de um email que Iara me enviou com o post que ela escreveu pro seu blog (você pode ler o "post do adeus" na íntegra aqui). Seu relato deixa evidente o que denuncio há tempos: os ataques que sofremos não são obra de um ou dois trolls solitários. 
Era assim, no começo dos nossos blogs. Com o tempo, com a maior visibilidade, os ataques vem orquestrados. São misóginos que se unem justamente para isso, para agredir mulheres em geral e feministas em particular. 
Por exemplo, os tuítes falsos que mascus sanctos fizeram "pra mim" enquanto eu estava viajando não teriam se espalhado sem que um blog reaça e um perfil de extrema direita no Twitter os divulgassem. Eles atuam juntos, sempre (na maior parte das vezes contando com a colaboração de "humoristas" com milhões de seguidores).
A maioria dos chans (fóruns anônimos) age dessa forma: destacam alguém -- quase sempre uma mulher -- que eles não apreciam, por qualquer motivo (porque ela deu um fora num cara qualquer, porque ela "colocou um cara na friendzone", porque ela é uma "traidora racial", ou seja, uma branca que está namorando um negro, porque ela é lésbica, porque escreveu um post que eles não gostaram, porque ela é feminista etc), e preparam um "raid" para atacá-la. Divulgam seu endereço residencial, telefone, página no FB, tudo que puderem, e atacam em conjunto.
Antontem mesmo colhi este exemplo num chan misógino. Uma jovem no FB escreveu um post contra a redução da maioridade penal e a favor das cotas. O post chegou às mãos de mascus sanctos, que imediatamente começaram a fazer planos para ameaçá-la:

O mesmo chan também planeja "uma ação" contra a juíza que condenou Bolsonaro (ídolo deles) a pagar R$ 150 mil de indenização por declarações homofóbicas.

Este é o tipo de ódio com que mulheres e feministas precisam lidar por simplesmente exporem suas ideias. 
E, quando o governo finalmente lança um programa que pode ajudar a combater o ódio, reaças em geral (liderados por gente que faz stand-up bullying, como Danilo Gentili) atacam o programa, que eles veem como censura. Para eles, ameaçar, xingar, fazer montagens, agredir em massa, usando inclusive programas de TV, para silenciar grupos historicamente oprimidos, não é ódio. É "zuera".
Eis o relato da Iara:

Venho, com muita tristeza, comunicar que não vou mais escrever no blog. Não sei se é um fator temporário. Digamos que minha estratégia nos últimos meses não deu certo, por isso preciso da mudança.
Quando comecei o blog naveguei durante um bom tempo no sossego, tinha poucas visitas e os temas eram distintos, nada que atraísse algum grupo de ódio.
Mas ao começar a escrever sobre mulheres, e nem digo ''feminismo'', digo ''mulheres'', o panorama mudou. Eu tinha deixado aberta a possibilidade de comentários anônimos, e isso gerou uma onda de ''trolls mascus''. Na minha ingenuidade achei que era só fechar essa porta e tudo voltaria a ser como antes. Fechei e não deu certo, eles foram para meus emails e twitter.
Peguei alguns conselhos com blogueiras que também sofrem com esses trolls e a vida seguiu. Foi assim durante quase quatro anos.
Conheci o lado sinistro da internet. É uma guerra declarada, um Iraque pessoal de cada mulher que se atreve a escrever. Só quem tem um blog direcionado ao assunto sabe do que falo -- é um cyberbullying constante, que vai de segunda à segunda, em todos os horários. Mesmo eles lotando meu email segui uma regra interna, jamais publiquei um comentário deles aqui.
Tentei nestes anos dar uma driblada, escrevia sobre televisão e eles sumiam, mas assim que postava algum texto sobre mulheres, a onda vinha novamente na minha direção.
Nos últimos meses piorou, a ponto de me fazer mudar de números de telefone, diante das constantes ameaças.
Um desses ''trolls mascus'' tem um blog e chegou a comentar algumas vezes no meu. Fui no seu blog perguntar se ele era ameaçado por feministas todos os dias e ele me disse que jamais nenhuma mulher mandou um comentário, ele não conhecia nenhuma feminista que saísse por aí ofendendo e ameaçando os outros. Em uma atitude estranha -- nem eu entendi -- ele me passou um endereço de um fórum mascu. Eles vão pela internet ''caçando'' blogs que consideram perigosos para a humanidade, que mencionem pensamentos de esquerda, defesa das mulheres, gays e feminismo. Fazem uma lista e dividem os ''trabalhos'', se dedicam a perseguir e atormentar quem os escreve.
Para minha surpresa meu nome estava lá, junto ao meu blog, endereço e telefones.
Blog patético com certeza, mas não
inofensivo. É mais um site de ódio
[Por email, perguntei a Iara quem era o mascu que havia enviado o link, e ela respondeu:] O rapaz que me avisou sobre a página é o "Pobretão", que tem um blog patético. Não o conheço, mas de vez em quando aparece no blog, é aquele discurso de que mulheres estão acabando com o mundo, mas ele me parece inofensivo. A página que ele me mandou era de um fórum. Entrei e vou ser sincera: quando vi meu nome ali gelei.
Algumas pessoas me perguntam de onde vem minha certeza de que são os ''mascus'' e eu só respondo: pelo conteúdo das mensagens. Existe uma preocupação enorme em deixar mensagens ameaçando estuprar, coisa deles, né? Depois dizem que vão matar e tal, aquelas besteiras todas.
Semana retrasada sumiram uns posts meus, não sei como, mas isso me deixou muito insegura, porque não sei ainda como ''blindar'' o computador.
Pensei se queria fazer do meu pouco tempo disponível um rosário de visitas a delegacia, para registrar boletins de ocorrência, conversas com advogados e tentativas de retribuir a perseguição dos trolls, indo atrás e divulgando quem são. Tive que analisar com calma se queria escutar com frequência frases como ''dá um print'', ''vai na delegacia'', ''muda teus horários'', ''avisa todo mundo o que está acontecendo''.
E cheguei a uma conclusão, essa pessoa não sou eu. Tenho um espírito pacifista, me interesso por diferentes assuntos e gosto de escrever. Me sinto mal com a energia negativa derramada em meus e-mails e mensagens no celular. Tudo aquilo me vira o estômago e me lembra que errei de estratégia. Ser ameaçada todos os dias é uma das piores energias que existem no mundo, uma das mais baixas. E quem leu meu blog algum dia sabe disso, nunca foi sobre feminismo, foi sobre liberdade. E falo sobre tudo, sobre nada. 
Mesmo assim não passei impune, minha condição e meu gênero neste mundo machista limitam meu espaço e movimentos, fazendo de uma coisa simples, como escrever, um ato de guerra. E sempre disse que as duas maneiras de fazer uma revolução são com uma espada ou uma caneta. Eu prefiro a caneta, mas preciso de uma estratégia para usá-la, caso contrário ela é arrancada de minha mão.
Já me disseram que posso entrar em contato com a operadora do celular para rastrear as ligações anônimas, mas eu me pergunto, sério, Lola, como você consegue lidar com tudo isso? É uma coisa tão ruim, tão sem sentido, porque não se vê quem está atacando! É tanto ódio que essas pessoas não se dão mais o trabalho de ler nenhum post, já vão direto ao ataque pessoal.
É tudo orquestrado, devem existir centenas de blogueiras sofrendo essas ameaças.
Enfim, eu ainda estou muito chateada com tudo, é horrível a sensação de medo, dá uma paranoia sabe? Eu saio à rua e fico olhando para os lados, imagine, tudo isso apenas por escrever! Fica todo mundo me dizendo que o virtual não vai para o real, que esses malucos só ficam atrás do computador e não fazem nada, mas não posso afirmar isso, não sei quem são...
Camiseta com símbolo da mulher
como alvo, vendida por grupos mascus
nos EUA
Te agradeço muito se você publicar meu post no teu blog, talvez ajude outras blogueiras que passam por esta situação. Mesmo a internet sendo território livre não me parece certo que as mulheres continuem sendo o alvo e perseguidas dessa maneira vil.
E te agradeço o apoio e reitero minha profunda admiração por você e pela tua família. Não sei o motivo de tua resistência, mas é admirável, Mesmo sabendo o quanto o mundo precisa da divulgação da causa feminista, nem sempre é possível lidar com as consequências de viver em um país tão machista. E não deixa de ser assustador ver como uma mulher escrevendo agita tantos demônios.




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