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GUEST POST: MEDO DE SAIR DE CASA
A C. me enviou este relato:
No momento em que escrevo este texto, o relógio marca 2:51 da manhã. Depois de muito rolar na cama, decidi te escrever. Estou com medo de sair de casa.
A história que tenho para contar infelizmente é comum, praticamente banal. Mas estragou meu dia, me tirou o sono, e achei que se houvesse uma pessoa que pudesse ser solidária, serias tu.Ontem tivemos um churrasco em família na minha casa. Meu namorado atravessou a cidade para participar da festa, e por volta do meio dia, fui buscá-lo na parada de ônibus. Na minha rua há uma casa com uma pequena obra, e passei por três homens jovens que aparentavam ser pedreiros em horário de almoço. Precisei atravessar a rua e passar em frente a eles, e quando o fiz, começaram a gritar para mim. Como sempre, os ignorei e passei reto. Nunca respondo a cantadas.
Na volta, eu vinha acompanhada do meu namorado, contando o ocorrido. Eles não estavam mais no mesmo lugar, tinham atravessado a rua, pareciam estar trabalhando num carro que estava estacionado. Disse ao meu namorado, “Ah, lá estão eles. Bando de desocupados”. Não sei se me ouviram, ou se foi o olhar de raiva que meu namorado dirigiu a eles, mas o fato é que novamente começaram a gritar. Eu, que já estava com raiva, e muito aborrecida de não ter respondido da primeira vez que passei, olhei para eles. Tive certeza de que estavam gritando para nós. Nisso, me enfureci de vez. Ora, já era o cúmulo me importunassem sozinha, mas não se intimidaram nem com minha companhia? Mostrei o dedo do meio. Gritaram mais. Gritei de volta, mandei tomar no c*, perguntei se não tinham trabalho para fazer. Começaram a insultar meu namorado, coisas do tipo “seu bunda mole, não vai defender a tua mulher?” Meu namorado até ameaçou atender, mas não deixei que fosse para a briga. Cheguei em casa nervosa, com mais raiva do que qualquer outra coisa. Contei o que tinha acontecido pra minha família... E eles riram! Minha tia e minha avó fizeram questão de me dizer que era bobagem, que eu “não deveria dar bola”, que se eu respondesse ficava pior. Minha mãe, ao me ouvir dizer que eu devia ser respeitada, afirmou veementemente que “isso nunca vai acontecer”.
Moro com minha mãe apenas, meu pai faleceu (e nunca foi de grande ajuda); mas coincidentemente hoje havia homens em casa, por causa da festa. Confesso que, apesar de ser algo machista, eu esperava que pelo menos se oferecessem para ir falar com os tais pedreiros. Meu tio fez uma cara de paisagem, meio “veja só”, e voltou para a carne. Meu avô não disse nada. Depois disso, passei mal. A única pessoa que me deu apoio incondicional foi meu namorado. Chorei muito, estou muito magoada com a minha família.
Veja: sei que cantadas são comuns e "inofensivas". E sei que “devemos” (aspas, muitas aspas) ignorá-las. Mas Lola, eu passo em frente àquela casa duas vezes por dia, sempre sozinha. Ultimamente, tenho passado na rua às 7 da manhã porque sou bolsista na universidade. Durante o semestre, se preciso de qualquer aula à noite, chego entre 9 e 10 horas. São horários desertos, estou sempre sozinha, e há um terreno baldio logo em frente. Sou uma moça de 52 Kg. Meu namorado segura meus dois braços imóveis com uma mão -- e eles são três homens inteiros. Três homens fortes, jovens, desaforados, que não se intimidaram nem quando eu estava acompanhada. Geralmente essas cantadas param quando a mulher responde, mas tive a impressão de que xingá-los só os deixou mais violentos. Eu estou com medo. Me tira o sono pensar em tudo que três caras poderiam fazer comigo. Porque a resposta é: qualquer coisa. Não há absolutamente nada que eu possa fazer para me defender de três adultos.Pensei em falar com o dono da casa. Mas francamente, tenho medo que ele ache engraçado. Tenho medo que me diga que não tem nada a ver com isso, que eu desperdicei seu tempo, e que os homens vão continuar trabalhando. Quase nunca vejo o pessoal da casa, não sei se há mulheres na família, ou que tipo de gente são. Se o chefe da obra não me ajudar, não sei o que fazer. Talvez possa procurar no meu condomínio outras mulheres que tenham queixas -– muitas das minhas vizinhas passam pela rua todos os dias. Talvez eu não tenha sido a única a me incomodar.Quanto mais penso no assunto, com mais raiva fico –- três marmanjos sem nada pra fazer me tiraram o sono porque eles resolveram que podem cantar mulher na rua. Por mais que eu pense que “não foi nada”, o fato é que eles são maioria, mais fortes, raivosos, e eu estou vulnerável. Sinto que corro risco. Nada garante que irão me fazer algo, mas ao mesmo tempo, nada garante que não irão. Da próxima vez que eu passar ali, se gritarem para mim, o que eu vou fazer? E se ficaram com raiva hoje?Tudo que fiz foi andar na rua. E agora estou com medo de fazer isso de novo... Me desculpe o desabafo, Lola. Vou ver se consigo dormir.
Meu comentário: Você tem razão em estar apreensiva e furiosa, C. Eles não têm qualquer direito de te agredirem, te ameaçarem. Estão tentando marcar território. São uns covardes.Acho que todas as suas sugestões são válidas. Veja com outras mulheres se elas também estão enfrentando problemas com eles. Fale com o dono da obra, explique o que está acontecendo, e exija que ele tome providências. E converse também com sua família. Conte pra eles que não é brincadeira, que você realmente está com medo (e com razão), que tem um terreno baldio em frente e você tem que passar por ele tarde da noite e que, se eles te atacarem, serão três contra uma. E lembre que existem muitos casos desse tipo -- casos demais pra que a gente possa descartar ameaças como brincadeira.É preocupante também envolver seu namorado. É ótimo que ele te dê todo o apoio, mas não queremos que isso termine numa tragédia. Quando casos assim acabam em assassinato, as causas são chamadas de "motivos fúteis". Eu o manteria afastado.Infelizmente, polícia não adianta nada nesses casos. Outra opção é ir junto com outras pessoas da sua família falar calmamente com os agressores. Talvez escrever uma carta? A palavra-chave é "calmamente", sem nervosismo, sem se exasperar. Sem que é difícil, por isso que talvez escrever uma carta seja melhor.E explicar bem didaticamente, fazendo o possível para deixar as emoções de lado, que o que eles estão fazendo não é engraçado, que este é um problema real que atinge milhares de mulheres, que você tem o direito de passar por uma rua sem ser incomodada, que como eles se sentiriam se isso acontecesse com a mãe ou irmã ou filha deles? (sei que este não é um argumento muito saudável. Afinal, eles deveriam te respeitar de qualquer jeito. Mas creio que fazer essa conexão com as mulheres da família deles ajuda a criar um pouco de empatia, a fazê-los pensar). E recomende pra eles que, a partir de agora, todas as palavras que vocês porventura trocarem sejam "Bom dia" ou "Boa noite", de uma forma respeitosa. Posso estar sendo ingênua, mas talvez funcione. Eu sempre aposto no diálogo (e muitas vezes levo uma rasteira).
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