Eu vi “Cabaret” em São Paulo muitos anos atrás, em 1989. Tinha o Diogo Vilela como mestre de cerimônias e a Beth Goulart como Sally Bowles. O que mais me lembro é do número do “The Money Song”, bem criativo. Logo, não fiquei comparando essa versão de Detroit com a superprodução de São Paulo. Mas não compará-la com o filme foi missão impossível! O musical de 1972, vencedor de vários Oscars, não é um filminho qualquer. Pra mim e pro maridão, é um dos maiores de todos os tempos, que a gente ama de paixão. E imediatamente percebi que o papel mais difícil é o do mestre de cerimônias, não o da Sally, porque não dá pra esquecer a interpretação do Joel Grey. O ator do Stagecrafters até que se esforçou, mas só conseguia tentar imitar o Joel. De qualquer jeito, adoramos a montagem, que apresentou um monte de coisas diferentes do filme. Por exemplo, na obra-prima do Bob Fosse, o casalzinho apaixonado que não pode se casar - porque a mulher é judia, e eles vivem na Alemanha, bem no momento da ascensão do nazismo – é jovem. Na montagem que vimos, o casal já passou da meia idade, e o fato de que dois solitários precisam morrer sozinhos só por causa de uma irracional perseguição religiosa comove ainda mais. Esse casal tem tanta importância quanto Sally e o estrangeiro que testemunha tudo (e, por ser de fora, é o único que percebe a histeria coletiva tomando conta da Alemanha. Não por coincidência, a peça original, antes de virar o musical consagrado, chamava-se “Eu Sou uma Câmera”).
Ah, quando acabou a peça, o casal que sentou-se do nosso lado nos ofereceu uma carona até em casa. Viu que amor? E eles moram lá em Royal Oak, pertinho do teatro, daria pra ir andando. Vieram de carro até lá porque, como Sandy (a senhora) me explicou, “Somos americanos”. E a peça que ela está dirigindo, “Frozen” (“Congelados”), estréia no início de março! Certamente estaremos lá.
E, como esse casal conhece todo mundo, acabamos conhecendo todo mundo também. Inclusive o diretor, uma figura muito divertida e entusiasmada. Eles nos apresentavam como “o casal que veio do Brasil ver a peça!”. Eu era a aluna de doutorado em Shakespeare, e o maridão, um campeão de xadrez (é incrível como uma pessoa sobe no conceito das outras por jogar xadrez, e como “jogador de xadrez” vira “campeão de xadrez”, a profissão mais glamurosa do mundo, em questão de segundos!). Descobri que o diretor da peça está encrencado pela mensagem que publicou no programa. Também, pudera. Olha o que ele escreveu (perdoe minha péssima tradução): “'Cabaret' nos permite presenciar um tempo e um povo, e nos ajuda a entender como, por que e quando uma nação inteira ficou tão degradada, tão desesperada, a ponto de estar disposta a trocar sua liberdade por segurança, prosperidade e a ilusão da invencibilidade. Vejo o que a América está se tornando, sob a cumplicidade silenciosa de tantos, e tenho medo. Não medo de terroristas, mas medo do futuro do nosso país. Muitos podem dizer, 'Isso nunca aconteceria aqui'. Ao que eu respondo: era isso que os alemães diziam”.
Uau! Muita gente do próprio grupo se opôs à mensagem, como era de se esperar. Mas fico feliz que existam americanos corajosos e perspicazes como esse diretor. Ele é a câmera.
Interior do Teatro Baldwin em Royal Oak, subúrbio de Detroit