Enfim, embora eu não gostasse muito de Pedagogia, era boa aluna. E o estágio foi uma experiência interessante. Tínhamos que observar e lecionar não sei quantas horas de aula em cada série, da primeira à quarta. Eu tinha certeza absoluta que aquele seria o único momento na vida em que daria aula pra criança. Não era o que eu queria, nem quero. E então publiquei uma crônica a respeito. Pode ler, não dói.
ESTÁGIO SABOR ABACAXI
Estou no último ano de Pedagogia e agradeço aos céus por isso, mas há desvantagens. A maior delas é que chegou a hora do temido estágio. Temido porque tenho que ficar numa sala com trinta pestinhas. Aula eu já dou, de inglês, e lecionar adultos ou adolescentes parece um paraíso em comparação. Aliás, pra evitar uma corrida em massa às escolas de Joinville, com centenas de pais desmatriculando seus filhos, quero me comprometer publicamente que não vou dar aulas no futuro. Só no estágio, e porque preciso. E no estágio tem supervisão; dificilmente os aluninhos serão contaminados por alguma idéia subversiva. Não se preocupem.
Um dia, ainda na observação, a professora decidiu fazer uma salada de frutas com a classe. Adivinha quem ficou com a incumbência de descascar o abacaxi? A estagiária, é claro. Eu. Não queria confessar que jamais havia chegado perto de um abacaxi inteiro antes. As crianças sentiram o drama e fizeram uma roda em volta para ver como é que se cortava um. Ou melhor, como é que não se cortava. Sou um perigo com facas.
Agora estou estagiando na terceira série. Um aluno quis insistir comigo que uma das nações mais populosas do mundo era... o Chile. Nada adiantou eu dizer que o Chile é minúsculo. As crianças me impressionam por duas coisas: uma, como elas não têm noção de quantidade. A outra é como, tendo que decidir entre duas opções, elas sempre escolhem a errada. Já havia pedido pra elas chutarem a população do Brasil, e as apostas variavam entre mil e um milhão. E o menininho com a convicção que o Chile, sim, que era enorme. Tive que contar-lhes que, em número de habitantes, campeã era a China, depois a Índia, depois os EUA, depois a Indonésia, depois a pátria amada idolatrada salve salve. Eles quiseram saber quantas pessoas havia em cada país. Sem problemas; sou muito boa em cultura inútil. Falei que havia uns 270 milhões lá nos States, e um aluno replicou: “Agora tem menos. Depois dos atentados...” Pois é, já estou chamando Herodes de titio.
Ok, pode não ser a crônica mais inspirada do século 21, mas eu jamais poderia imaginar a repercussão que teve. O texto foi publicado no jornal num dia da semana, quarta, eu acho. Minha editora comentou algo comigo, por email, que havia uma cartinha de protesto contra a crônica. Até aí, normal. O jornal volta e meia abria espaço pra “direito de resposta” de quem se sentia injuriado (tipo, quando pichei Shrek, um carinha do sindicato dos jornalistas pediu minha caveira). Mas com uma crônica dessas levinhas ainda não tinha acontecido. Reli a crônica. Até hoje, sinceramente, não consigo entender a comoção. Mas eu quase fui linchada. Não perca o capítulo 2 e a parte 3, o final.