O Bechdel Test nos faz pensar em como é absurdo que a forma de arte e entretenimento que atrai mais gente na atualidade seja tão excludente com as mulheres, e como a indústria que é Hollywood praticamente só tem homens na direção, produção e roteiro de uma obra, o que deve influenciar a falta de representatividade feminina. Mas o teste é muito limitado. Ele não determina se um filme é bom (ok, critério totalmente subjetivo), ou se a representação das mulheres é positiva, ou se o filme é feminista. Por exemplo, em quase toda comédia romântica a protagonista tem uma melhor amiga (às vezes substituída por um BFF gay), e elas conversam sobre coisas que não sejam um homem, como... ahn, roupas, maquiagem e forma física. Comédias românticas passam no Bechdel Test, mas passam pra quê?
Que tal se a gente apontasse o que faz um filme ser feminista? Tipo: de repente o filme traz uma ou mais mulheres lutando contra um sistema patriarcal que as oprime. Detalhe: elas não precisam necessariamente vencer, só lutar. Thelma e Louise não tem final feliz. Tem o que pra muita gente é o único final possível. A Troca, com Angelina Jolie, mostra uma mãe desafiando várias instituições (polícia, imprensa, governo) para recuperar seu filho desaparecido. O até agora pouco visto Revolução em Dagenham (tá esperando o quê pra vê-lo?) expõe uma batalha bem sucedida: sindicalistas britânicas que, no final dos anos 60, conseguem que empresas automobilíticas paguem o mesmo salário para trabalhadoras e trabalhadores.
Quando o filme for mostrar esse sistema de opressão, precisa fazê-lo de forma crítica. Sexploitation films como I Spit on Your Grave (A Vingança de Jennifer) não são feministas. Só ter uma personagem que se vinga de seus algozes não é suficiente. Não há nada de feminista em mostrar uma longa e horrível cena de estupro que dura nove minutos (como em Irreversível) e que só existe para impulsionar o personagem do namorado, não da vítima. Não há reflexão.
Outro componente importante para determinar se um filme é feminista é o que se chama de female bonding, camaradagem feminina. Há mulheres no filme (neste caso precisa ter mais de uma) que se unem e se apoiam? Isso é essencial não só porque filmes com homens estão repletos de male bonding, mas também porque um dos mitos que a sociedade machista espalha é que mulheres não podem ser amigas, que mulheres são competitivas, prontas pra esfaquear outra pelas costas. Thelma e Louise é um exemplo perfeito de camaradagem feminina, e Revolução em Dagenham também. Claro, não vale se unir pra papear sobre o que o mundo espera de nós (vaidade, fihos, culinária), senão toda comédia romântica seria feminista, o que certamente não é. Tem que ser sobre algum assunto mais substancial. Se bem que a história pode partir de mulheres que se juntam para falar de temas triviais e, a partir deles, formam uma camaradagem mais cosciente e transformadora. Estou pensando em Colcha de Retalhos e Tomates Verdes Fritos.
Ajuda a ser feminista se o filme tiver uma personagem feminina forte que tenha função ativa na trama. Ou seja, a personagem não está lá apenas para despertar a ira do protagonista homem (no caso de Irreversível), ou apenas para ser protegida pelo homem (no caso de praticamente todos os fimes de superherói, em que as mocinhas só fazem gritar), ou só para despertar o desejo sexual do homem, ou para demonstrar que o protagonista, apesar de andar cercado de homens, é muito macho e gosta é de mulher (todos os filmes de ação parecem precisar expor essa “prova de macheza”).
Pra mim, muitos filmes do Tarantino são feministas. Cães de Aluguel não (não tem nenhuma mulher), Pulp Fiction não (a personagem da Uma Thurman é fascinante, mas ela é a mulher do chefão, e pronto; a Maria Medeiros como namorada do boxeador Bruce Willis é submissa e tolinha; a taxista podia ser homem que não faria diferença; a mulher do traficante é divertida, mas não faz nada). No entanto, Jackie Brown é decididamente feminista, sobre uma mulher forte (e ainda por cima negra, bem pouco comum) sobrevivendo como pode num mundo de homens. Kill Bill traz a Uma kicking ass e derrotando sozinha 80 guerreiros. Suas adversárias mais difíceis são todas mulheres. Ela quer se vingar de Bill, seu ex-chefe e ex-amante, que por machismo não deixa que ela siga uma nova vida, longe do crime. Até o fato de Uma estar disposta a largar sua profissão pra virar mãe em tempo integral já é feminista. Sobre À Prova de Morte, não gosto da primeira parte no bar, mas a segunda, com todas aquelas dublês mulheres, é incrível. Bastardos Inglórios tem duas mulheres centrais num filme de guerra, o que não é usual. A atriz infiltrada não faz muita coisa, mas ela tem mais controle da situação que os homens a seu redor. E o plano de se infiltrar na sessão nazista é dela. Já Shoshanna é praticamente a protagonista de Bastardos. É a sobrevivente, a que quer vingança, e a que sucede em incendiar um cinema cheio de nazistas. Tem como dizer que Shoshanna não seja uma personagem feminista? A discussão complica se a gente se perguntar se ter uma personagem feminista faz o filme ser feminista. No caso de Bastardos, faz.