ESTATUTO DO NASCITURO, A PROVA QUE ELES NÃO LIGAM
Geral

ESTATUTO DO NASCITURO, A PROVA QUE ELES NÃO LIGAM


A F. me enviou este relato.

"Já tive um guest post por aqui, e não entrei em maiores detalhes do assunto porque na época o aborto não era a questão. Mas vamos lá. 
Com 16 anos eu era virgem e tinha acabado de emagrecer após um período de obesidade dos meus 8 anos à referida idade.
Devido ao bullying que eu sofria, mesmo magra, segui usando calças largas e camisetões. E foi com essas roupas e toda a inocência de uma menina que só havia beijado na boca duas vezes que fui escolhida por ele. Assim, como um bom predador sexual, para ele não contou minha formosura, roupa ou lugar onde eu estava. Eu fui estuprada.
O grande sonho da minha vida era entrar na faculdade e começar a plantar as sementes da minha carreira profissional. Era uma adolescente triste, infeliz, e tinha só um, um único desejo na vida, que era esse, de entrar na faculdade.
Acontece que fui estuprada em fevereiro de 1999, alguns dias antes de começarem as aulas do último ano do ensino médio. 
Imagine se eu tivesse ficado grávida do meu estuprador. Eu, vítima de bullying, inexperiente e tendo como única base para me manter viva um sonho que seria adiado por tempo indeterminado porque um homem resolveu que queria fazer sexo comigo, e fez. Ele fez sexo comigo, eu não fiz nada, eu fui violentada, e agora a sociedade me diria que era pra isso que eu servia? Pra ser uma embalagem de bebê?
Obviamente meus pais ficariam do meu lado, mas o apoio deles não seria o bastante para salvar minha saúde emocional no momento em que eu tivesse que abrir mão do meu grande sonho para parir um filho que eu nunca quis de um homem que me violentou e do qual espero não ter o azar de cruzar novamente na minha vida.
Minha família é contra o aborto, eu inclusive também sou, por isso sei que teria mesmo parido o filho do monstro. Mesmo assim somos todos contra o Estatuto do Nascituro, contra a intromissão do Estado no útero alheio. Por quê? Simples, porque eu digo que, sem sombra de dúvida, se eu tivesse ficado grávida do meu estuprador, eu não estaria aqui para contar essas palavras.
Digo, com toda a segurança, que se eu tivesse parido o filho do meu estuprador, eu teria cometido suicídio. Provavelmente ainda antes do parto, eu teria me matado.
Mas então podem dizer 'mas em caso de estupro pode abortar'. E a pressão social do 'é uma criança inocente'? E os gritos de 'assassina'? Porque se eu efetivamente fosse fazer um aborto, os 'pró-vida' estariam cagando pra minha condição emocional, e achariam ótimo se minha história terminasse em suicídio, afinal, QUEM MANDOU NASCER MULHER?"

Eu, Lola, de volta. A revolta de F. diz muito. Primeiro que é uma triste realidade que os que atendem pelo irônico nome de "pró-vida" não dão a mínima pra vida das mulheres. Por que eles simplesmente não se intitulam pelo que são, que é no máximo pró-feto? Ou pró-bebê-até-que-nasça-depois-vire-se? 
O Estatuto do Nascituro visa criminalizar ainda mais a mulher que aborta. O primeiro projeto foi proposto em 2005, e arquivado dois anos depois. O segundo, de 2007, pode ser lido aqui. O que foi votado pela Comissão de Finanças na semana passada foi um substitutivo, este aqui. Ele elimina algumas das atrocidades mais acintosas do projeto passado, como o Artigo 26, que previa detenção de um a seis meses e multa a quem "referir-se ao nascituro com palavras ou expressões manifestamente depreciativas", e o artigo 28, que mandava prender quem fizesse "apologia ao aborto" (ou seja, quem sequer falasse de aborto, caso desta blogueira). 
Aliás, o substitutivo retira todas as penas, inclusive a de um a três anos de cadeia para a mulher (ou o médicx, ou a vizinha) que aborta. Não fala mais de penas, o que deixa muitos "pró-vidas" irados. Afinal, vários defendem pena de morte pra mulher que aborta. Como disse um comentarista sobre a alta taxa de mulheres que morrem em decorrência de abortos clandestinos: "Bem feito! É o que merecem por querer matar um ser humano".
Não vou dar link pra sites religiosos reacionários (redundância), mas muitos estão furiosos que o Estatuto do Nascituro teve que ser tão abrandado. Sim, pra eles o Estatuto ficou molinho. Eles queriam, e ainda rezam para que isso aconteça, que todas as formas de aborto fossem proibidas no Brasil. Inclusive as pouquíssimas que são permitidas (risco de vida pra gestante, gravidez por estupro, feto anencéfalo). 
O Estatuto do Nascituro (considerado "o ser humano concebido, mas ainda não nascido") é propositalmente dúbio ao tratar de várias questões. O que vale mesmo é que o nascituro tenha os mesmos direitos, desde a concepção, que um ser humano nascido. No artigo 5 o Estatuto diz que "qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos" será punido na forma da lei. Isso é tão abrangente que não inclui apenas o "atentado maior", que é o aborto, mas qualquer coisa. Uma gestante fumar ou tomar álcool pode ser vista como atentando contra os direitos plenos do feto, não pode?
É justamente isso que deseja o Estatuto: que toda mulher seja tratada como suspeita em potencial. Insisto: como o embrião ou feto teriam todos os direitos, uma mulher que sofresse um aborto espontâneo (o que ocorre em 25% de todas as gestações) teria que provar que não provocou o aborto. Não estou fantasiando. Isso já acontece em países da América Latina que proibiu todo tipo de aborto.
Outro ponto que o Estatuto deseja, e que não é novidade, é desvincular a gestante do feto. A gestante é tida apenas como um receptáculo do feto, embora o feto não consiga sobreviver sem ela. O principal é ver o feto como não dela, daquela mulher, mas de uma sociedade hipócrita que não dará a mínima pro feto assim que ele nascer. 
Ah, mas a sociedade se importa tanto com o bebê, que quer dar uma bolsa-estupro pra ele! Pois é, o Estatuto não deixa nada claro que a mulher pode continuar abortando caso engravide do estuprador (veja o artigo 13). O projeto cita o artigo 128 do Código Penal  (que permite aborto em gravidez resultante de estupro). Mas o artigo 12 do projeto diz: "É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer um de seus genitores". Ué, em caso de estupro, um dos genitores é o estuprador, certo? E está escrito que não se pode "causar dano ao nascituro" pelo ato cometido -- estupro!
Uma leitora anônima escreveu: "Se o art. 12 cair fora, o aborto do 128 não está ameaçado. Se for mantido, notem que o artigo do diploma penal fala também na exceção de punibilidade em caso de gravidez que coloca em risco a vida da gestante. É o Estatuto do Fetinho Chorão, porque um Frankenstein legislativo e com uma redação tão péssima, que afirmo, é propositalmente dúbia, não especifica o inciso. Não, queridos amigos, isso não é coisa a se deduzir. Em nosso sistema legalista, onde cada palavra conta, tem que falar artigo, parágrafo, inciso, nome endereço e telefone do diploma legal SIM. Lei posterior revoga lei anterior no todo ou em parte. Hierarquicamente, Código Penal e Estatuto do Nascituro estariam no mesmo patamar de norma infraconstitucional. Sendo a Constituição absolutamente SILENTE sobre a questão do aborto, cabe então ao legislador infraconstitucional tratar da matéria."
Deu pra entender? Se há todas essas confusões e dúvidas agora, imagina só se o Estatuto for aprovado, e uma mulher que engravidou de um estupro ou corre risco de vida queira fazer um aborto (como lhe é garantido por lei, por enquanto). Cada juiz interpretará como quiser. Enquanto a gestante aguarda a decisão, o tempo vai passando, a barriga cresce... 
Mas vamos à bolsa-estupro. Enquanto o Estado não oferece nada de nada às mulheres pobres que têm filhos, desejados ou indesejados, o Estatuto fará com que o Estado dê uma pensão financeira ao bebê decorrente de um estupro. Se o estuprador for identificado, quem pagará a pensão será ele. Sabe o que isso significa? Nome do estuprador na certidão de nascimento do filho. Possibilidade de visitas ao filho. Enfim, sabe aquele estuprador que a vítima nunca mais queria ver na vida? Vai se tornar amigo íntimo da família.
Isso se o estuprador já não for íntimo da vítima... Boa parte dos estupros é cometida por pais, avós e irmãos. Se a vítima for estuprada pelo pai, engravidar e denunciar, o bebê terá registrado na certidão o nome do avô como seu genitor. Não é bonito? Depois os fundamentalistas cristãos temem que o casamento gay é que vai destruir famílias!...
Desde o segundo turno das últimas eleições presidenciais, estamos vivendo uma reação conservadora de assustar. Uma tentativa de voltar aos tempos da Inquisição, em que "homens de bem" podiam queimar mulheres suspeitas em fogueiras. Claro que o controle sobre o corpo da mulher não começou agora. Assim como o aborto não é invenção das feministas. Sempre existiu. E sempre existirá. 
Mas podemos e devemos lutar. Não podemos permitir que um retrocesso tão imenso como o Estatuto do Nascituro passe. O que os conservadores querem é que ele se arraste até as eleições do ano que vem, para promover uma outra inquisição contra o corpo das mulheres, para fazer o governo -- qualquer governo -- mais refém ainda das forças retrógradas. Eles querem instalar uma teocracia. 
Por isso, qualquer pessoa que queira um Estado laico deve participar das marchas contra o Estatuto. Veja só o que já tem marcado para este sábado, dia 15/6. E organize a sua marcha na sua cidade. É importante.
Em São Paulo a concentração será às 13 h, na Praça da Sé (não é marcha, é ato parado).
No Rio de Janeiro, às 13 h, no Posto 5 de Copacabana.
Em Recife, às 14 h, na Praça da Independência.
Em Brasília, às 15 h, na Praça Zumbi dos Palmares - Conic. Cancelada! Será remarcada.
Em Belo Horizonte será às 13 h na Praça Sete. 
Em Porto Alegre, às 15 h, no Expedicionário (Redenção).
Em Santa Maria, às 10 h (com programação o dia todo), na Praça Saldanha Marinho.
Em Campina Grande, PB, às 9 h, na Praça da Bandeira.
Até cidades médias, como Jaraguá do Sul, SC, que já haviam mostrado sua força, voltarão às ruas: 14 h na Praça Angelo Piazera.
Em Joinville, às 14 h, na Praça da Bandeira.
Em Floripa o ato será dia 19/6, às 17 h, em frente ao Ticen.
Hoje às 14 h haverá uma reunião para definir o ato em Salvador.
Por favor, incluam nos comentários outros atos não linkados aqui. E não deixem de assinar e divulgar a petição contra o Estatuto. 




- Barafunda Judicial - HÉlio Schwartsman
FOLHA DE SP - 12/06 SÃO PAULO - Se você quer criar uma barafunda judicial, é só reescrever uma lei qualquer usando outras palavras e publicá-la sem revogar a original. Mesmo que você não tenha pretendido alterar o conteúdo da regra, advogados,...

- A Guerra Contra As Mulheres Mira O Aborto
Recebi este email hoje da professora de história Valéria: "A guerra contra as mulheres, já detectada e discutida com propriedade por Susan Faludi na virada das décadas de 1980/90, continua. Exemplos:Mulher grávida leva tombo da escada, vai para o...

- Vamos À Luta Contra O Estatuto Do Nascituro
Como estou no fim de uma semana hiper corrida, sem chances de escrever, publico aqui a moção de repúdio da Marcha Mundial das Mulheres ao projeto do Estatuto do Nascituro. O projeto, como vocês viram, teve uma vitória importante anteontem, ao...

- Os Republicanos E O Direito Do Estuprador Criar Seu Filho
É tentador, quando se debate a legalização do aborto com um pró-vida-até-o-parto-depois-vire-se, perguntar se não há contradição em permitir a interrupção da gravidez decorrente de um estupro. Afinal, aborta-se um feto, assim como em todos...

- 'bolsa Estupro': Vítima Vira Criminosa
Por Marsílea Gombata, na revista CartaCapital: Apoiada pelas bancadas religiosas do Congresso Nacional, a chamada ‘Bolsa Estupro’ cria o risco de transformar a vítima em criminosa. Segundo especialistas ouvidas por CartaCapital, o texto do Estatuto...



Geral








.