ESTATUTO DO NASCITURO PODE CALAR TODAS AS DISCUSSÕES SOBRE ABORTO
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ESTATUTO DO NASCITURO PODE CALAR TODAS AS DISCUSSÕES SOBRE ABORTO


A bíblia combina melhor com o projeto

Estamos falando muito menos da legalização do aborto do que deveríamos. Há uma ameaça no ar. Uma ameaça pesada que atende pelo nome de Estatuto do Nascituro, e que pouca gente conhece. O projeto de lei foi proposto em 2005, e arquivado dois anos depois. Mas há um projeto semelhante, o PL 478/2007, prestes a ser votado. A ideia é a mesma: considerar um embrião uma pessoa já nascida, digna de todos os direitos jurídicos. E criminalizar ainda mais a mulher que aborta. 
Se aprovado, o Estatuto determinará que a vida do embrião é mais importante que a de uma mulher. Isso quer dizer que, se uma mulher estiver grávida e com câncer, os médicos não poderão tentar curá-la do câncer, porque a quimioterapia afetaria o embrião. Não é ficção, é realidade. Aliás, aconteceu faz pouco tempo em Goiânia: um juiz negou o direito ao aborto de uma jovem com câncer. O pedido só foi aceito em segunda instância. Com o Estatuto do Nascituro, essa mulher não teria a menor chance de abortar. Morreria de câncer.  
Se aprovado, toda e qualquer mulher que sofrer um aborto espontâneo (o que acontece naturalmente em 25% das gestações) será investigada pela polícia, que terá que verificar se ela perdeu o feto acidentalmente, ou se é uma criminosa que merece ir pra cadeia. Queremos mesmo ser como El Salvador, que proíbe a interrupção da gravidez em todos os casos e que condenou uma mulher a 40 anos de prisão por ter tido um aborto espontâneo? Só pra constar: isso pode acontecer com você, mulher, com a sua mãe, sua irmã, sua filha. Imagina que bacana a mulher estar sofrendo porque perdeu o bebê, e ainda ser ameaçada de cadeia por causa disso.
Se aprovado, uma mulher que engravidar de um estupro não poderá abortar. O Brasil já tem uma das leis mais retrógradas do mundo em relação ao aborto -- unicamente por sermos a maior nação católica do planeta e por não vivermos num Estado laico. Por enquanto, o aborto só é permitido em casos de estupro, de risco de vida pra gestante, e no caso de fetos anencéfalos (o que só foi aprovado ano passado). Com o Estatuto, nem isso. Além do mais, o mesmo projeto institui a bolsa-estupro. 
Se aprovado, mais mulheres morrerão vítimas de abortos clandestinos. 
Ah, e tem uns bonus tracks também. Se o Estatuto for aprovado, será o fim da fertilização in vitro e das pesquisas com células-tronco embrionárias (que o Supremo Tribunal Federal autorizou desde 2008). Ou seja, um retrocesso total. Que beleza, hein?
Se você não quer que o Brasil retroceda nos direitos humanos e fique ainda mais nas mãos de fundamentalistas cristãos, assine e divulgue esta petição contra o Estatuto do Nascituro. O assunto é sério mesmo.
Publico abaixo um texto que a Suelen me enviou sobre uma discussão que teve recentemente sobre a descriminalização do aborto. E que mostra que nem nas discussões sobre aborto o Estatuto do Nascituro dá as caras. Mas, se for aprovado, será a proibição do aborto em todos os casos. O fim das discussões.

Pra começar a contar a história, preciso explicar algumas coisas. Sou “casada”, apesar de ter 20 anos. Eu e meu namorado decidimos morar juntos há um ano e meio, ele é poucos meses mais velho que eu. Aliás, essa é uma história que daria outro post, já que eu frequentemente sofro preconceito por ser “casada” com esta idade. Tanto eu quanto meu companheiro somos feministas, lutamos juntos. Nós também somos veganos e ateus. 
A maior parte da minha família é composta por católicos fervorosos. Creio que, por enquanto, eu seja a única ateia da linhagem. Uma das minhas primas é extremamente religiosa mas nos damos muito bem, nos respeitamos. O problema mesmo é o marido dela, que é o estereótipo do cristão ultraconservador, do estilo que posta coisas no Facebook como: “Mulher, não coloque na vitrine o que não está à venda. Se dê ao respeito”. 
Quando o Conselho Nacional de Medicina se manifestou a favor do aborto até a 12ª semana de gestação, eu declarei meu apoio à decisão na minha página do Facebook, assim como todas as outrxs lutadoras. Antes disso eu sempre publiquei coisas favoráveis ao aborto. Qual não foi minha surpresa quando este cara, que expliquei acima, católico fervoroso, fez um post na página dele todo dedicado a mim, só que não diretamente. 
“Quanta hipocrisia é alguém que se diz defensora dos animais se dizer a favor do assassinato de uma criança humana”. Com esse tipo de frase, ele formou um texto enorme. Ao ler, eu fiquei naquela dúvida cruel: respondo ou não? Geralmente tenho essa dúvida ao entrar em discussões pelo Facebook, até porque este é o perfil de conservador que nunca vai mudar.
Mas depois de refletir, eu não me aguentei, e acabei por responder ao post. A minha resposta foi a primeira de todas as outras centenas que vieram abaixo me massacrando. E é aí que eu queria chegar. Eu falei a respeito da hipocrisia que é achar que as mulheres deixam de abortar simplesmente por isto ser proibido em lei, e ressaltei o número de mulheres pobres que morrem tentando realizar o processo em casa. Também falei das mulheres ricas, que realizam o aborto em clínicas seguras. 
Tentei, inutilmente, falar que lutar pela descriminalização do aborto não é o mesmo que sair distribuindo panfletos incentivando as mulheres a abortarem. Por fim, contei sobre o medo que eu tenho de andar sozinhas nas ruas e ser estuprada, esse medo cruel e diário. E após o estupro? A criança gerada? Deve ser um fardo para a mulher? Encerrei mais ou menos assim minha resposta. E ah, disse que um homem não deveria falar sobre esses assuntos sem entender o lado da mulher.
A minha maior tristeza, acho que não posso usar a palavra decepção, foi ler o depoimento de diversas mulheres, cristãs, que condenam veementemente o aborto. Que me disseram que “elas eram mulheres e então poderiam falar no lugar dele”, que aborto é assassinato e dane-se a mulher e suas escolhas. Conseguiram me dizer que se estupradas, achariam forças para gerar o filho, já que a criança não merecia ser morta apenas pela situação que a gerou. Eu fiquei muito, muito triste com essas respostas. E fiquei me perguntando quando que nossas brasileiras aprenderão sobre seus direitos.
Eu sei que todas aquelas mulheres que me condenaram, na verdade, vêm de uma criação machista, e que desde bebês elas aprenderam que as escolhas das mulheres devem vir em segundo plano, tudo baseado no nosso belo sistema patriarcal. Isso até me permite compreendê-las, mas não aceitá-las. Até quando tantas mulheres deixarão de lado o seu direito de escolha acima de tudo, sobre seu corpo, seus atos, seus relacionamentos? Até quando colocarão uma crença à frente do nosso poder de decisão sobre nosso próprio útero? 
Não sei, mas a pergunta me entristece. Espero -- e muito -– que as respostas venham com as próximas gerações, que, vamos lutar, para que sejam menos machistas.




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