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GUEST POST: A VIOLÊNCIA NO PLANO TEÓRICO E O QUE SOFRI
Não sei exatamente o motivo, mas hoje finalmente me conscientizei da violência que sofri. Hoje, enquanto estava no ônibus vindo do trabalho para casa, finalmente percebi que sofri violência física e psicológica por uma das pessoas que mais tinha em consideração. No final de 2012, fiz uma amizade que achei ser perfeita -- colega de faculdade, cursava diversas disciplinas comigo e pensávamos de uma maneira semelhante. Era atencioso, carinhoso, apesar de ter um jeito muito estranho (não tinha a mínima noção de espaço pessoal, não sabia que certas coisas não se falavam). A princípio achei que era mero jeito de ser e que, com o tempo, ele saberia aprender determinados limites e não falaria coisas tão grosseiras à medida que eu fosse conversando com ele. Me enganei. Sabe, Lola, sempre fui muito sozinha, com poucos amigos -- os poucos que fiz, sempre tentei preservar, até com um certo quê de desespero.
Mesmo quando esse meu amigo fazia diversas coisas, me xingava e, em momentos de raiva, dava apertões no meu braço ou me tratava de forma mais agressiva, eu justificava, tentava entender, falava que a culpa era minha. Quando não respondia as mensagens no exato momento em que as recebia, era acusada de estar o abandonando, pois teria achado pessoas melhores. Ele costumava falar que "não prestava" e que "com o tempo, eu iria abandoná-lo como todas as outras pessoas". Eu, ingênua, falava que não, que todos prestavam, mas relações interpessoais são complicadas e era necessário esforço de ambas as partes. E, com isso, ele afirmava que estava tentando melhorar e que não queria me perder. Quando estávamos na mesma sala e eu tentava sentar longe dele e mais próximo de outros amigos, me puxava pelo braço, me arrastando para onde ele estava. E ali eu era obrigada a sentar, sob pena de arranjar uma confusão em plena sala de aula. Um dia, quando finalmente cansei de todo o tratamento degradante recebido, levantei da carteira para sentar onde queria: ele agarrou meu braço e não soltava. Ficou roxo, eu reclamei que ele estava me machucando, mas ele não soltou. Deixei a situação ficar dessa forma -- esquecida, como se aquilo não fosse uma agressão. Até que no início de 2014, não só encontrei esse blog como comecei a participar mais ativamente de um trabalho referente à violência doméstica. Percebi, com certo desespero e profundo desprezo próprio, que estava sofrendo violência semelhante. Os jogos psicológicos, as ameaças, as agressões, as promessas de que ele iria mudar. E me odiei, Lola. Me odiei porque sempre fui muito auto-suficiente, nunca deixei que ninguém me machucasse e me perguntava como as mulheres podiam se submeter a esse papel de submissa e vítima (friso, isso é pura idiotice, proveniente de uma cultura machista que culpa a vítima pelo ato do agressor). Mas eu era reprodutora dessa cultura machista -- eu era vítima e, ao mesmo tempo, perpetuava esse machismo. Eu era machista. Foi aí que entendi todas as dificuldades de sair dessa relação doentia (que, no meu caso, era só amizade). Mas, no início, eu me odiei. Quando fui falar com amigos, eles me diziam: "Como você deixou ele fazer isso com você?", "Por que você não impôs limites?". Admito que muitas vezes me pergunto isso. MAS A CULPA NÃO É MINHA! Não pedi para ser agredida verbal e fisicamente. Até que, enfim, finalmente me desliguei dele. Comecei a cortar determinados comportamentos e ele me xingava, dizia que eu estava ficando chata, que estava reclamando de tudo. Parei de responder as mensagens. Parei de encontrar na faculdade. E comecei a me libertar. Comecei a conversar mais com outras pessoas e não me corroía mais por dentro: era possível, sim, sofrer violência de alguém que considerava um amigo. E eu não precisava me martirizar por isso, eu não era a boçal e idiota -- infelizmente, acontece. Até aí final feliz, né? Só que não.
Comecei a namorar e não escondi esse fato do mundo. Esse meu ex-melhor amigo, ao ficar sabendo disso e perceber que eu não estava mais falando com ele, me mandava mensagens me xingando, dizendo que não passava de uma puta. Um dia, quando conversava com meus amigos do lado de fora da sala de aula, nos corredores movimentados, em plena faculdade, ele me empurrou. Me empurrou de tal forma que torci o pé e não consegui me locomover direito por uma semana. Me empurrou e meus amigos ficaram atônitos com a situação. Mas eu deixei quieto. Por medo. Por pena. Por achar que não era nada de mais. Aquilo não era realmente agressão. É difícil conciliar tudo aquilo que reconheço como violência no plano teórico com aquilo que sofri. Depois desse fato, ele me mandou mais mensagens, dizendo que não ia querer minha amizade de volta, pois "demandava muito tempo e eu não valia isso". Ignorei, sequer respondi.
Semanas depois, quando me encontrou sozinha, ficou me esperando do lado de fora do banheiro feminino. Fiquei lá dentro uns 20 minutos, torcendo que ele saísse e me deixasse em paz. Quando saí, ele ainda estava lá. Tentou puxar assunto, agarrou minha mão. Me desvencilhei e fui embora.
Toda vez que ele me encontra é a mesma coisa. Felizmente, já tem um tempo que não nos encontramos. Mas continuo com medo. Não fico sozinha na faculdade e, se fico, tenho medo. Meu namorado diz que tenho que tomar as devidas providências. Meus amigos dizem que é desnecessário, pois nada do que ele fez foi grave. Minha família acha que eu estou sendo patética e exagerada.
E eu sei que, na faculdade, ele é bem mais influente que eu. É político, é amigo de pessoas importantes e é bem mais sociável do que eu, conhece muita gente (entre alunos e professores). E eu? Se realmente fizer algo, temo que a versão dele terá mais crédito do que a minha. E, pior de tudo, mesmo as pessoas da minha faculdade que estudam sobre violência de gênero e violência doméstica o adoram, porque a imagem que ele passa é de um ser culto, que luta pelas mulheres, quando, na realidade, as agride. Nisso tudo, por mais que eu saiba que não tenho culpa, fico me perguntando: como fui tão estúpida? E o que faço agora? E existe isso mesmo de violência entre amigos? Ou, como muitos amigos meus dizem, vão falar que nós tínhamos algo e eu não quero é admitir.
Não quero ficar calada, mas não consigo me expor sem ter medo... Desculpa pelo texto longo, mas acho que eu precisava ter voz -- em algum lugar, pelo menos. Precisava que alguém me ouvisse.
Meus comentários: Querida T., ponha a boca no trombone! Pra começar, converse com essas pessoas que estudam sobre violência de gênero e conte pra elas que você vem sendo ameaçada. Outras pessoas já viram você ser agredida. Entendo que você tenha medo. Afaste-se o máximo possível desse agressor e cerque-se de pessoas confiáveis.
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"me Perdoe, Meu Amigo"
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