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CRÍTICA: EDUKATORS / Cérebro e coração juntos
Não posso dizer que “Edukators” é o melhor filme que vi este ano porque isso foi em SP logo no primeiro dia de 2005, e só vi dois filmes até agora (o outro foi “Whisky”, uma fofura, único filme uruguaio que já tive o prazer de conferir). Mas “Edukators” certamente está entre os melhores de 2004. Adorei o drama que, não por acaso, foi a única produção alemã a ser selecionada para o Festival de Cannes em uma década, o que diz muito sobre o cinema alemão ou sobre Cannes, você que sabe. Bom, “Edukators” é um prato cheio pra mim, um animal político. Recomendo que você veja a película com amigos de várias vertentes ideológicas e depois bata um longo papo. Já ouviu aquele ditado de que quem não é de esquerda até os trinta não tem coração, e que quem é de esquerda depois dos trinta não tem cérebro? Pois é, esse é um dos temas de “Edukators”, que mostra um trio de jovens revolucionários que invade mansões enquanto os donos viajam. Eles não roubam nada, mas trocam os móveis de lugar e deixam mensagens como “Você tem dinheiro demais”, só pra aterrorizar os porcos capitalistas. Ou seja, são bem ingênuos, os tolinhos. Mas a gente gosta deles, apesar de seus valores amorosos serem totalmente pequeno-burgueses. Tudo vai bem até que os meninos são surpreendidos por um ricaço, e têm que seqüestrá-lo e decidir o que fazer da vida. Pra piorar, eles descobrem que o sujeito já foi um idealista como eles na época em que era normal sonhar com revoluções. E agora, José?
O filme poderia ser ultra manipulador e fazer do milionário um vilão detestável e dos jovens nossos heróis românticos sem contradições. Mas não é o que acontece. Claro, a visão do ricaço me pareceu indefensável. Pra quê trabalhar tanto e acumular coisas que nem se tem tempo pra usufruir? Ele diz que é da natureza humana competir e querer juntar mais e mais. O mais legal é que um dia antes ouvi esse mesmo argumento de um amigo rico meu. Tal justificativa é das mais furadas, já que nada é natural, tudo é construído. Somos adestrados pra acreditar que o que martelam na nossa cabeça nasceu conosco. E o que é natural não pode ser combatido, uma grande falácia. Enfim, “Edukators” humaniza o ricaço a tal ponto que esta idealista pós-trinta sem cérebro mas com coração que vos fala até chorou em várias cenas. E, enquanto isso, o pouco de cérebro que me resta ficava pensando: como diachos o filme vai resolver essa sinuca de bico? Como se sair dessa sem bolar um final utópico ou piegas demais? O fim é um dos trunfos do roteiro por amarrar muitíssimo bem todos os temas.
“Edukators” usa a inteligência pra nos provocar enquanto brinca com nossos preconceitos, inclusive os cinematográficos. Por exemplo, tem uma hora que o ricaço some, e um dos jovens entra num quarto pra procurá-lo. Nossa imaginação nada fértil após tanta doutrinação hollywoodiana nos diz: pronto, agora o milionário nocauteia o revolucionário e foge. Nada disso. As provocações ideológicas vão mais longe ainda. Uma garota trabalha como garçonete num restaurante de luxo, onde é maltratada por uma elite asquerosa que acha que certo tipo de bebida só pode ser servida em certo tipo de taça. Até aí tudo bem, eu não conheço ninguém que não seja rico ou que não sonhe em ser rico que não odeie os ricos, então é óbvio que a gente se identifica com a mocinha. Mas quando ela sai do batente e usa sua chave pra arranhar um carrão, eu, que tenho um carrinho popular que odiaria ser arranhado, já não gostei. Sacou o drama?
Ah, outra qualidade. Até que, pra um filme de esquerda, “Edukators” não se acanha em falar de dinheiro. Assim: uma personagem bateu sem querer numa Mercedez. Ela calcula quanto vai precisar trabalhar pra saldar o prejuízo de cem mil euros. Dá oito anos. Imagina quanto tempo isso seria no Brasil, um país onde a distribuição de renda é muito mais desigual que na Alemanha. E por aí vai. “Edukators” é, no fundo, cinema de entretenimento. Mas também altamente educativo. Afinal, não é todo dia que um filme nos lembra que o coração é um órgão revolucionário.
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