Em inglês existe um termo chamado “suspensão de incredibilidade”, ou seja, a gente deve acreditar que tal cena não é totalmente implausível de ocorrer. Isso a gente tem que ter com todas as aventuras de ação de Hollywood. Mas eu senti que estava em outro patamar na seqüência em que o carinha explode um hidrante e com a água derruba um helicóptero. Tudo em “Duro 4” é exagerado e ridículo, se analisarmos friamente. Por exemplo, fico imaginando como deve ter sido a reunião dos roteiristas: “Deixa ver... O que pode ser pior do que colocar montes de carros se chocando num túnel? Ah, apagar as luzes do túnel! E que tal fazer um helicóptero bater lá?”. Faltou jogar bolinhas de gude no chão. E, na vida real, quando alguém é atropelado por um carro em alta velocidade, a pessoa morre no ato e o motorista se fere bastante também. No cinema, a pessoa atropelada fica em cima do capô, quebra o vidro e tenta estrangular o motorista, que, claro, não sofreu nem um arranhão. No entanto, em “Duro 4” o ritmo frenético se garante. Quando o hacker diz sobre a filha do Bruce que é estranho ouvir o mesmo tom vindo de alguém com cabelo, eu notei que estava me divertindo às pampas.
O filme, além de cheio de bom humor, nem tem uma daquelas mortes extra-hiper-mega-baita sádicas pros vilões. Só pra vilã. Gostei do hacker perguntando pro Bruce se o barulho do helicóptero é normal (o Justin Long parece o irmão gêmeo feinho do Keanu Reeves. O que posso dizer em seu favor é que não desejei que ele explodisse). O Kevin Smith, diretor de “Dogma”, faz uma ponta engraçada, clamando estar pronto pra se comunicar com os sobreviventes pós-apocalipse, sejam eles humanos ou zumbis. Há teorias conspiratórias pra todos os gostos. As notícias só manipulam a gente pra ter medo. O governo não faz nada, demorou cinco dias pra mandar água pra Nova Orleans (culpa do Lula, decerto), não tem como combater um ataque cibernético. O problema é o subtexto de que é difícil ser herói. O título americano mostra bem a mensagem do filme: “Live Free or Die Hard” (algo como seja livre ou morra duramente). Logo, os heróis vivem sós, não têm amigos, e são hostilizados, tadinhos. O Bruce só é herói porque ninguém mais quer ser. Igualzinho ao discurso do Bush ao invadir um país.
Mas vamos nos ater ao vilão da aventura, não o da vida real. Em “Duro 4” o malvadão-mor é quem xinga o Bruce de ser um relógio de corda numa era digital (insulto que foi usado contra o George Clooney em “Treze Homens e um Novo Segredo”). O nome dele é Timothy Olyphant. Timothy quem, você pode perguntar. Bem, o lindão não é apenas o protagonista da série de TV “Deadwood” e figurinha carimbada de vários filmes ruins como “Um Show de Vizinha” e “Apanhador de Sonhos” – ele é marido de uma amiga minha de escola! Ela, uma americana que estudava na minha classe, desde 1991 tá casada com o Tim (o que deve ser algum tipo de recorde em se tratando de astros de cinema). É dona de casa, tem três filhos, e está feliz da vida. E o Tim não é só um rostinho bonito. Talvez não seja um vilão tão memorável como o Alan Rickman ou Jeremy Irons, mas tá muito bem, coberto de charme ao olhar com um sorriso gélido pra filha do Bruce. Se marido de amiga minha não fosse mulher pra mim, eu até inaugurava mais um fã-clube pro Tim.
P.S.: Vi agora o “Duro de Matar 2” (1990), que um amigo meu fã do policial durão considera uma bomba (e o 3, uma tortura). Não achei tão ruim, mas o 4 é incomparavelmente superior. Neste 2 o que mais chama a atenção é como o filme está datado. Logo nos primeiros dez minutos temos imagens surpreendentes: o herói fumando no aeroporto, disputando um orelhão a tapas, a mulher dele falando ao telefone (pré-celular) à bordo, e uma velhinha que carrega um aparelhinho que dá choque elétrico e o mostra pra todo mundo que quiser vê-lo... no avião. Hoje em dia não dá pra embarcar nem com tesourinha de unha.