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OS REPUBLICANOS E O DIREITO DO ESTUPRADOR CRIAR SEU FILHO
É tentador, quando se debate a legalização do aborto com um pró-vida-até-o-parto-depois-vire-se, perguntar se não há contradição em permitir a interrupção da gravidez decorrente de um estupro. Afinal, aborta-se um feto, assim como em todos os outros casos de aborto. Se aborto é assassinato, como dizem, se o feto já é uma criança formada e autônoma, como insistem, então como aceitar que o aborto seja permitido em casos de estupro? Se o pai é um estuprador, a “criança” vale menos? Ou estamos dando a uma mulher que está sofrendo um monte o direito de decidir o que quer fazer com uma gravidez que só concerne a ela? Então, se ela tem o direito de abortar neste caso, por que não teria nos outros?E claro que num debate sobre aborto legal em caso de estupro sempre vai se ouvir “a criança é inocente” (sugerindo que a mulher, a vítima, não é -– soa familiar?). Assim como num debate sobre aborto legal em caso de risco pra gestante alguém vai dizer que tudo bem se a mãe morrer, porque Deus sabe o que é melhor, porque Ele quis assim. Não tem jeito: no fim, quando se fala em criminalização do aborto, sempre se cai num debate religioso.Também acho interessante perguntar o que os pró-vida-do-feto-acima-da-vida-da-mulher pensam sobre permitir aborto quando há risco de vida para a gestante. Porque eles têm que fazer malabarismos para esconder a maior ideologia por trás de ser anti-aborto: que a vida de um ser em formação é mais importante, mais valiosa, mais completa, que a de uma mulher. Pois é, é tentador discutir isso. Mas é altamente arriscado. Arriscado porque, diante da falta da argumentação em explicar porque num caso pode-se abortar, e em todos os outros, não, os pró-vida-mas-só-até-o-nascimento vão acabar dizendo: é mesmo, vamos proibir aborto nesses casos também. Duvida que os anti-aborto estão doidinhos para proibir aborto em todas as circunstâncias? É só ver o que vem acontecendo num país onde o aborto é legalizado há décadas, caso dos EUA. A eleição presidencial ocorrerá daqui a alguns dias, já na primeira semana de novembro, e republicanos e democratas estão empatados nas pesquisas. Obama certamente realizou um governo decepcionante, mas devolver o poder aos republicanos parece simplesmente insano. Principalmente se você for mulher. Cada vez mais à direita, grande parte dos líderes republicanos andou dando declarações desastrosas ultimamente –- declarações que fazem a “pasta cheia de mulheres” que o candidato Mitt Romney deixou escapulir no último debate soar como uma besteirinha à toa. Só pra lembrar algumas derrapadas recentes: o radialista Rush Limbaugh chamou de vagabunda uma estudante de Direito que pediu que planos de saúde incluam a distribuição de pílulas anticoncepcionais (sabe, esses comprimidinhos que podem evitar gravidez e, assim, a necessidade do aborto?). O deputado Stephen Freind declarou que as chances de uma mulher engravidar de um estupro são de “uma em milhões e milhões e milhões”, já que “a experiência traumática do estupro faz que a mulher secrete uma certa secreção que mata o esperma”. O ex-governador Mike Huckabee afirmou que "estupros têm gerado pessoas extraordinárias". O candidato a senador Todd Akin disparou que em casos de “estupro legítimo o corpo feminino tem maneiras de parar com todo o processo”. E por aí vai.Quando governador de Massachusetts, Romney era pró-escolha (até porque ser contra, num estado mais progressista, não iria lhe ajudar em nada). Mas agora, para conseguir angariar os votos mais reacionários, Romney se alinhou com a ala ultraconservadora do Partido Republicano. Escolheu Paul Ryan (um católico que se declara anti-aborto em todos os casos) para vice. E se comprometeu a se opor ao aborto sem exceção, o que inclui casos de estupro e risco de vida pra gestante. Dá pra imaginar o tamanho do retrocesso?Acho que não dá, porque a gente vive no Brasil, país que tem uma das mais atrasadas legislações sobre aborto. Só este ano a gente liberou gestantes de abortarem fetos anencéfalos. A gente não sabe o que é ter a possibilidade de realizar um aborto sem poder ir presa ou sem morrer em decorrência de procedimentos clandestinos malfeitos. Mas imagine viver num país que permite isso há décadas, e de repente todos esses direitos serão tirados de você. Imagine ser estuprada, engravidar (o cálculo é que entre 25 mil e 32 mil americanas engravidam por estupro todo ano), e ser forçada a ter o filho porque um Estado que não tem nada de laico manda no seu corpo.Mas calma que fica pior! Em 31 dos cinquenta estados americanos, uma mulher que tem um filho em decorrência de estupro não consegue amparo legal para impedir que o estuprador tenha direitos de pai. Se o estuprador quiser -– e, segundo a advogada Shauna Prewitt, ela mesma mãe de uma criança gerada por estupro, isso não é nada incomum -– ele pode exigir os mesmos direitos de custódia e visitação de qualquer pai comum.Imagine, então, que você engravidou do seu estuprador, e optou (porque a legalização do aborto proporciona escolhas, não obrigações) por ter a criança, mesmo que a sociedade ache a sua decisão questionável (afinal, mãe de filho de estupro deve odiar seu filho, senão é bem capaz de não ter sido “estupro legítimo”). Imagine o seu estuprador, aquele sujeito que você nunca mais quer ver, porque quer tentar esquecer o que aconteceu para poder tocar a vida, entre na justiça com pedido de visita, ou mesmo de guarda compartilhada, do seu filho. Imagine que toda sexta-feira seu estuprador estará a sua porta para pegar a criança para passar o fim de semana com ele. Imagine você ter que entregar sua criança a um estuprador.O Estado que decreta que você, por ser mulher, não tem direito sobre o seu corpo é o mesmo Estado que assegura que seu estuprador não só terá a oportunidade de passar os genes dele adiante, como também de criar a criança. Estupro acaba sendo um ótimo negócio. Pelo menos para uma das partes envolvidas. Parece o cenário de um pesadelo? Nada, é só o futuro com fundamentalistas religiosos no poder.
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