CRÍTICA: PONTO DE VISTA / Faltou o ponto de vista da ambulância
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CRÍTICA: PONTO DE VISTA / Faltou o ponto de vista da ambulância


Ponto de Vista” é um exercício técnico interessante, em que a gente é apresentada a seis ou oito (perdi a conta) perspectivas diferentes: a de uma produtora de TV, a do guarda-costas traumatizado, a do turista bonzinho com uma câmera bonzona, a de um policial espanhol bonitão, apesar da barba, a de algum terrorista, e acho que a do próprio presidente americano. A gente fica esperando que a aventura anuncie: “E agora, com vocês, a versão do pipoqueiro!”. Dá pra fazer isso pro resto da vida, como em “Cloverfield”. Pega uma cena emocionante e inusitada – alguém atirando no presidente, um monstro destruindo Nova York, maridão tirando foto de esquilinho -, coloca várias almas perdidas por perto pra testemunhar, e temos aí um filme. Pra ser justa, a primeira hora de “Ponto” prende a atenção. Mas a meia hora final é de querer bater no diretor com uma câmera bem pesada.

O presidente vai pra Espanha participar de uma manifestação, note bem, contra o terrorismo (porque terroristas são os muçulmanos, não os americanos que bombardeiam o Iraque). Lá há muitas pessoas protestando, mas todas carregam placas padronizadas e sem criatividade, onde vemos “USA” com um risco por cima. O clima não tá bom; o Dennis Quaid, que faz um guarda-costas, tá nervoso, e pra piorar alguém decide atirar no presidente. Em seguida uma bomba explode, matando e ferindo vários figurantes. Aliás, não entendi por que os terroristas explodem a bomba. O maridão respondeu que é pra chamar a atenção. Eu disse: “Amor, eles acabaram de atirar no presidente americano. Acho que conseguiram chamar a atenção”.

A edição congela um dos pontos de vista e volta atrás, deixando inúmeros cliff hangers (aquele momento de tensão quando um carinha tá pra cair de um penhasco). O mais angustiante é o da menininha prestes a ser atropelada por uma ambulância. Ao mesmo tempo é o mais previsível, porque a gente sabe que, no segundo exato, alguém vai salvá-la (a menininha, não a ambulância). O suspense todo é só pra saber quem. A mãe? O Forest Whitaker? Um policial? O Dennis? O presidente? A mãe do presidente? A penúltima vez que vemos a menina é quando o Forest a entrega pra uma policial, que diz: “Não se preocupe, ela está segura comigo”. E aí a próxima cena da menina é ela no meio do trânsito, com uma ambulância quase em cima dela. É curioso, porque um policial atravessa aquela mesma avenida movimentada antes, e é atropelado umas cinco vezes. Mas a menina consegue ficar lá parada, gritando “Mamãe” (o maridão falou que parecia o Huguinho. Disse pra ele que só conheço Huguinho sobrinho do Pato Donald, mas ele explicou que o Huguinho não era da Disney, e sim um pato gigante bobalhão. Que homenagem ao “Rashomon” do Kurosawa, que nada! O maridão tem certeza que a menininha foi uma homenagem ao Huguinho. “O Huguinho ficaria no meio do trânsito, perdido. A diferença é que os carros bateriam nele e seriam destroçados”. Eu só incluí isso aqui porque vai que existe um leitor nerd com mais de 50 anos que tem as mesmas referências que o maridão... E por falar no dito-cujo, adorei quando um terrorista usa uma espécie de celular pra detonar uma bomba, acionar um rifle e tudo mais. Virei pro maridão e disse: “E você não consegue programar nosso celular nem pra nos acordar de manhã!”).

Todos os agentes secretos servindo de guarda-costas do presidente exibem um comportamento pouco exemplar – um fala ao celular enquanto dirige, outro sai atirando no meio da multidão enquanto persegue um suspeito. Olha, sei que, considerando quantos presidentes americanos são alvejados e mortos, e quantos agentes secretos se jogam em diante da bala pra proteger o comandante, ser um guarda-costas do prê deve ser um dos empregos mais perigosos do mundo. Espero que eles ganhem adicional por insalubridade e tal, mas disparar uma arma no meio de pessoas correndo é injustificável. Depois reclamam das balas perdidas no Rio! Chega uma hora em que o Dennis pára um carro, tira o motorista e diz: “Serviço secreto, preciso do seu carro!”. Eu pensei que ele iria dizer: “Serviço secreto, preciso do seu carro pra uma cena obrigatória de perseguição de automóveis”. Aí ele e o carro que ele tá seguindo andam um monte, a 140 km por hora, numa perseguição que não acaba mais... Pra acabar no mesmo lugar que a menininha andando? O que eles fizeram, deram voltas no quarteirão?

É verdade que no final todos os personagens se encontram no mesmo lugar. Parece a relação dos sites de busca com o meu blog: todos os caminhos chegam aqui. Apesar de não ser proposital, a ideologia do filme acaba sendo: veja bem, temos todos esses pontos de vista, e cada um vê algo diferente, mas no final temos o ângulo da câmera, a visão global, de Deus. É como se houvesse uma verdade absoluta. Mas não entendi o que acontece com um dos personagens. Morre? E pra que querem o presidente? Aparentemente, o sonho dos terroristas é passear com o prê numa ambulância, dando voltas num quarteirão. Bom, minha regra prevalece: odeio filme em que um dos personagens seja o presidente americano porque a gente sabe que, cedo ou tarde, ele vai dar uma de herói. Mas veja o lado bom de “Ponto”: pelo menos vemos o presidente americano receber tiros, com direito à replay - umas seis vezes.





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