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GUEST POST: O ABORTO QUE A MULHER FAZ SOZINHA
Era noite de carnaval e estávamos em casa. Na manhã seguinte eu tinha consulta com a ginecologista, faria um exame de preventivo do câncer. Eu desconfiava de que não deveria fazer sexo nas 24 horas que antecedem o exame, mas não consegui controlar nossos impulsos sexuais, nossos hormônios fervilhantes dos vinte e poucos anos. Transamos. No dia seguinte fui advertida pela ginecologista de que não poderia fazer o exame. Remarcamos para dali a algumas semanas, depois da próxima menstruação. Menstruação que não ocorreu. Eu engravidei no carnaval. Como eu iria ter um filho naquele momento? Como eu poderia dizer à minha família que eu estava grávida? Minha mãe morrendo de câncer e afundada em dívidas. Ela e minha irmã haviam se mudado para um quarto e sala para que ela pudesse morar mais perto do local onde fazia o tratamento oncológico. O apartamento era muito pequeno e tinha o aspecto de entulhado por causa dos móveis grandes e de todos os outros objetos que possuíamos por morarmos anteriormente num apartamento de três quartos. Eu no segundo ano da faculdade, que consegui entrar à custa de muito esforço e um ano inteiro de vida dedicado quase que exclusivamente a trabalhar (para pagar cursinho e ajudar em casa) e estudar para poder realizar o sonho de cursar uma graduação numa universidade pública. Meu sonho e o sonho da minha família também. Meu namorado, J., havia acabado de ingressar no mestrado, ainda ficaria dois meses contando moedas até começar a receber a bolsa. Os pais dele, extremamente católicos, não poderiam ajudar na decisão, pois sabendo da existência da gravidez não admitiriam um aborto. E estávamos morando longe de ambas as famílias, numa quitinete horrorosa, sem espaço algum para instalar um berço e sem perspectivas de conseguir uma moradia melhor. O que eu poderia fazer? Com quem eu poderia conversar? A única coisa que o J. dizia pra mim era que eu deveria decidir. Eu decidiria. Sozinha. A única conversa que tivemos em que ele não falou isso foi quando eu já estava numa outra cidade, dois dias antes da data marcada para fazer o aborto numa clínica, e ele me ligou chorando, com medo, sem pronunciar uma única palavra direito. Eu não sabia dizer na época e não saberia dizer hoje se aquele choro e aquele medo eram porque eu havia decidido abortar ou se era porque eu poderia mudar de ideia na última hora e decidir manter a gravidez. Em todos os outros momentos ele disse “o que você decidir eu apoiarei”, nunca me falou durante todos os quatro anos em que estivemos juntos se ele gostaria ou não de ter tido aquele filho (a gravidez ocorreu ainda no nosso primeiro ano de namoro). Na manhã determinada para fazer o aborto eu e ele pegamos três meios de transporte e ainda chegamos antes da hora marcada. Ansiedade. Medo de dar tudo errado. Medo de aparecer polícia na clínica e ser presa. Não consegui verbalizar esses sentimentos e pensamentos até o dia de hoje em que escrevo esse relato. Não esperei muito tempo na recepção, logo me encaminharam para o procedimento. Não deu tempo nem de parar e pensar “o que está acontecendo? O que estou fazendo?” Acho que justamente por saberem que esses questionamentos aconteceriam que não demoraram em me atender. Não lembro se na hora pensei que queria que tudo ocorresse bem e acabasse logo e que se assim fosse eu nunca mais pensaria sobre esse assunto na vida (como eu poderia depois de ouvir aquele coraçãozinho batendo rápido quando fiz o ultrassom? Tive que ouvir o bater veloz do coração do filho que nunca teríamos sozinha, ninguém além do J. sabia que eu estava grávida e ele não foi comigo para fazer esse exame) ou se pensei que preferia morrer ali, naquela mesa, naquele aborto, para pagar pelo pecado de não permitir que nascesse uma vida, uma vida de uma união de amor, que o tempo, o contexto, a insegurança, os traumas de uma infância e adolescência sofridas pela ausência dos meus pais não queria que isso acontecesse com outra pessoa, nem com os filhos dos outros, menos ainda com o meu próprio filho. Também não queria abrir mão de estudar, trabalhar, ter uma carreira e poder dar condições melhores pros filhos que eu teria no futuro. Todos os projetos que, se eu tivesse este filho, poderiam não acontecer. Esse acontecimento foi um divisor de águas na nossa relação e na minha vida e que perdura até hoje: me culpei, culpei o J., culpei o mundo por não ter me dado a oportunidade de conversar sobre o assunto, pensar em outras saídas. As únicas pessoas com quem falei foram duas amigas, uma que me passou o contato da clínica, pois sua irmã já havia feito dois abortos lá, e outra que estava grávida e só me disse que conhecia uma menina que havia abortado e se arrependido. Foram conversas rápidas e depois do aborto feito nunca mais conversei sobre o assunto com elas. Da descoberta da gravidez até o dia do aborto passou no máximo uma semana. Na época eu pensei que era melhor assim, abortar com menos de dois meses de gravidez talvez fizesse eu me sentir menos culpada. Depois do ocorrido nunca mais falei sobre o assunto com ninguém, exceto o J., mas eram conversas estranhas, eram sempre iguais, eu ainda não havia formulado direito na minha cabeça o que pensar sobre isso e ele sempre parecia querer se esquivar da conversa. Ele, por outro lado, conversou com os amigos e o irmão. O último me perguntou por que eu havia decidido fazer o aborto (é, para todos os efeitos a escolha é da mulher apenas), e o amigo num dia, aleatoriamente, na frente de outras pessoas inclusive, falou que era contra o aborto, olhando diretamente pra mim, esperando que eu me defendesse. Esse amigo é um tipo bem provocador, gosta de colocar pessoas, mulheres especialmente, em situações constrangedoras. Nunca soube se algum deles perguntou ao J. porque raios ele não usou camisinha. E se perguntaram não sei se ele confessou que brochava quando a usava. Pelo menos era o que sempre acontecia e ele reclamava da insensibilidade que a camisinha provocava. E eu, por outro lado, tinha a absurda ideia de que era estéril porque havíamos transado por um ano sem camisinha, sem pílula, sem tabelinha, e eu não havia engravidado nenhuma vez até a fatídica. Sabe, a família do J. tem condições financeiras muito melhores do que a minha. E eu amava, amava, amava muito o J. e queria ficar com ele por toda a minha vida. Eu poderia não ter interrompido a gravidez e esperado que a família dele me proporcionasse conforto e que ele ficasse comigo pra sempre por causa do filho. Mas eu não quis fazer isso, nem me passou pela cabeça esta possibilidade. No máximo eu imaginava que nós dois seríamos bem sucedidos em nossas carreiras e poderíamos ficar juntos, termos filhos e proporcionar a eles uma vida melhor do que a que tivemos (do que a que eu tive, pelo menos). No final do nosso relacionamento ele me disse que havia decidido que era contra aborto, que era errado fazer isso. Lavou as próprias mãos. A culpa ficou sendo toda minha, afinal o feto estava na minha barriga, eu deitei naquela cama e deixei que os médicos me anestesiassem e sugassem aquela criança de dentro de mim. Lavou as mãos. E quando ele casar será com uma mulher que dirá a ele que nunca fez e nunca fará um aborto. Ele não estará mais, nunca mais, com uma abortista. Agora ele é contra e a culpa é toda minha.
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