GUEST POST: OBRIGADA PELOS PEDAÇOS QUE FALTAVAM
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GUEST POST: OBRIGADA PELOS PEDAÇOS QUE FALTAVAM


A Julia me enviou este lindo email em agosto, quando eu estava em dúvida se iria ou não continuar com o blog. Agora não tenho mais dúvida: vou continuar. Pelo menos por enquanto. 

Ah, Lola, quando li sobre você estar em dúvida em continuar o blog me veio a cabeça a loucura que seria que você sumisse do "mundo virtual" e eu não tivesse a chance de repetir aquela palavrinha que você ouve (ou lê) bastante dos seus leitores: obrigada. Acho loucura que alguém que faz tanta diferença no mundo e no mundo de tanta gente, não esteja ciente de todo esse bem. Nada mais lógico que retribuir tudo isso lotando sua caixa de emails! 
Enfim, assim como tanta gente (aparentemente eu não sou muito original), eu não sabia bem o que era feminismo antes de conhecer seu blog. Ler sobre feminismo foi parecido com colocar óculos pela primeira vez: descobri que as coisas não eram assim tão embaçadas e confusas e que os horizontes eram não só maiores, mas muito mais bonitos do que eu estava acostumada a enxergar. Para mim, as luzes dos postes tinham um aro enorme de luz envolta da lâmpada e as árvores eram uma maçaroca de verde. Ninguém nunca tinha me dito que não eram e eu não via como poderiam ser de outro jeito, era assim que as coisas eram e pronto. Mas quando eu coloquei os óculos e vi que as lâmpadas eram só lâmpadas e que as árvores tinham folhas pequenininhas e passarinhos passeando nelas eu amei essa nova realidade com todo o meu coração.
Antes de colocar as lentes feministas em cima do nariz, eu passei por uma fase bem ruim. Dos meus 13 aos 15 anos (tenho 20 agora) fiquei muito deprimida, não sei o motivo exato, acho que foi um conjunto de coisas ruins acontecendo, assim, umas desventuras em série. Problemas familiares, problemas na escola (sempre tive dificuldade com a parte social da escola, mas nessa época foi pior), e ainda um abuso sexual -- tudo pareceu virar de cabeça pra baixo. 
Durante essa época, eu me senti muito só e me odiei bastante. Não me achava capaz nem merecedora de coisa nenhuma, nem das mais simples. Eu não acreditava, por exemplo, que eu podia ser bonita, mesmo se todos os caminhões da Avon estacionassem no meu portão. Quando eu ia a uma festa e passava mesmo que fosse só um batom, eu achava que estava ridícula, tentando ser algo que eu não era, ou seja, bonita. Também não acreditava que as pessoas pudessem gostar de mim pela minha personalidade e sempre achava que tinha algo errado com meus gostos e minhas idéias e acaba escondendo uma boa parte de mim de quem quer que fosse.
Eu ainda esperava que de algum jeito a vida ia ficar melhor, que um belo dia eu acordaria e tudo ficaria bem magicamente, mas enquanto isso, passava cada dia torcendo para que ele acabasse logo. Eu me magoava fácil, qualquer palavra maldosa me atingia em cheio e não foi pouco o tempo que gastei pensando nas babaquices que os outros diziam pra mim. Mesmo pensando que aquilo iria passar, às vezes eu tinha crises e me desesperava, perdia a fome, chorava, não queria fazer nada e passava horas com aquela dor no peito. Nunca pensei em me matar e a única vez em que tentei me cortar, acabei desistindo.
Quando eu tinha quinze anos eu me dei conta que não dava para continuar daquele jeito e de algum lugar eu tirei forças para tomar uma atitude. Eu percebi que aquele conselho mais velho que tem, sobre encarar seus medos para superá-los não podia ser mais verdadeiro e comecei a me forçar a fazer tudo o que eu "queria, mas hoje não ia dar". Comecei a ir a todas as festas e a pelo menos tentar conversar com todas as pessoas que se aproximassem de mim, ainda que me sentisse desconfortável. Comecei também a usar maquiagem, pintar as unhas e usar as roupas de que eu tinha vergonha antes. Hoje eu sei que autoestima não tem nada a ver com estar "arrumada", mas eram coisas de que eu me privava e eu precisava da possibilidade de escolha.
Eu entrei para o grupo de coral da minha escola e isso foi essencial pra mim. No coral, eu não me expunha muito e tinha oportunidade de desenvolver uma habilidade e ver que eu podia ser boa. De quebra ainda subia num palco uma vez por ano para uma apresentação, era um desafio. E eu acabei sendo uma das alunas mais elogiadas pelo professor, vejam só! 
Mas mesmo com toda essa melhora, eu ainda duvidada de mim às vezes, ainda dava um valor enorme para a opinião dos outros, tinha medo de fazer tudo o que eu queria e ser julgada. Esses julgamentos que eu temia eram na maioria machistas. Uma das coisas que mais me deixavam insegura era o fato de eu nunca ter tido um relacionamento, nem beijado ninguém, nem feito sexo. Aparentemente, minha timidez deixava isso tudo bem claro para todo mundo, e meus colegas brincavam sobre como eu era inocente e pura. Eu não achava essa classificação interessante. 
E o pior é que ser "santa" não é estar a salvo de julgamentos. Um garoto em quem eu dei um fora, porque não sentia nada por ele mesmo, me chamou repetidas vezes, durante anos, de assexuada, de forma pejorativa (e se eu fosse, e daí?). Me sentia presa nesse limbo e ainda tinha crises depressivas, menos frequentes, mas tinha, e eram desesperadoras, porque era assim que era o mundo, não era? A gente tinha que escolher entre uma coisa e outra, era a vida.
Depois que eu comecei a ler seus textos, Lola, esse último pedaço que faltava de mim se encaixou. Eu me juntei ao John Lennon, e imaginei que não existe céu e inferno, santa ou vadia, e vivi a vida em paz, ou melhor, em revolução feminista. Faz um ano e meio que eu não tenho uma crise daquelas, coincidentemente, mais ou menos o tempo desde que eu abri o link de um certo blog de fundo azul. 
Não me sinto uma outra pessoa em relação a quem era a uns anos atrás, mas sinto que era uma pessoa quebrada e agora estou inteira. Sem o feminismo, ainda faltariam muitos pedaços. Então obrigada, obrigada, obrigada.
Eu espero que o feminismo ajude mais e mais gente a se encontrar e pretendo fazer o possível para que a realidade seja mais favorável a isso. Tanta coisa já mudou, não é? 
E mesmo assim falta tanto pra resolver. Acho que a gente constrói o mundo todo dia e você com certeza, só de mudar a vida de tanta gente, já fez daqui um lugar melhor pra se viver. 
Um beijo, Lola, espero que você seja muito feliz em tudo o que fizer e se lembre sempre que tem muita gente que te agradece por tudo, provavelmente mais do que as te escrevem, pra quem você fez toda a diferença.




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