GUEST POST: ABUSADA PELO MEIO IRMÃO
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GUEST POST: ABUSADA PELO MEIO IRMÃO


A A. me mandou este relato em fevereiro. Na realidade, exatamente no mesmo dia que recebi este da D, com temática tão parecida.

Sei que existem muitos relatos de abuso no seu blog, não sei se deveria estar compartilhando isso, por te fazer perder tempo lendo isso.
Tenho 17 anos. Sou filha de um segundo casamento, e desde muito pequena fui abusada por um meio irmão, por parte de pai, que é apenas três anos mais velho do que eu. Até mesmo minha psicóloga não considerou um abuso. Pelo fato das idades serem próximas, ela julga como "brincadeira sexual" -- o que me deixou pior, porque eu nunca consenti nada e ele fez coisas sérias. 
Não me lembro de quando essas coisas não aconteciam. Mesmo ele sendo criança, me chantageava, dizia que o nosso pai ia ficar muito brabo comigo se soubesse, e eu me sentia suja e envergonhada. Ele ameaçava contar para todos. Cresci com medo e culpa por ser menina. Sozinha no meu quarto, eu brincava que era menino e às vezes ficava muito chateada por não ser. Imaginava que se fosse um, essas coisas não aconteceriam. E mais, imaginava que se eu fosse homem, eu protegeria minha irmã, como os meninos que via na TV.
Quando tive noção do que acontecia, por volta dos 8 anos, tive muito medo. Pode imaginar uma criança de 8 anos acordada a noite toda pensando em como fez algo errado? Eu pensava que era uma pessoa muito má, muito impura. Que angústia eu sentia!
Quando eu tinha dez anos nós fomos à praia, pai, mãe, irmãos. Ele me abusou enquanto meus pais dormiam à tarde. Aconteceu que depois ele teve de ir para cidade mais cedo. Então, no meio da noite (mais uma insônia por culpa) eu criei coragem e contei para meus pais. Minha mãe logo me afastou dele e tudo que nos ligava, exceto claro, meu pai, que é o homem que ela ama e convive conosco.
Anos se passaram, e chegou minha adolescência. Tenho quase 18 anos e só beijei um cara porque estava bêbada (ok, eu sei que não deveria ter bebido por ser menor de idade) e não tinha noção de nada. O cara tem 25 anos e me beijou quase desmaiada, por sorte ele não fez mais nada. O fato é que não consigo me aproximar de rapazes sem pensar que eles são cruéis, e que apenas querem transar comigo, ou que são legais e nunca vão prestar atenção em mim, com este corpo horrível ou sendo a pessoa sem graça e insegura que sou. 
Não vejo o sexo como algo bom e não sinto vontade ou curiosidade, sinto nojo. Também sofro de bipolaridade, há um tempo andei me cortando e fui levada ao psiquiatra e à psicóloga. Não sei se por causa do abuso da infância, espero que não, mas com ajuda do seu blog e dos tratamentos, hoje eu não me culpo por ser mulher e até gosto.
Há uns meses que eu consegui um emprego, mas não me dei bem. Estava no meu quarto, sozinha, chorando em silêncio, quando meu pai entrou. Todo compreensivo, ele perguntou o que foi. Eu disse que não era nada, afinal é meu primeiro emprego e eu não quis parecer preguiçosa, mas ele insistiu e então eu disse. Ele ficou muito, muito brabo e começou a me chamar de gorda, bunda mole, feia; no auge da conversa disse que eu deveria me suicidar. Disse que eu era uma pessoa horrível e mal agradecida. 
Lola, não consegui aguentar em silêncio e acabei jogando na cara dele o que o filho dele fez e que além de tudo largou os estudos, e eu nunca fui mal na escola. Nunca vi meu pai tão enfurecido, parece que eu o havia ofendido. Ele então falou uma frase que cortou meu coração, que me feriu demais: “Tu sabia o que tava fazendo. Não se faz de vítima, que tu não é!”
Minha mãe, que estava próxima, soltou um gritinho de susto pelo que ele disse e se calou. Ela não depende dele pra nada financeiramente, mas respeita a imagem do “homem da casa”, e não ousou me defender.
O que mais me machuca é o machismo do meu pai. Ele defende o filho homem e me culpa. Ele me olha com raiva, como se a culpa fosse minha que o filho dele foi afastado da nossa casa. Como se eu fosse uma oferecida com menos de oito anos de idade.
Eu sei que o rapaz, mesmo sendo mais velho, era criança na época e isso me consola um pouco. O que não me consola é meu pai o defendendo e não mostrando a ele que o que fez foi errado. Ele criou um abusador. Tenho medo que meu meio irmão faça isso com outras pessoas. Porque meu pai deixou a imagem de que é isso que um homem faz. A sociedade colocou na cabeça do meu pai que um homem defende outro. Que um homem “macho” abusa a própria irmã se ela “deixar”.
A sociedade machista fez minha mãe acreditar que não pode discordar do meu pai porque ele é homem. A sociedade colocou na cabeça da minha família que apenas eu sou problemática, porque nunca mandaram meu meio irmão a um psicólogo. Nunca tentaram conversar com ele, tratá-lo, fazer com que ele veja que fez coisas horríveis e que nunca deve fazer isso com ninguém. Não, ele é um homem normal e meu pai tem muito orgulho dele! 
Eu sou puta por ter sofrido abuso quando criança, e o meu abusador é um homem normal por ter me abusado ainda jovem. Mais um caso de "ele não sabe que me abusou".
O que me traumatizou, o que corrompeu minha infância, o que trouxe danos a minha vida, mais do que o próprio abusador, foi o meio que o criou, o incentivou e ainda ME culpou por isso!

Minha resposta: Que história horrível, A.! Consigo imaginar o tamanho da sua raiva. Acho que vc faz uma excelente análise da situação quando fala do machismo do seu pai, que vê o que seu meio irmão fez com vc como algo normal e saudável, mas te vê como culpada por ter permitido o abuso. É uma hipocrisia muito grande o que essa sociedade nos vende, né? Sexo como algo fantástico e essencial para os rapazes, e sujo e pecaminoso para as garotas. Se os rapazes não insistem em fazer sexo eles não são másculos, e se as garotas permitem, elas não são puras. Incrível que ainda exista gente com esta mentalidade hoje, em pleno século 21. 
Querida, uma das primeiras coisas que vc precisa fazer é mudar de psicóloga. Vc não tem dúvida de que o que aconteceu foi um abuso, e sua psicóloga quer te convencer que foi apenas uma brincadeira sexual? Como assim? A pequena diferença de idade entre vc e seu irmão sem dúvida é um atenuante, mas sua psicóloga tem que te fazer superar o abuso, não negá-lo. 
Pelo menos, quando vc se encheu de coragem e relatou o abuso aos seus pais, a sua mãe acreditou em vc e te separou do seu meio irmão. A gente cansa de ver casos em que os pais não acreditam, chamam a filha de mentirosa... Mas é mesmo chocante que seu meio irmão não faça terapia. É bem aquilo que a gente vive denunciando: ensine o cara a não estuprar, não a mulher a não ser estuprada. Seu meio irmão foi só um estuprador que aprendeu que tudo bem abusar da meia irmã durante anos a fio, e que, quando tudo foi descoberto, viu que não foi punido. É, terapia pra quê, nesse caso? Nem precisa! Argh. Vc tem razão. Com esse tipo de aprendizagem, é capaz que ele estupre novamente.
E não sei se vc pode ter uma conversa franca e direta com seu pai dizendo como a atitude e as palavras dele te machucam, ou se talvez vc precise da ajuda de uma psicóloga (uma que acredite no teu abuso, lógico) para intermediar esse diálogo. Mas acho que vcs precisam conversar, e seu pai tem que saber que ele está agindo de forma desumana, ainda mais com a própria filha.
Com sua mãe vc parece ter diálogo, então fale com ela. Se ela gritou ao ouvir as palavras duras e injustas do seu pai, ela está ciente da besteira que ele falou. Ela também vai ter que conversar com o seu pai. 
Espero que vc consiga se reconstruir.




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