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CENÁRIO INSUPORTÁVEL
Ando lendo o excelente livro da Susan Bordo, Unbearable Weight: Feminism, Western Culture, and the Body (Peso Insuportável: Feminismo, Cultura Ociental e o Corpo). Ela diz que, em suas palestras, consegue distinguir facilmente quem tem que idade. O pessoal de uma geração mais antiga inclui homens que afirmam preferir mulheres “com um pouco de carne”, e gente que não consegue acreditar na persuasão da mídia: “todo mundo sabe que são apenas imagens, não sabe?” ou “dá pra simplesmente desligar a TV e não ser afetada”. Ela conta que, nessas palestras, sempre que alguém mais velho profere essas ingenuidades, uma pessoa de vinte anos expressa cinismo no olhar. Esse(a) jovem sabe perfeitamente bem que vive numa cultura em que “beleza interior” virou gozação. “No mundo deles, existe um tamanho zero [size zero], e isso é um símbolo de status. As dietas começam quando a criança tem 8 ou 9 anos. 'Epidemias de distúrbios alimentares' é coisa antiga, e ninguém mais quer ouvir falar nisso. O mundo deles é um em que anoréxicas trocam dicas de dieta na internet, participam em jejuns coletivos, dão conselhos sobre como esconder sua 'ana' dos membros da família, e compartilham fotos inspiracionais de modelos ultra-magras. Mas anorexia total não é a norma entre meninas adolescentes; a epidemia real está entre as adolescentes com hábitos alimentares aparentemente saudáveis, que vomitam de vez em quando ou fazem ginástica obsessivamente como manutenção anti-gordura. Essas meninas não apenas aparentam ser 'normais' como se consideram 'normais'. O novo critério que circula entra meninas é: se você se livrar da gordura através de exercício ao invés de vomitando ou tomando laxantes, você não tem um problema. O mundo deles é um mundo em que grupos de meninas vão vorazmente compartilhar uma pizza, mastigando e cuspindo cada pedaço, numa espécie de ritual coletivo. Elas têm um distúrbio alimentar? Claro que não – é só ver, elas comem pizza” (xxvii, minha tradução).
As feministas estão meio cansadas de dizer que, hoje em dia, toda mulher tem um distúrbio alimentar. Vivemos contando calorias, nos pesando, pensando em nossos corpos e em comida o tempo inteiro, sintomas típicos de anoréxicas e bulímicas. As meninas mais jovens não vêem nada de errado neste cenário: pra elas, sempre foi assim. É natural. Pra mim não é. Na década de 80, quando eu era adolescente, seria impensável professores de educação física instruírem suas alunas de quinta e sexta série a contar calorias e se exercitar até quando estão sentadas. Isso está acontecendo hoje nos EUA, e duvido que no Brasil seja diferente.
Sei que não é adequado comparar preconceitos, mas vi um vídeo interessante em que um pesquisador apresenta duas bonecas, uma negra e uma branca, para várias crianças americanas negras, e pergunta: “Qual a boneca feia? Qual a boneca chata?”. As crianças negras apontam pra boneca negra. Porque o racismo está tão impregnado numa sociedade em que o padrão de beleza é sempre loiro /olhos claros / cabelo liso, que é difícil uma criança escapar. O triste é que isso não muda com a idade. Neste caso, não nos tornamos mais sábias. Se tanto, internalizamos esses preconceitos e os transmitimos pros nossos filhos.
E, como hoje beleza é tudo, feiúra, principalmente gordura (viraram sinônimos), está associada com falta de cárater. A mensagem da mídia é que há toneladas de técnicas à venda para se fazer bonita e para emagrecer. Se você não conseguiu, é porque não tem tentado/consumido o bastante, ou porque falhou moralmente. Ou seja, além de gorda, sou ignorante e preguiçosa. Se existissem bonecas gordas e os pesquisadores quisessem testar crianças gordas pra saber quais bonecas elas acham mais feias, chatas, e burras, o resultado não seria igual ao da pesquisa com crianças negras?
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