GUEST POST: FEMINISMO ÀS AVESSAS OU RELEITURA DO MACHISMO?
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GUEST POST: FEMINISMO ÀS AVESSAS OU RELEITURA DO MACHISMO?


Uma comentarista querida e frequente que assina como Laurinha Mulher Modernex decidiu analisar a entrevista incômoda que uma pesquisadora deu a uma revista recentemente.

Lendo a matéria da Veja -- a respeito do tal feminismo às avessas da socióloga inglesa Catherine Hakim -–, várias questões começaram a passar pela minha cabeça.
Primeiro que a socióloga parece enxergar homens e mulheres quase como inimigos naturais, que precisam conviver por força das circunstâncias, mas que sempre estiveram e sempre estarão disputando o espaço entre si, quase como se constituíssem duas espécies diferentes. Time dos meninos contra time das meninas, como a gente já via desde crianças no Xou da Xuxa. Eu pelo menos não consigo ver as coisas dessa forma. Tem gente que está do meu lado e tem gente que não está, mas não é por eu ser mulher que necessariamente quem está no meu time será mulher e quem está contra mim será homem.
Em certo momento Hakim diz:  “Os homens sempre exploraram as mulheres, razão pela qual o feminismo foi necessário. Nós, mulheres, deveríamos explorar qualquer vantagem que temos sobre os homens, sempre que possível.” Fiquei com essas frases na cabeça. Quer dizer, quando você que é mulher se esforça pra conseguir alguma coisa, uma vaga no vestibular, um emprego melhor, com quem você está competindo no fim das contas? Contra si mesma, em busca do seu melhor? Contra as outras mulheres? Contra os homens? Contra todos que estão ali querendo a mesma vaga que você independente de serem homens ou mulheres?
Acho justo que os mais belos ganhem mais”, diz ela. Também acho... se você estiver em uma profissão onde o que realmente está em jogo é sua beleza. Também acho justo que um modelo mais bonito seja mais requisitado que outro que não seja tanto quanto ele. É o que conta nesse meio. mas vamos parar por aí.
Christine Lagarde, a diretora do Fundo Monetário Internacional, o FMI, é um exemplo de mulher que não ostenta a beleza clássica, mas é extremamente atraente. Tem personalidade, carisma, charme e boas maneiras. Se você não é bonito, por favor, vá à luta.
Comentários como esses é que me fazem pensar que a digníssima socióloga faz uma enorme confusão e no lugar de defender que mulheres (e homens também, claro) busquem aprimorar qualidades que fazem a diferença no mercado de trabalho e em qualquer outro lugar, como simpatia, educação, jogo de cintura, bom humor, etc, procurem se diferenciar apenas pela beleza. Afinal de contas, que diferença faz nas nossas vidas se a diretora do FMI é atraente ou não? Ela não vai ser mais ou menos competente por isso.
Há pouco tempo me submeti a uma cirurgia e na sala de operações, por acaso, só havia mulheres. Médica, anestesista, enfermeira. Se tudo correu muito bem e estou viva nesse momento, não é porque elas eram bonitas, mas porque eram competentes. O que me fez escolher aquela médica, entre todos os médicos do mundo, foi antes de tudo a confiança que ela me passou, a forma atenciosa e simpática como me tratou desde o começo e, claro, graduações, especializações e experiência. É muito óbvio escrever coisas assim, mas diante de matérias como essa da Veja, parece que precisamos continuar repetindo esse tipo de obviedade.
Tenho ao meu lado as intelectuais francesas e as alemãs. De maneira geral, elas reconhecem e valorizam o capital erótico das mulheres. As anglo-saxãs repudiam esse conceito. Elas rejeitam tudo o que está relacionado ao sexo e ao prazer e têm aversão à beleza.
Preconceito pouco é bobagem, vamos estereotipar e atacar de uma vez. Ver alguém que se considera feminista usando os mesmos clichês machistas contra outras feministas fica estranho. Me parece que implicitamente Hakim chama feministas anglo-saxãs de feias, bobas, chatas e mal amadas. Um machista não faria melhor, só seria mais explícito. Pra mim, pelo menos (e aqui é uma visão pessoal) o problema não é alguém, seja homem ou mulher, ganhar a vida através da beleza ou sexualidade. O problema é se a única opção for essa. E isso parece ser o que a socióloga faz, querendo nos colocar como femme fatalles ainda que na posição de professoras, médicas, arquitetas, psicólogas (insira aqui qualquer profissão que você quiser que não tenha a ver com o uso da sexualidade).
Em estudos realizados em todo o mundo, quando questionadas sobre as características mais valorizadas em um parceiro, as mulheres afirmam preferir homens com recursos, condição que viabiliza a permanência delas no lar.
Existe uma coisa chamada contexto que a socióloga parece não levar em conta ao ver tais pesquisas. Se você vive em uma cultura que te diz o tempo todo que tudo o que você precisa é ser bonita no caso de mulher e rico no caso de homem (e essa matéria da Veja é apenas mais uma a fazer isso), não é mesmo de estranhar que muitas busquem isso no momento de um relacionamento sério.
Outra questão é que a sociedade diz o tempo todo que mulheres só se realizam quando têm filhos (como a própria socióloga critica em certo momento), mas outra característica dessa  sociedade é que para se sobreviver nela é necessário ter dinheiro, pra ter dinheiro é preciso trabalhar e se você tem filhos é mais complicado trabalhar. Então ou você tem alguém que cuide dos filhos por você ou precise de alguém que trabalhe por você, e essas duas opções muitas vezes são complicadas.
Outra questão minha em relação ao mundo do trabalho é o quanto se insiste que a maioria das mulheres está insatisfeita com o emprego. Mas e os homens? Até parece que a maioria também está satisfeita!
A questão mercado de trabalho é muito mais ampla e não dá pra ser englobada apenas pelo feminismo. É um problema geral. A maioria das pessoas não trabalha por gosto ou por realização, mas por necessidade de sustento. É claro que podemos (e na minha opinião, devemos) buscar uma atividade que tenha a ver conosco, que dê algum tipo de realização, mas inicialmente a ideia não é essa. Duvido que a maioria dos homens também não adoraria não ter que trabalhar. A maioria das mulheres ganha pouco e tem condições ruins de trabalho. Os homens também, apesar de ganharem melhor.
Décadas atrás um salário mínimo sustentaria um casal e filhos (é o que dizem, mas meu avô recebia salário mínimo nessa época e nunca foi suficiente nem para ele e nem para as outras famílias da cidade -– uma cidade pequena e pobre). Só que nessa época a vida era muito mais barata, provavelmente sua bisavó costurava as roupas da família, havia uma horta e animais no quintal, os adolescentes não tinham a necessidade do tênis de marca e da troca de celular a cada semestre...
Enfim, tanta digressão apenas para dizer que existe um problema geral que é seres humanos x mercado de trabalho, não é apenas mulheres x mercado de trabalho, como tanto backlash muitas vezes faz parecer.
Voltando a matéria da Veja, é claro que nem tudo o que a socióloga diz me parece ruim, como quando ela fala de mulheres que abdicam da maternidade e também da barriga de aluguel como atividade paga. Mas em relação a outros pontos que ela defende, querer chamá-los de feminismo, quando esses simplesmente repetem preceitos machistas, embora “catando” vantagens para as mulheres, é realmente estranho.




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