A história é a de um cara simples, pobre, honesto, que trabalha numa papelaria em Porto Alegre como operador de fotocopiadora – sabe, xerox pros íntimos. Nas horas livres, ele faz ilustrações e espia vizinhos com um binóculo, mais especificamente a Leandra Leal (viu “A Ostra e o Vento”? Devia, é muito bom), que é quase tão pobre quanto ele. Este protagonista, que é também o narrador, é interpretado pelo Lázaro Ramos, de “Madame Satã”. Começa com ele num supermercado, sem grana pra pagar minguadas compras, e logo depois queimando dinheiro. A mudança do foco narrativo é um dos achados do filme. No início, a narração de Lázaro aparece sempre, já que o personagem é solitário. Quando ele faz amigos, como o Pedro Cardoso, a voz em off diminui. E, no final surpreendente e simpático, o narrador até troca de figura. Tudo isso sem jamais perder o tom que, aliás, é totalmente pra cima. Por isso, é difícil compreender por que tem gente enquadrando “Homem” como drama. Mesmo lidando com alguns temas pesados – um possível abuso sexual, assalto, assassinatos –, o filme fala deles com leveza. É, sem dúvida, uma trama amoral. Quem pensa que cinema deve dar lição de moral (tipo aquela que ninguém conhece: o crime não compensa) certamente vai achar “Homem” uma péssima influência. Imagino que os censores pensam assim, já que só isso explica a classificação de 14 anos pra um filme sem sexo e sem violência – a única cena que seria violenta é substituída por um desenho. Deixa ver se entendi: “Hulk” era censura livre?
“Homem” tá cheio de coisas inteligentes. Por exemplo, a idéia que um operador de xerox lê um pouquinho de cada página que imprime e, desse jeito, adquire uma vasta cultura inútil. Pessoalmente, me considero da geração “Eu sei de quase tudo um pouco / E quase tudo mal”, e nem operadora de xerox eu sou. Agora, cá entre nós, a tentação de falsificar dinheiro pra quem tem máquina colorida deve ser imensa, né? E pra que nos iludir? Faz um tempão que ninguém mais fica rico trabalhando. Só copiando reais ou ganhando na loteca mesmo. Outro ponto alto de “Homem” é a relação de amor do filme com o cinema. Seu protagonista é voyeur, logo, ele também brinca com a edição. Ao observar um gordo dançando, falta-lhe a trilha sonora. Quando ele descobre a música que o gordo ouve, sua obra fica completa.
Todo o elenco tá magnífico e, pra quem vai ao cinema ver mulheres deslumbrantes, a Luana Piovani tem um papel divertido. Mas a maior responsabilidade pelo sucesso está no roteiro, que é do diretor Jorge Furtado, o mesmo de “Houve uma Vez Dois Verões” e do prestigiado “Ilha das Flores”. O gaúcho foi esperto em colocar um negro no papel central, para, em seguida, ignorar que ele é negro. Não há uma menção sequer quanto à cor do personagem. Tanto faz se ele é marrom ou albino, e seria sensacional viver num mundo onde isso realmente passasse em branco (só pra registro, “Um Tira da Pesada” tampouco foi feito com um ator negro em mente. Mas, quando Eddie Murphy abocanhou o papel, o personagem sofreu alterações).
Se você, como eu, está exausto daquelas baboseiras americanas que nada têm a ver com a nossa realidade, vá prestigiar “O Homem que Copiava”, uma comédia social romântica de primeira. Que também não sei se tem a ver com a nossa realidade, já que duvido que eu tenha muito leitor que ganhe salário mínimo, mas pelo menos é falada em português. O mínimo que pode acontecer é você aprender a manejar uma máquina de xerox. Pode ser útil um dia.