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GUEST POST: COMO O MACHISMO QUASE ME FEZ DESISTIR DA ENGENHARIA
A L. me enviou seu relato de inspiração. O que ela narra me fez pensar na Síndrome do Impostor (em que a pessoa sente que não é capaz, que é uma fraude), um fenômeno muito mais comum entre mulheres. O sistema costuma ensinar às meninas que elas são incompetentes em muitas áreas, e aos meninos que eles merecem o sucesso. Vamos desaprender?
Desde que comecei a ler seu blog, comecei a repassar na cabeça muitas ocasiões da minha vida que sofri com o machismo, mas que não me dava conta que essa era a causa. Uma dessas reflexões me levou a ver como o machismo quase me fez desistir de ser engenheira. Aquela velha história de "mulher não tem afinidade com a área de exatas", sabe? Quando entrei em engenharia mecânica na universidade, tive dificuldade em algumas matérias, principalmente cálculo e física. Além de os professores serem exigentes, o abismo entre o que aprendemos no colégio e o que será cobrado na faculdade é enorme. A própria noção do que é estudar vai amadurecendo durante o curso. Somado a esses fatos, que afetavam a todos os alunos da minha sala, eu entrei um mês e meio atrasada porque estava trabalhando como modelo fora do país. Resumindo, não consegui acompanhar essas matérias, e reprovei nas duas. No segundo ano tive um professor que dava aula de física 2. Ele já era bem antigo na universidade, e muito respeitado. Acontece que ele dizia coisas como: "as mulheres têm dificuldade nas áreas de exatas, por isso aplico provas mais fáceis pra engenharia de alimentos", e por aí vai. Eu era a única menina em uma turma de 40 alunos, e já sofria com comentários frequentes dos colegas. Se tirava nota baixa, normal... eu era mulher. Se tirava nota alta, o professor facilitou pra mim porque eu era bonita. Na primeira prova que fiz desse professor, estava muito nervosa e não conseguia concluir os exercícios. Foi nessa hora de dificuldade que essa bobagem toda começou a ter lugar na minha cabeça. "Acho que mulher não serve mesmo pra engenharia", "mulher não tem intimidade com a área de exatas", "eu não devia ter entrado neste curso". Algumas vezes cheguei mesmo a chorar... Uma das coisas que me deram força pra continuar o curso foi o exemplo de uma professora que tínhamos, de uma matéria bem difícil. Ela era muito competente, formada em engenharia civil, e diziam que ela tinha passado com notas muito boas com aquele professor. Então eu pensava: "se ela conseguiu, eu também consigo". Permaneci no curso e não reprovei em mais nenhuma matéria, coisa que poucos alunos que se formaram comigo conseguiram. Mesmo assim Lola, só fui me dar conta de como essa questão afetou minha autoestima depois que comecei a ler seu blog. É muito frequente as pessoas terem dificuldade no curso de engenharia. Recentemente vi uma reportagem dizendo que a evasão dos cursos é de 50% no Brasil, principalmente por dificuldade nas matérias básicas (matemática, física e química). Mesmo com meu posterior bom desempenho, eu achava que essa dificuldade era só minha, e porque eu era MULHER! Como disse ali em cima, repassando minha vida, lembrei que quando criança, eu era a melhor aluna da sala em matemática. Aprendia sozinha, e conseguia avançar 3 ou 4 capítulos do apostila na frente da professora. Me dei conta que passei no vestibular antes de quase todos os colegas que cursavam comigo. Os que passaram em colocações melhores que a minha, já tinham feito um ano de cursinho, e eu passei na metade do terceiro ano. Meus pais sempre foram pessoas fantásticas, e sempre me transmitiram confiança para fazer qualquer coisa, então me pergunto: como me deixei abalar dessa maneira? Como pude acreditar, mesmo que por um instante, que eu era inferior aos meninos, que eu não era capaz, se eu não tinha qualquer motivo pra isso? Me coloco no lugar das pessoas que tem a autoestima pisoteada a vida inteira. Gordxs, negrxs, mulheres que se mantêm em situação de violência doméstica. São pessoas incríveis por conseguirem superar!Consegui notar a importância dos textos afirmativos que você coloca aqui no blog, pra gente se amar, reconhecer as nossas potencialidades, a nossa capacidade. É um ponto de apoio, no meio de um mar de informações que tentam nos botar pra baixo. É libertador. Também reconheci a importância de termos um referencial. A importância, por exemplo, de vermos negrxs em posições de sucesso. Entendi a força dos dizeres: o pessoal é político. Hoje sou formada e termino o mestrado em uma das melhores instituições do país (a pós aqui é nível 7 na CAPES). Eu entrei no mestrado ainda duvidando da minha capacidade. Hoje sei que estou longe de ser a aluna mais brilhante daqui. Tem mulheres e homens mais inteligentes e esforçados que eu. Mas o que seu blog me ajudou a reconhecer é que isso não tem nada a ver com meu gênero. Sendo assim, minhas limitações podem ser superadas, como as de qualquer ser humano. Sei que vou ter que passar a vida toda me auto-afirmando na profissão. Provando a todos minha capacidade. Sei disso porque já fiz estágio por três anos, já fiz entrevistas de emprego, e vejo como meus colegas comentam com desdém sobre as candidatas mulheres contra quem concorreram (e perderam). Mas agora não vou mais duvidar de mim, e espero também poder inspirar, como me inspirou aquela professora, as meninas que venham a passar pelo que passei. Peço que, ao publicar, use um pseudônimo ou só coloque a inicial. Somos tão poucas engenheiras mecânicas, que uma busca com meu primeiro nome e profissão já me colocariam na primeira página do Google!
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