GUEST POST: MY BABY SHOT ME DOWN
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GUEST POST: MY BABY SHOT ME DOWN


A I. enviou o seu relato, na esperança que outras sobreviventes se sintam tocadas por ele e saibam: não estamos sozinhas.

Por muito tempo amenizei minha experiência. Por vergonha, por dor. Muita dor. Disse que ele "apertou meu pescoço", concordei com o "tentou enforcar", mas a verdade é que fui estrangulada. Ele me estrangulou. Ainda não consigo dizer isso em voz alta, encarar a violência que sofri e verbalizá-la da maneira que a sinto. A palavra é feia, dói. 
A pessoa que eu mais amei me estrangulou. My baby shot me down. Posso dizer que uma das situações mais horríveis e desesperadoras é sentir medo de quem se ama. Olhar no olho de quem você ama e sentir medo pela sua vida. Tudo acaba nesse momento. Nada mais importa, você só quer sair dali, só quer que aquilo acabe, entra em um parafuso de medo e desespero. Só medo e desespero. Toda vez que acho que já superei, esse sentimento vem de novo -- os disparadores estão em qualquer lugar, uma palavra, um gesto, um cheiro.
Quando mais nova, eu imaginava situações de perigo e achava que teria sangue frio. Sempre me senti forte, sempre achei que algo explodiria dentro de mim e eu viraria um bicho pela minha própria sobrevivência. Mas nesse momento paralisei. Parece que meu cérebro parou um pouquinho de funcionar, as coisas ficam nebulosas, não lembro direito da sequência dos fatos. Mas lembro dos olhos dele. Os olhos de quem agride, de quem está agredindo -- você consegue imaginar? Não sei o que se passava na cabeça dele; até hoje não consegui decifrar aquele olhar. Só me vira o estômago lembrar. "Então você não quer mais o meu amor?" era o que ele dizia. Acho que o amor morreu um pouco em mim desde então.
"Não vou preso porque não ficou marca, não tem como provar. Não configura violência doméstica. É no máximo restraining order" [ordem de restrição]. Foi o que ele me disse. Eu lembro ter respirado fundo pra engolir o choro, nessa hora -- foi muita baboseira numa fala só. Me senti não digna, senti que minha palavra de nada valia, que minha experiência estava sendo ali desmerecida e silenciada. Até hoje não tem como "provar". 
Ninguém sabe o que eu passei, nem mesmo ele (que diz nem se lembrar do ocorrido). E mesmo assim quantos me viraram as costas, quantos acreditaram nele e no seu vitimismo, quantos fecharam os olhos... Será que têm medo de ver em mim as marcas da violência? Será que percebem que o olhar dele enquanto me estrangulava ainda me queima? Ainda me dói, ainda me tira a paz? Será que sentem o medo que sinto?
Depois de tudo isso, ainda voltei (por que fazemos isso a nós mesmas?). Quase voltei pra ele. Quase voltei pra um subjugo de violência iminente, que era a nossa relação nos seus últimos meses. Violência física iminente, porque as psicológica e simbólica eram mais que cotidianas, praticamente formadoras da relação. Só não disse o "sim, eu volto" porque sentia o erro. Não era possível que aquilo fosse certo, "depois de tudo o que passamos", como bem apontou mamãe. 
Até que rapidamente a violência se mostrou viva de novo: em uma situação de ciúme, ele veio novamente com toda a sua agressividade. Desta vez os toques foram brutos; resisto em considerar uma nova agressão física porque a primeira ainda não foi digerida. Os gritos foram amedrontadores, ele bateu nas coisas que estavam ao meu lado. "Você não vê que é tudo culpa sua? Que é você que me provoca? Que eu fico assim por sua causa?" Foi o que eu ouvi durante vinte minutos, em choque. A porta estava logo ali, ele não estava em cima de mim como da primeira vez. Eu poderia ter saído. Mas paralisei. Só chorei. Temi pela minha vida, quietinha num canto da varanda. Quando terminou de gritar, continuou me culpando; "minha consciência está tranquila, você que provocou tudo isso". My baby shot me down again.   
Se algum dia ele ler isso, vai ficar indignado: "mas contar que você olhou meu celular você não conta, né? Quer sair de santinha, de vítima. Tu sabe que provocou!". Na mesma lógica com que me perguntou se eu não iria pedir desculpas a ele por ter ocasionado uma situação dessas. Não, não vou. Não é culpa minha. Um dos piores e mais autodestrutivos sentimentos que eu já tive foi que eu merecia apanhar, sofrer essa violência. 
Eu não merecia. Eu não mereço, hoje tenho certeza.




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