GUEST POST: SER VOCÊ MESMA INCOMODA MUITO
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GUEST POST: SER VOCÊ MESMA INCOMODA MUITO


Gabriela mora no Rio, é professora de inglês, e tem um blog sobre Educação, Turismo, Política, Cinema e Literatura. Ela conta aqui como superou o bullying que sofreu. 

Já faz um tempo que venho pensando em escrever um guest post para este blog, mas me faltava uma ideia. Foi então que, após ler o texto sobre bullying e cinema, surgiu a inspiração: por que não falar sobre a minha experiência como vítima de bullying? Falar sobre isso sempre foi algo muito complicado, pois as pessoas que me conheceram após a esses acontecimentos custam a acreditar que eles tenham mesmo ocorrido, dado meu jeito destemido e irônico de debater e encarar certas coisas. Lá na frente, vocês saberão por que eu me tornei assim! Mas antes, vamos a um longo flashback.
Nasci em 1984. Sou filha de pais maravilhosos e muito diferentes da maioria dos pais da minha época e, até mesmo, de hoje em dia. Minha mãe infelizmente se foi há 12 anos, vítima de câncer, mas me deixou ensinamentos maravilhosos, tais como: estudar, ser independente, não permitir ser agredida, respeitar as diferenças. Já meu pai é meu tudo: é amigo, é confidente, parceiro, está comigo nos bons e maus momentos! É um pai que sempre “pôs a mão na massa”, isto é, trocava minhas fraldas, me dava banho, ajudava com os deveres de casa e, até hoje, lava, passa e cozinha, enfim, aquilo que todo pai deveria ser, se não fosse a educação machista que tantos recebem.
Aprendi a ler com 4 anos e também a calcular. Minha mãe começou a desconfiar de que, talvez, eu pudesse ter uma inteligência acima de média, devido à minha facilidade em aprender. Mais tarde,quando eu tinha 9 anos, participei de um concurso de redação promovido pela Prefeitura do RJ, em homenagem aos 380 anos do meu bairro. Ganhei esse concurso e muita gente achou que eu não tivesse capacidade de escrever a redação vencedora, devido à minha pouca idade. Foi então que minha mãe, que era professora, me levou a um psicólogo e a uma junta de pedagogos e, então, constatou-se que eu era, de fato, uma criança com altas habilidades (vulgarmente conhecida como superdotada). Mas só comecei a me dar conta do que isto significava quando eu tinha por volta de 10, 11 anos, e ingressei na 5ª série (atual 6º ano).
A Gabriela daquela época era enorme para a pouca idade, calçava 38 e não tinha nenhuma vaidade: eu agia e me vestia como uma criança! Meus pais eram contra a erotização infantil. No entanto, as meninas da minha escola já se maquiavam, pintavam unhas e cabelos e algumas já tinham até namorado. Eu, apesar de muito inteligente e de ser a melhor aluna da turma, brincava de boneca, de carrinho (sim, meus pais eram feministas!), soltava pipa, brincava de bolinha de gude, de pião e de casinha também! E foi aí que o bullying entrou na minha vida e ficou até os meus 17 anos: a Gabriela aqui era o moleque, o menino, a desleixada, feiosa, além de nerd, cabeção, CDF etc. 
Lembrando aqui que a palavra bullying nem era usada nessa época. Falavam que era zoação de criança! As meninas me zoavam muito e, então, eu comecei a me aproximar mais dos meninos. Foi aí que eu comecei a ser chamada de sapatão. Vocês não têm ideia do quanto eu sofria com isso! Chegava em casa e chorava. Meus pais sempre me diziam que tudo não passava de inveja, pois eu me destacava muito nas notas e sempre fui extrovertida (nunca fui tímida, como a maioria das vítimas de bullying).
Um belo dia houve uma exposição do pintor francês Claude Monet no Museu Nacional de Belas Artes, aqui no Rio. Minha professora de artes nos levou até lá. Nessa época, eu estudava piano clássico (vim de uma família de músicos). Lá no museu tinha um piano (tem até hoje), e perguntei ao segurança se eu poderia tocá-lo. Ele permitiu, mas ficou lá me olhando, todo desconfiado. Eu toquei “Georgia on my mind” e os colegas ficaram lá, me olhando, com cara de bobocas! Devem ter pensado: “Como essa garota tão ridícula, feiosa, e nerd toca tão bem...” Foi aí que comecei a acreditar que o bullying é movido pela inveja que o agressor sente da vítima.
Com 14 anos, fui aprovada em um concurso para uma concorrida escola técnica estadual e fui cursar Turismo. Achei que ali meu tormento iria acabar devido ao fato de que se tratava de uma escola, digamos, mais selecionada! Ledo engano! Aos poucos os colegas foram percebendo que eu era inteligente e com um jeito mais “menina-moleca” (eu ainda não tinha cedido às vaidades femininas, portanto nada de maquiagem, esmalte nem tinta no cabelo!). Ah, pra quê?! Eu era chamada de dragão. Fizeram um concurso para escolher a menina mais feia da turma e eu ganhei. Fiquei arrasada; afinal, eu tinha apenas 14 anos! 
Como eu me sentia muito deslocada na escola (achava que os meninxs da minha idade eram muito idiotas), comecei a fazer amizade com alunos do curso técnico em Publicidade; alguns deles são meus amigos até hoje. Passei a me sentir mais forte, mais segura de mim e até cheguei a arrumar meu primeiro namorado, que também era zoado por ser muito inteligente. Nós escrevíamos poemas e contos juntos. Foi um momento pra lá de especial na minha vida! Nessa época, eu já estudava inglês e queria estudar mais idiomas!
No entanto, as zoações não paravam! Comecei a usar aparelho dentário e, por isso, minha fala ficou levemente prejudicada. O pessoal me zoava, me colocava os piores apelidos. Às vezes, eu ficava distraída no recreio, vinham correndo e gritavam coisas horríveis nos meus ouvidos. Decidi que tinha que dar um basta!
Muita gente queria fazer trabalho comigo pra tirar boa nota. No 3º ano, umas patricinhas me pediram para pôr os nomes delas em um trabalho de Sociologia. Deixei no ar. No dia da entrega do trabalho, elas viram que eu não fiz e disseram que iriam me pegar na Quinta da Boa Vista (hoje um belo parque do Rio), que fica ao lado da escola. Fui lá e, quando começaram a gritar comigo, as empurrei no lago. Não me arrependo de nada! Lavei a minha alma naquele dia! Podem até me criticar, mas eu precisava ter feito aquilo! Daí pra frente, mudei muito!
Logo após a esse fato, concluí o Ensino Médio e, em seguida, minha mãe faleceu. Mantive-me forte, com a ajuda de Deus, do meu pai e de amigos e passei no vestibular para Letras, na UERJ. No primeiro dia de aula, pasmem: já sofri bullying, pois acharam que eu fosse lésbica. Ninguém queria fazer amizade comigo, em uma turma majoritariamente feminina! Só quando me viram com um homem, que logo depois se transformou em meu namorado, é que se aproximaram. Mas aí eu é que não quis papo. Todas as vezes em que começavam a me zoar por eu tirar notas boas, eu já debochava! Foi assim que passei a me defender.
Hoje, com 29 anos, eu me amo: sou uma mulher linda, inteligente, bem-sucedida, solteira, feliz, que adora ler, escrever, viajar, dançar, cantar. Que fala inglês, espanhol, e começou a estudar francês no ano passado!
Lembro-me de que sempre quando eu chorava, após voltar da escola, meu pai me dizia que o tempo iria mostrar como eu superaria isso, que esse tipo de agressão partia de pessoas invejosas e que qualquer um poderia ser vítima e por qualquer motivo: ser bonito, ser magro, ser gordo, ser alto, ser baixo, ser deficiente, ser diferente, ser incomum, ser homossexual, SER VOCÊ! Como professora, sempre digo isso aos meus alunos: SER VOCÊ MESMO INCOMODA MUITO! É por isso que muitos jovens começam a fumar, a beber, mesmo sem gostarem dessas coisas. Fazem isso para serem aceitos.
Para mim, ter sido vítima de bullying me deixou mais forte, mas não significa que isso valerá para todos. Infelizmente, muitos jovens se matam e até matam colegas. No entanto, fico muito feliz e aliviada em ver que a sociedade está dando mais atenção a esse tipo de agressão. Estamos, aos poucos, deixando de pensar que tudo isso é apenas brincadeira de criança! O bullying pode deixar traumas.
Espero ter podido ajudar alguém, de alguma forma.




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