GUEST POST: SUFOCANDO MINHAS VONTADES
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GUEST POST: SUFOCANDO MINHAS VONTADES


Relato da G.:

Esses dias (na verdade, esses anos, talvez a vida toda) eu tenho me sentido muito confusa e infeliz. Não sei a quem pedir ajuda, mas vou tentar contar mais ou menos a minha história.
No começo da minha adolescência, a partir dos 11 anos, comecei a me perceber um pouco diferente das minhas amigas.
Todas elas se interessavam por meninos, usavam maquiagem pra ir à escola, gostavam de sair pra dançar nas matinês, esse tipo de coisa. Eu não saía pra esses lugares porque achava uma chatice, não gostava das músicas, mas também por ser muito tímida e não saber dançar. Não usava maquiagem, deixava o cabelo de qualquer jeito, não me depilava, enfim. Minhas amigas viviam me cobrando isso, falando que eu tinha que me arrumar mais e tal. Sobre os meninos, eu não me interessava muito por eles, e achava que esse negócio de “ficar” era meio idiota e sem sentido. Eu até tentei algumas vezes, mas não senti nada.
Aos 15 anos, mudei de escola e fiquei com um menino de outra turma. Eu nem o conhecia direito, mas simpatizava com ele, e quando ele me chamou pra ir no cinema, aceitei e ficamos. Ele era muito carinhoso comigo, então eu fui gostando dele aos poucos, mas ao mesmo tempo, achava aquilo um pouco forçado, parecia que ele estava representando um papel de “namorado perfeito” de filme. 
A gente mal se conhecia, e ele agia como se me amasse. Eu não sabia demonstrar muito carinho. Ele terminou comigo por causa disso, dizendo que estava carente e eu não estava suprindo isso! Fiquei muito magoada, como se eu nunca fosse namorar ninguém por ser “esquisita”.
Então eu decidi que ia transar com o primeiro que aparecesse. Eu acreditava piamente que sexo devia ser uma coisa muito prazerosa, já que é isso que nossa sociedade hiper sexualizada prega, e que pra sentir esse prazer eu não precisava esperar um namorado que gostasse de mim de verdade, já que isso nunca ia acontecer mesmo. 
Nessa época eu era uma típica adolescente rebelde, e vivia gritando aos quatro ventos que o amor não existe, que as pessoas têm mais é que transar só por prazer mesmo, e todo tipo de idiotices pseudo revolucionárias (eu me achava super moderna falando isso). Não acho que seja uma idiotice transar “só” por prazer, não é isso. Mas é uma idiotice dizer isso numa tentativa de se auto afirmar, quando se é uma pirralha virgem de 15 anos.
Aí aconteceram duas coisas realmente muito tristes. Primeiro, eu passei a ser julgada pelas pessoas por causa disso. Logo percebi e fiquei com a autoestima super baixa. Parecia que ninguém gostava de mim e todos me achavam uma vaca, escrota, infantil e carente. Segundo, fiquei com um menino muito escroto, que eu sabia que me achava uma idiota. E quando eu soube que ele queria ficar comigo, quis fazer jus ao meu discurso e à minha vontade de fazer sexo com qualquer um, independente de qualquer sentimento.
Ele me tratou muito mal. Pensei em desistir, mas já tinha dito que ia fazer, então achava que “não podia” fazer isso com ele. Tinha medo de parecer fresca, infantil. Ele ignorou meus sentimentos e me pressionou a continuar. Foi muito ruim. Inclusive minha mãe descobriu que isso aconteceu e me xingou muito, por eu ter transado com um cara aleatório.
Esse comportamento -- ficar com meninos extremamente escrotos, que não davam a mínima pra mim, que só ficavam comigo porque eu era “fácil” -- se repetiu várias vezes, durante muito tempo. Só parei quando, aos 18 anos, fiquei com um amigo meu. Esse meu amigo me enxergava do jeito que eu queria fingir que eu era, sexualmente livre, do tipo que transa por prazer sem culpa. Eu gostava dele. Ele era o estereótipo de menino que eu admirava, intelectual, rebelde, libertário. Mas aí a gente transou e não foi nada como ele imaginava, ele viu que eu era super tímida, que eu nem parecia estar gostando, e me perguntou o que era, quis saber o que estava acontecendo, por que eu tinha aceitado se eu não queria.
Eu não sabia explicar, eu simplesmente estava acostumada a fazer isso. Por alguma razão, eu me forçava a fazer isso. Ele foi o único que percebeu e se importou com o que eu sentia, e isso me deixou tão perturbada, que finalmente comecei a mudar e parei de me relacionar assim.
No meio dessa história, quando eu tinha uns 16-17 anos, comecei a ficar com meninas também. Aconteceu poucas vezes, porque eu conhecia poucas meninas lésbicas, e eu era muito tímida pra chegar em alguém (sempre foi fácil ficar com meninos, era só eu dizer que curtia sexo sem compromisso que chovia homem). Acho que não cheguei a me apaixonar de verdade por nenhuma delas, mas a primeira menina que eu fiquei mexeu comigo. Eu comecei a me perguntar se eu era lésbica, essas coisas.
Aí entrei na faculdade e finalmente comecei a ter amigos gays. Foram os melhores momentos da minha vida. Com esses amigos eu podia ser eu mesma, podia falar tudo que eu sentia sem medo, podia ter muita intimidade e carinho. Eram coisas que eu nunca tinha sentido antes. Descobri o feminismo, comecei a entender melhor algumas coisas da minha vida, a me sentir menos culpada. Foi maravilhoso. Tive duas namoradas, mas a gente nunca chegou a fazer sexo. Com elas eu sentia que podia dar tempo ao tempo, que podia falar não sem medo. Era tudo diferente, e eu também estava muito diferente.
Só que eu acabei largando a faculdade, entrei em crise, não sabia se era isso mesmo que eu queria. Resolvi fazer uma viagem, e passei um tempo numa comunidade. Cheguei a considerar a possibilidade de ficar morando lá, mas aconteceram algumas coisas bem desagradáveis.
Quando a gente pensa numa “comunidade alternativa” pode vir na cabeça uma coisa meio hippie. Mas lá o pessoal era monogâmico e heteronormativo. 
Pra falar o português claro, eles eram homofóbicos. E começaram a tentar me convencer de que eu tinha que me curar do meu “homossexualismo”, porque senão eu iria pro inferno. Sério, chegaram a me falar isso com essas palavras mesmo. E lá rola uma lavagem cerebral tão forte, mas tão forte, que eu comecei a acreditar um pouco. Começaram a tentar me convencer de que eu só gosto de mulher porque tenho trauma com homem, e eu comecei a considerar a possibilidade de ser verdade.
Sendo verdade ou não, eu saí de lá. Porque mesmo que eu tenha um trauma, mesmo que gostar de mulher seja uma escolha, uma escolha que eu fiz pra tentar não sofrer... acho que tenho o direito de fazer essa escolha, e não vou pro inferno por causa disso. Mas o pior é que eu comecei a me sentir culpada.
Às vezes acho que é o contrário, que eu me forcei a ficar com meninos contra a minha vontade e nunca gostei realmente disso. Às vezes acho que sou assexual, li vários textos sobre isso e me identifiquei muito. Os melhores relacionamentos da minha vida foram com amigos gays, porque não existia sexo! Pode parecer que é só um trauma, pelas histórias que eu contei, mas eu também fiquei com meninos legais, que eu gostava (depois daquele meu amigo que me fez cair a ficha) e mesmo assim eu não curtia, não tinha vontade.
Acho foda reduzir isso a um trauma, sabe? E às vezes, quando me vejo olhando pra um menino com interesse, eu me censuro, eu digo pra mim mesma “você nem gosta de homem, você sabe disso, já tentou o suficiente e sempre foi ruim, pára com isso!”. E aí penso que eu posso estar sufocando minhas vontades por medo de me frustrar. Parece que pra todos os lados que eu olho não há saída!


Meus comentários: Querida G., de modo geral, se você perguntar pras pessoas mais experientes do que elas mais se arrependem de terem feito, elas (eu inclusa), respondem que se arrependem mais do que deixaram de fazer do que do que fizeram de fato. Portanto, não deixe de experimentar e de realizar as suas vontades por medo de se frustrar. Mas preste atenção: realize as suas vontades. Não as vontades dos outros. Faça o que você quer, sem se forçar a fazer nada que você não queira.
E concordo contigo: não reduza o que você nem sabe que quer (ou não quer) a um trauma. Tente esquecer um pouco os rótulos, pelo menos por enquanto, e permita-se experimentar sem culpa, sem altas expectativas, sem enormes frustrações. Um só relacionamento (ou dez) não vai te definir nem concentrar todos os seus desejos. As pessoas mudam, têm fases. Você está numa época de descobertas. Então descubra-se, e não seja tão dura com você mesma.




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