GUEST POST: GANHO MAIS QUE MEU NAMORADO
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GUEST POST: GANHO MAIS QUE MEU NAMORADO


A L. me enviou este relato:

Acompanho seu blog e gosto muito das reflexões e do espaço aberto para relatos.
Tenho 25 anos e sou formada em ciência sociais, pretendo um dia fazer mestrado em antropologia, com foco em gênero e antropologia do corpo. Faço dança de salão há anos e como dançarina percebo muita ideologia por trás do aprendizado corporal e gostaria de estudar isso.
Sempre fui independente em relação a relacionamentos. Não sei se por sorte ou por escolha, nunca tive namorados ciumentos ou possessivos. A primeira vez que lembro de ter feito algo que hoje considero feminista foi numa conversa como meu pai. Tive muitos namoricos e ele, em seu machismo, falou que eu não encontraria alguém que me levasse a sério se continuasse assim, que os estagiários que trabalhavam com ele chamavam mulheres como eu de "rodadas". Respondi simples e calmamente: "homem assim não é homem pra mim". 
Outra vez ele falou que pelo número de namorados que eu já tinha tido eu me aproximava de uma prostituta; respondi que essa era a opinião dele, e que como eu não via desse jeito ia seguir minha vida amorosa do jeito que bem entendesse. Minhas respostas a ele sempre foram calmas e seguras de forma que ele não tinha como rebater e não se sentia ofendido. Acredito que consegui isso por fazer terapia com uma psicóloga muito boa, que me ajudou a ter segurança, e por fazer uma faculdade que me ajudou a entender um pouco como funciona o processo de argumentação. 
Ultimamente tenho lido diversos artigos feministas que me ajudam a repensar o machismo que tenho internalizado, converso muito com meu namorado sobre esses assuntos e tento fazer com que ele questione alguns pressupostos dele. Não que ele seja do tipo machista -- pelo contrário --, mas sempre tem algum resquício da sociedade patriarcal.
Um desafio que vejo à frente é que passei em um concurso público e terei um bom salário, e meu namorado escolheu uma profissão difícil e provavelmente não conseguirá ganhar metade do que ganharei, então teremos que vencer a concepção machista que diz que o homem deve ganhar pelo mesmo o mesmo que sua parceira (preferivelmente mais). Minha terapeuta tem me ajudado a combater esses preconceitos internalizados, trazendo pra superfície essa questão que no começo eu estava negando, e me fazendo refletir sobre o que é mais importante, amor ou dinheiro. 
Ele é um namorado maravilhoso, temos uma relação bem igualitária sem possessividade de nenhuma das partes, posso conversar com ele sobre qualquer coisa, ele me ouve e me ajuda a melhorar, tem uma forma de pensar de esquerda e tenta não dar valor demais ao dinheiro. E o mais importante: ele me traz paz e eu trago paz a ele. Assim, a resposta sobre o que é mais importante é bem fácil: sem ter ele do meu lado como meu parceiro, o dinheiro não seria grande coisa, principalmente porque com o que vou ganhar, poderia bancar nós dois. Acho importante que ele tenha seu dinheiro e independência e não se sinta preso, mas não precisa ser mais que o necessário pra isso, o importante é que ele siga fazendo o que gosta e se satisfaça assim.
Ouvi duas mulheres novas (menos de 30 anos) que passaram no mesmo concurso dizendo "Ah, eu sou machista e não importa o quanto eu ganhe, meu marido tem que ganhar mais". Acho muito complicado impor algo tão desnecessário ao seu parceiro, não tem para que a não ser para alimentar uma cultura machista e, na minha opinião, esvaziar o relacionamento -- condicionando o seu sucesso a uma questão financeira e prejudicando a parceria entre os dois.
Escolhi o caminho dos concursos públicos porque queria tranquilidade e liberdade (condições financeiras boas sem ser escrava do mercado privado e com estabilidade), escolhi isso antes de começar meu relacionamento, e se deixasse que meu salário atrapalhasse essa relação ele seria uma prisão e não um facilitador. Nós já conversamos muito sobre o assunto e no começo ele estava um pouco tenso, então falei pra ele que eu corri atrás do que eu queria e consegui e que agora vou poder ajudar ele a correr atrás do que ele quer, o que quer que seja, e cada dia que passa estou mais certa disso.
Meu caso é bem tranquilo perto de tantos outros, mas mostra uma dificuldade nas mulheres de se permitirem empoderar, mesmo aquelas que poderiam muito bem manter uma casa sozinhas insistem em colocar o homem na situação de provedor.

Meu comentário: Pois é, L., essa história de que o homem precisa ganhar mais é parte do senso comum e está mesmo muito internalizada, até pra quem é feminista. E obviamente esse tipo de pensamento não condiz com as mudanças profundas que a sociedade passou e continua passando. Um dia, o fato de mulheres terem maior escolaridade irá se traduzir em salários pelo menos iguais. 
Felizmente, eu e o maridão nunca tivemos problemas quanto a isso, e creio que esse é um indício de que realmente sempre fomos feministas. Nesses 23 anos em que estamos juntos, sempre trabalhamos fora, e sempre revezamos -- havia semestres que eu ganhava mais, havia semestres que ele ganhava mais, mas sempre foi bastante equivalente. 
Só que aí eu passei dois anos fazendo mestrado (com bolsa), e mais quatro fazendo doutorado (com bolsa também, graças!), e eu sabia que meu futuro seria ser professora universitária. E entre professores, quem está na universidade é quem ganha melhor (bom, já ouvi falar de professor de cursinho que ganha uma nota, mas não acho que seja a maioria). 
E o maridão é jogador profissional, técnico e professor de xadrez, e não existe doutorado pra isso, e ele não tem perfil acadêmico. Ele vive de xadrez desde os treze anos de idade, é a vida dele, é o que ele ama fazer. Maravilha quando o que você ama fazer te traz um dinheirão, mas é raro. Em geral, acho, as pessoas ganham mal em empregos que não gostam. Então o maridão ganhar o suficiente pra se sustentar e ainda guardar grana fazendo o que gosta, putz, só tenho aplausos pra ele.
Desde que entrei na UFC, em 2010, eu ganho mais que o maridão. E assim será enquanto eu estiver na universidade (provavelmente, até a nossa aposentadoria). E estamos nos lixando pra isso. Eu ganhar mais que ele é tanto um problema quanto seria se ele ganhasse mais que eu -- ou seja, não é um problema, porque não medimos nosso valor, nem baseamos nosso relacionamento, no salário do outro. 
Somos pão-duros miseráveis frugais, gastamos menos do que ganhamos, não temos sonhos de consumo, temos tudo que queremos. Nunca discutimos por dinheiro (que é uma das principais causas de divórcio).
Uma coisa eu posso atestar: é muito bom prum relacionamento amoroso não estar preso a estereótipos de gênero. Isso nos dá uma liberdade indescritível. Equivale a se livrar de uma das camisas de força impostas pela sociedade, sabe?




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