GUEST POST: A EXPERIÊNCIA TRAUMÁTICA DO BULLYING
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GUEST POST: A EXPERIÊNCIA TRAUMÁTICA DO BULLYING


O H. me enviou este relato desolador. Recomende pra próxima pessoa que disser que "bullying é bom porque forma caráter".

Sempre visito seu blog, gosto muito dos seus posts (apesar de vários deles me deixarem revoltado). Quando li o post sobre bullying, me lembrei de todo o inferno que passei durante o período da escola e do colégio e gostaria de desabafar. 
Ao contrário da maioria das crianças que sofrem bullying por serem gordinhas, negras ou pobres, quando criança eu era magrelo, branquelo, e minha família tinha uma condição financeira boa. Mesmo assim, isso não impediu de sofrer bullying durante minha infância e adolescência.
Eu morava numa cidade do interior e estudava numa escola particular junto com meu irmão mais velho e minha irmã mais nova. Não lembro em que época da escola começou o bullying, pois eu não consigo me lembrar de um dia sequer que eu não tenha sido humilhado ou agredido.
Como eu era meio desengonçado, os alunos mais velhos de outras séries logo começaram a fazer piadas e comentários maldosos sobre mim. Não demorou muito para que meus colegas de sala começassem a fazer o mesmo. Logo no início dessas zoações, fui falar com os professores e a diretora do colégio. Todos deram risada e falaram que isso era só brincadeira, que não era para eu levar a sério. 
Falei com minha mãe sobre isso e ela não acreditou. Minha mãe sempre foi muito amiga das mães dos outros alunos. Na verdade, ela era muito respeitada e conhecia quase todas as mães e alunos do colégio. Ela não acreditava que o filho de uma amiga delas pudesse ser grosseiro. Na concepção dela, todos eram meus amiguinhos e eu é que não estava sabendo interagir.
Quando os outros alunos ficaram sabendo que eu tinha ido pedir ajuda para os professores e para minha mãe, a humilhação aumentou absurdamente. O tempo todo ficavam falando “Ah, vai pedir ajuda pra mamãe” e davam risada e me xingavam. Alguém me empurrava e dizia pra eu chamar a mamãe. Jogavam meus cadernos no chão e falavam o mesmo. Isso continuou até chegar ao limite, quando não tendo a quem recorrer ou pra onde fugir, comecei a chorar dentro da sala de aula. Pronto. Isso foi tudo que faltava pra assinar meu atestado de fraqueza. Se antes eram só alguns alunos que praticavam bullying comigo, agora era o colégio inteiro.
Então comecei a reagir e ofender de volta quem me humilhava. E aí descobri que eu era fraco. Ou eu apanhava de alguém mais forte, ou juntavam vários pra me dar uma lição. E sempre que um professor via uma briga, eu era levado junto com os valentões pra diretoria e levava advertência também. Se a diretora presenciava uma confusão, ela sempre dizia “Vai brigar na rua, dentro da minha escola eu não aceito brigas”. Era como se ela dissesse pra eu apanhar onde ninguém pudesse ver.
Eu comecei a ficar sozinho na sala durante o recreio. Mas a diretora disse que não era pra ficar ninguém dentro da sala no intervalo, porque não tinha ninguém pra vigiar a sala e eu podia pegar alguma coisa dos outros alunos. Então tinha que ir pro pátio. Era entregue aos predadores.
Quase nenhum aluno queria ser meu amigo, pois eles sabiam que também sofreriam bullying por causa disso. Eu tinha um amigo na minha sala. Quando a gente não tava no colégio, nós íamos jogar videogame, andar de bicicleta. Mas no colégio a gente conversava pouco, porque eu sabia que ele podia ser alvo por causa de mim e por isso eu tentava não envolver ele nisso.
Até a quinta série minhas notas eram boas. Eu sempre ficava entre os cinco melhores alunos da minha classe. Mas como tinha que enfrentar um inferno todo dia, comecei a odiar a escola e tudo que tinha nela. Então parei de estudar. Apenas frequentava as aulas. Não conseguia prestar atenção na aula porque o tempo todo tinha alguém jogando alguma coisa em mim, chutando minha carteira, me ofendendo. Minhas notas caíram consideravelmente. Minha mãe vivia brigando comigo por causa disso. 
Nessa época comecei a me fechar. Tornei-me uma pessoa cada vez mais tímida, mais introvertida, mais triste. Chorava todas as noites sabendo que teria que sofrer no dia seguinte. Quando saía do colégio, me trancava no quarto jogando videogame ou no computador. Era essa minha rotina todos os dias.
Eu não tinha muitos amigos. Meninas então, passavam longe de mim. Eu percebia que havia três tipos de meninas: as que riam de tudo que acontecia comigo; as que ficavam incomodadas com o bullying (algumas demonstravam isso com um olhar, outras diziam para os valentões pararem de ser babacas); e as que gostavam de me humilhar. Enquanto os meninos demonstravam que me odiavam logo de cara, algumas garotas se aproximavam de mim fingindo interesse, para depois me humilhar. A maioria fazia isso a pedido de algum babaca.
Após passar no vestibular, meu irmão foi morar na capital. Então minha mãe decidiu que quando eu terminasse o 3º ano, nós iríamos mudar para a capital. Nesse último ano eu entreguei os pontos. Decidi que ia aguentar qualquer coisa, ia durar só mais um ano isso tudo. Mas foi nessa época que as humilhações pioraram.
Comecei a me sentar na primeira fila, pra ficar longe da turma do fundão. Mas eles resolveram fazer uma “brincadeira” diferente. Um aluno do fundo se levantava com um caderno, ia até onde eu estava, batia o caderno com toda força na minha cabeça e voltava pro fundo. E o pessoal da sala dava risada disso. Parecia que eu só estava ali pra ser humilhado. Isso acontecia todos os dias, nas aulas de vários professores diferentes. Todos os professores viam isso, mas só diziam pro babaca ir sentar. 
Um dia um aluno fez isso e a professora disse que estava cansada desse tumulto. O aluno disse: "Vai tomar no c*". Ele foi imediatamente levado pra diretoria, chamaram os pais dele e deram três dias de suspensão. Ou seja, me humilhar, me agredir, tudo bem. Fiquei anos ouvindo todo tipo de insulto e ninguém fez nada.
Depois dessa suspensão, ninguém mais fez isso durante a aula. Mas todo dia depois da aula, uns sete alunos se juntavam para me cercar quando eu ia embora. Eles se dividiam nas duas esquinas da rua. Não tinha como fugir. Jogavam ovos em mim, jogavam terra, tiravam meu tênis e jogavam no meio da rua ou por cima do muro das casas. Rasgavam minha mochila, cuspiam nos meus cadernos. Enrolavam minha cabeça com durex e eu tinha que pedir ajuda pra quem tivesse passando na rua pra tirar. Eu levava soco no braço, chute no saco, chute nas costas. Nunca me batiam na cara, não sei porquê.
Eu contava os dias para o ano terminar. E quando terminou, chorei de alegria. Parecia que tinha tirado uma tonelada das minhas costas. Aí eu mudei pra capital. E posso dizer: foi A MELHOR COISA QUE JÁ ACONTECEU NA MINHA VIDA. Finalmente tinha a chance de começar uma vida nova. Antes de entrar na faculdade decidi mudar minha aparência, minha postura, minha personalidade.
Comecei a usar roupas mais escuras, a ficar com uma cara mais séria e fechada, cara ruim mesmo. Andava com a cabeça mais erguida. Minha intenção não era fazer amigos, minha intenção era ser respeitado. Não interessava se eu era fechado ou parecia arrogante, só queria garantir que ninguém ia mexer comigo. Mas as lembranças do bullying sempre me acompanhavam.  
Quando eu tropeçava em algo, eu imediatamente olhava para os lados pra ver se alguém estava rindo de mim. Mas ninguém estava reparando. Quando eu ouvia um grupo de pessoas dando risada, eu sempre achava que era comigo. Mas nunca era.
Na faculdade comecei a fazer amizade com várias pessoas. Ninguém me zoava, mas sempre falavam que eu tinha que me abrir mais, que eu era um cara legal, mas que precisava ser mais sociável. Comecei a baixar um pouco a guarda, mas quando eles faziam alguma brincadeira, eu achava ruim e estragava o clima. Até que percebi que essas brincadeiras não eram ofensivas e que eles eram meus amigos, então eu tinha que aprender a lidar com isso. 
Demorou pra mudar o meu jeito. Meu curso de cinco anos, eu levei sete pra terminar. Mudei de faculdade duas vezes. Tudo por causa da minha personalidade. Quando eu começava a me sentir inseguro, eu tinha que mudar pra começar de novo. Em quatro anos, troquei de trabalho três vezes pela mesma razão.
Durante a faculdade, todo mundo “pegava” alguém. Comecei a faculdade aos 17 anos sem experiência nenhuma com mulheres e até os 19 anos ainda era virgem. Quando comecei a sair para festas, via meus amigos chegando em várias meninas e se dando bem. Mas eu não conseguia. E quando levava um fora, era como se tivesse uma lança sendo enfiada no meu coração. Tanto esforço pra mudar e ainda não conseguia falar com uma mulher.
Até que um dia eu e mais quatro amigos fomos no puteiro. Entrei no quarto com uma prostituta bem mais velha. Eu com 19 e ela com mais de 30. Não falei que eu era virgem, pois pensava que se ela soubesse, ia me humilhar, me chamar de fraco. Quando ela percebeu minha falta de experiência, eu tive que assumir que era virgem. Fiquei abismado com a educação e a paciência dela. Nunca uma mulher tinha me tratado tão bem. Tudo bem que eu estava pagando, mas não esperava que ela fosse tão simpática.
Algum tempo depois, conheci pela internet uma comunidade que ensinava como se relacionar com mulheres. Não fui a fundo no assunto, ainda sou um pouco tímido e travado. Mas muitas das dicas mudaram a minha vida. Hoje sou uma pessoa muito mais comunicativa, me relaciono melhor com as pessoas. Há dois anos conheci uma garota linda e simpática que agora é minha companheira e namorada.
Mas nunca consegui falar sobre o meu passado de bullying com ninguém. No meu círculo de amigos, ninguém sabe o que eu passei na minha antiga cidade. Nem minha namorada sabe disso. Quando ela pergunta como foi minha infância e adolescência, eu sempre desconverso e falo que não foi nada de interessante. Não consigo falar dos meus problemas com ninguém. Minha namorada sempre diz pra eu me abrir com ela, que não devo guardar meus problemas só pra mim. Mas não consigo, parece que tem um bloqueio que me impede de expor minhas fraquezas.
Hoje, oito anos depois que terminei o colégio e mudei de cidade, ainda tenho lembranças ruins daquela época de bullying. Um dia encontrei com aquele amigo que eu tinha na escola. A gente conversou muito e uma hora ele disse aquele apelido que eu tinha. Na hora eu travei, meu coração começou a acelerar, comecei a tremer, lembrei de tudo. Meu amigo pediu desculpa e disse que pensou que eu tivesse superado essa fase.
Oito anos depois e um simples comentário derruba minha estabilidade! Nesses oito anos, voltei poucas vezes àquela cidade. Na última vez fui passar só um dia lá. Quando estava entrando na cidade minha garganta começou a apertar como se eu estivesse sendo sufocado. Hoje tenho medo de encontrar com aquelas pessoas que praticaram bullying comigo. Mas não é medo físico, de apanhar. É um medo psicológico de saber que mesmo sendo fisicamente mais forte que eles, no fundo eu ainda tenho medo de tudo.

Meu breve comentário: Horrível tudo que você passou, H. Ninguém deve ser obrigado a suportar essas humilhações e agressões. A escola, seja particular ou pública, tem que ser responsável por zelar pelo bem estar de todos seus alunos, professores e funcionários. 
Talvez, se houvesse alguma disciplina de respeito às diferenças, de discussão de gênero e diversidade sexual, poderia haver um espaço para se discutir o bullying, e como ele é completamente errado e inaceitável. Todo mundo errou com vc, H. Seus pais, que não te trocaram de escola, seus professores, que fingiam que não viam e até participavam do bullying, a diretora, que mais parecia uma avestruz, e seus colegas, uns idiotas que deviam ter uma vida bem vazia pra terem que se divertir humilhando alguém. 
Vc tem vários traumas, e todos justificáveis. Só posso imaginar o que tenha sido sofrer durante tantos anos, principalmente na época da vida em que a gente mais precisa de aceitação. Meus conselhos são todos óbvios: confie na sua namorada, abra-se com ela, faça terapia. 
E sabe o que eu sugiro quando vc estiver mais forte e seguro? Que vc volte àquela sua cidade, que vc fale com a direção da mesma escola em que vc foi agredido durante tanto tempo, e diga que vc deseja fazer uma palestra sobre bullying lá para alunos de alguma série. Se a direção permitir, você vai lá e conta tudo. Conta as marcas que ficaram. Porque obviamente vc não foi a única vítima de bullying. Com uma palestra dessas, vc pode ajudar crianças e adolescentes passando por isso.
Se a direção não aceitar, o que é provável, vc manda um artigo sobre bullying, contando as suas experiências, citando nominalmente a escola, para um dos jornais da cidade, pra que de repente alguém acorde para o que tantos jovens passam. Vc não quer vingança, certo? Vc quer conscientizar as pessoas para que o bullying não se perpetue, para que ele gere uma discussão contínua, e algumas soluções. Use a sua experiência em sofrimento para transformar o mundo. 




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