GUEST POST: PRECONCEITOS COTIDIANOS NO MUNDO LÉSBICO
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GUEST POST: PRECONCEITOS COTIDIANOS NO MUNDO LÉSBICO


Hoje é o Dia da Visibilidade Lésbica, um dia para todxs nós lutarmos contra a homofobia e o machismo (que sempre andam juntos). O Movimento Mulheres em Luta escreveu um bom texto sobre a importância desta data.
Já publiquei vários guest posts sobre lesbianismo, como este da Aoi Ito sobre sexo entre lésbicas não ser fetiche, este sobre como Susanna se descobriu lésbica, este também, só que da Linda, este da Renata sobre ter orgulho da sua orientação sexual, e esta bela resposta da Two of Us a trolls, entre outros. Tantos que todo dia o pessoal que acha que toda feminista é lésbica diz pra mim: "Sua sapata!" -- e eu respondo como uma aluna lésbica me ensinou: "Seu hétero!" Minha grande alegria foi ter sido chamada de meio lésbica. Um dia eu chego lá.
Hoje publico um guest post um pouco diferente, que fala do preconceito entre as lésbicas (a gente sabe que existe). Foi escrito por Letticia, lésbica e feminista de 30 anos, que nasceu em Gurupi-GO, que no meio do caminho virou Gurupi-TO. Sua família ainda mora lá, mas Lettícia andou por Goiânia, Campinas e Paris, onde mora hoje.

Tive a ideia de escrever estas notas motivada por dois fatores: um texto que li não faz muito tempo aqui, e que falava de alguns dos preconceitos recorrentes no “mundo gay” masculino; e por conversas que tive faz pouco com duas amigas, as quais, cada uma a sua maneira, pareciam achar (talvez como muita gente?) que um relacionamento entre duas mulheres (fosse longo ou breve) era um verdadeiro mar de igualdades... uma espécie de miragem que sim, eu fiz o favor de destruir! Antes eu não tivesse argumentos para fazê-lo!
Para além dessas duas motivações, é claro, também há muito das minhas próprias frustações, quem sabe até de um emaranhado de dores das mais variadas? Dores intímas, dores de militante ainda debutante, e de quem há um tempo um pouco maior vem trabalhando com leituras de teóricas feministas e lésbicas (meu mestrado dialogava com essas questões). E neste tempo, digamos, teórico, isto é, em que eu nunca havia me relacionado com uma mulher, confesso que já sentia uma certa estranheza, uma desconfiança, diante dos trabalhos que descreviam as relações entre mulheres como uma em que reinava a igualdade plena. Sei  bem que muitos desses trabalhos inserem-se num contexto político manifesto e cuja importância acho inegável (digo isto já que para mim a dimensão política está sempre em jogo), mas, enfim, não é sobre isto que quero falar aqui. Quero falar de algo mais simples, de conversas que tive, comentários que ouvi, posturas que observei. Mas talvez alguém deva estar se perguntando: por que falo de Paris? 
Cheguei em Paris em outubro de 2009 para fazer doutorado em História e, antes disso, havia tido apenas uma namorada que não conheci em nenhum contexto LGBT específico. Morávamos em cidades nas quais havia pouquísimos lugares voltados especificamente para um público lésbico, somado ao fato de que não tinhamos carro (o que dificulta um pouco saídas noturnas no interior de São Paulo, onde não há ônibus noturno) e tampouco muito dinheiro (sim, só estou em Paris porque tenho bolsa de doutorado!). Só passei a frequentar bares e boates lésbicas em Paris, também já na companhia de uma namorada que tive há um tempo e que gostava bastante de sair com as amigas para dançar. Devo dizer que é bastante confortável sair em lugares em que um simples gesto de carinho seu em sua parceira não vai provocar uma baita sensação de constrangimento, nojo, desejo de um outro homem (estamos ali para despertar desejo masculino, não?)... O nome disso seria agressão? Foi assim que me senti algumas vezes em contextos e lugares os mais variados: eu não manifestava carinho para não “agredir” as pessoas que estavam a minha volta, mas elas já me agrediam pelo simples fato de me fazerem pensar assim!
Bem, além de passar a frequentar a noite lésbica parisiense, pude conviver com uma série de mulheres lésbicas (a grande maioria com mais de 30 anos, minha própria faixa etária), amigas da minha ex, e foi aí que observei a mim mesma, ouvi e participei de conversas. E antes que possam pensar que se tratam apenas de doutorandas como eu -- não. São mulheres das mais variadas profissões, escolaridade, países, negras, brancas. Então vamos, finalmente, às notas parisienses, as quais acredito, poderiam ser parecidas em tantos outros contextos.
“As aparências enganam”/Tipologias: Há para além de uma série de classificações que vão desde lésbica feminina, masculina, femme, butch, caminhoneira (sim! Em francês há também este termo), gouine, toda uma série de classificações dentro das quais, se há espaço para uma série de discussões políticas identitárias bem interessantes, há também uma série de preconceitos. Masculina com masculina?! “Dá até nojo, nem pensar... É feio, não combina”. Mas imaginem! É mera questão de “gosto pessoal”? 
Mas sim, na França, para quem incomodar possa, há muitos casais de meninas consideradas ou que se consideram masculinas. Seja lá o que se entenda por masculino e feminino: cabelo curto, ausência de maquiagem, salto alto, vestido, unhas feitas etc versus cabelo longo, maquiagem salto, vestido, saia etc. Eu? Sou feminina, mas bem que poderia me cuidar mais. As pessoas (incluido eu aqui!) são bem mais complexas que seus próprios conceitos e preconceitos! E mesmo quem se diz masculina, feminina, butch, femme etc na verdade esbarra sempre com os limites de cada uma dessas categorias!
Sexo e machismo: você é ativa (em geral as lésbicas mais “masculinas”) ou passiva (em geral, as “femininas”, claro!) na cama? Se deixa ou não penetrar pela parceira? Penetra? Quer que ela goze sempre? Senão para quê sexo? Senão não valeu? O que seria sexo -- eu pergunto. Alguém aí já se questionou? Ativa, passiva, “boa de cama”... Essas classificações fazem mesmo sentido? Ou a gente estabelece dinâmicas diferentes de acordo com as pessoas (tempo, intimidade, diálogo) com quem vai se relacionando? Não seria mais gostoso assim? 
Por isso não, disse eu as minhas queridas amigas, o mundo lésbico não é um reino onde impera a absoluta igualdade. Nem é espaço de absoluto diálogo. Aliás, alguém aí já ouviu um homem dizendo que sexo entre duas mulheres é bonito de se ver porque é mais delicado? Pura bobagem! Fazemos sexo e ponto. E, neste caso, felizmente, tem para todos os gostos. E acreditem, às vezes é para nosso próprio prazer e não para apreciação de um terceiro, ou quem sabe de uma terceira. 
Ah! e tem as meninas que ficam com meninas que são “fáceis”, “putas”...
Misoginia: sim, tem muita misoginia também! Quantas vezes eu não ouvi: “isto é bem coisa de mulher”. Piada, não entendeu? Eu é que não tenho senso de humor! Ou tenho um diferente? Ouvi isto de mulheres lésbicas, que gostam de mulheres! Ah! Mas os homens héteros também gostam e dizem isto. Já ia me esquecendo: alguns gays também justificam a sua escolha por homens porque veja, mulheres, com suas “coisas de mulher” (o singular torna a coisa mais perigosa ainda), não dá! E que piada engraçada de dar dor na barriga. Ouvir isto dentro de um grupo de amigas lésbicas e gays, então...
Bissexuais a evitar!: E antes que isto daqui fique longo demais, lembrem-se meninas que como eu gostam e sentem desejo por outras mulheres: nunca confiem em garotas bissexuais, pois elas sempre, mais cedo ou mais tarde, trocarão você por um homem. E sabem por que? Porque claro, todas elas nunca vão ter coragem de socialmente sair da zona de conforto de ter uma relação hétero, socialmente bem mais fácil (em muitos aspectos é sim, mas sempre? E intimamente?), e porque homens têm pênis de verdade! Eles sempre vão ganhar na cama porque, claro, o prazer proporcionado pela “verdadeira” penetração é o auge do sexo e do prazer sexual para todas, não? 
Conheci e conheço lésbicas incríveis em Paris, namorei e amei imensamente  especialmente uma delas! São e não são estas mesmas de quem ouvi alguns dos comentários de que me servi como materiais de notas. Pessoas como eu, diferentes de mim... E vamos conversando e nos repensando!  É este o objetivo deste post!




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