GUEST POST: TRAUMÁTICA REPRESSÃO DOS PAIS
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GUEST POST: TRAUMÁTICA REPRESSÃO DOS PAIS



A N. me enviou este email tocante que fala de muitas coisas: de criação de filhos, de bater pra educar, de traição, de pornografia, de machismo. 
Este é o modelo de "casamento tradicional" que os conservadores veem ameaçado. Mas se este é o conceito de família sagrada que eles aceitam, tomara que acabe mesmo. Quem quer ter essa criação?

Eu tenho uma história para contar. A minha história. Sempre que comeco a te escrever, eu choro, fico triste e apago tudo. Ja tentei te escrever umas oito vezes. Mas hoje eu vou conseguir. Aí vai:
Eu cresci em uma família machista. Na verdade, antes de ter contato com outras famílias no colégio, não sabia que existia maneira diferente de ser uma família.
Meu pai sempre foi a autoridade suprema da casa. Minha mãe, uma mulher submissa e complicada.
Até meus quatro anos fui filha única, e excessivamente cobrada. Digo, excessivamente MESMO. Com direito a castigos de 3 horas sentada olhando para parede. O mais irônico é que  as minhas notas no colégio sempre foram boas. E mesmo assim, nunca recebi um parabéns. Na verdade, meus pais só olhavam meus deslizes.
Eu era incapaz de negar um pedido dos meus pais. Fazia todas as lições de casa, organizava meu quarto, lia meus livros (meus pais não me deixavam assistir TV). Eu era silenciosa e costumava brincar embaixo da mesa da sala.
Até os oito anos não tenho muito do que reclamar. Na verdade, até os oito eu fui bastante feliz. Feliz sim, apesar do modelo de sempre: meu pai sempre rígido, minha mãe sempre seguindo os seus passos. Eu era feliz porque achava que era assim que todas as crianças eram tratadas: de maneira severa.
E, de fato, até meus oito anos eu amei os meus pais com todo o meu coração.
Até que nos mudamos para a casa onde moramos  hoje. Uma observação: minha mãe nunca foi do tipo "maternal". Sei que nunca ouvi um "eu te amo". E só fui abraçada nas vezes em que fiquei doente.
Mas, voltando aos meus oito anos: assim que chegamos na nova casa, meu pai precisou fazer viagens frequentes a trabalho. Ficávamos sozinhas, eu, minha irmã, meu irmão de colo. Foi aí que minha mãe mudou.
Tanto ela quanto o meu pai sempre foram adeptos da psicologia da palmada, aquela "palmadinha inocente" que se dá nas crianças. Até então, eu só havia levado palmadinhas mesmo. Até que meu pai começou a viajar.
Meu pai viajava, minha mãe ficava furiosa. Eu não sabia porquê ou com o quê ela se incomodava. Só sabia que sobrava pra mim. As palmadinhas evoluíram para beliscões nas coxas, nos braços, ou puxões de cabelo. Quanto mais eu gritava, mais ela me beliscava.
Não havia motivo específico. Sei que uma vez (eu ja estava com 9 anos) ela me beliscou nos braços até que eu ficasse roxa. O motivo? Eu tinha tomado banho com as minhas bonecas, e ao sair do banho, o cabelo delas respingou no chão.
Eu choro ao contar isso porque na época, eu achava que isso era uma falta grave. Depois desse incidente do banheiro, passei a tomar meu banho e depois secar todo o chão com pedacinhos de papel higiênico. Não preciso dizer que minhas bonecas nunca mais tomaram banho.
Houve outras vezes, dias em que ela puxou meu cabelo até arrancar tufos porque eu fiz "uma pergunta idiota" (a pergunta: mãe, nós vamos almocar na tia?).
Lola, hoje em dia eu sei que era absurdo os motivos pelos quais eu apanhava. HOJE eu sei. Naquela época, eu achava que a culpa era minha. Que se o banheiro estivesse com pingos de agua no tapete, eu era uma má filha. Que, se eu derrubasse um copo, eu era burra. 
Meu pai me batia menos, bem menos. Os motivos eram outros. Do meu pai, eu apanhava caso não comesse toda a comida que estava no prato. Apanhava se respondesse que não queria vestir o cachecol azul. Na minha cabecinha infantil, se eu fizesse tudo certinho, meu pai não me bateria. E era verdade. Já que meu pai me batia com o que eu chamo de "propósitos definidos", eu não tinha medo dele. Eu o amava por ele brincar comigo de soldadinhos de chumbo e luta marcial. Eu o amava porque quando ele chegava em casa a minha mãe não me batia nem gritava comigo.
Eu o amei muito. Até meus onze anos.
Eu estava na quinta série e tinha criado um email para poder falar no msn com a minha melhor amiga. De manhã nós iamos à aula, de tarde nós ficávamos trocando dicas pelo msn sobre um joguinho sobre animais virtuais.
Uma tarde eu fui abrir meu msn e já havia janelas de conversa abertas. Não eram minhas.
Mas eu tinha onze anos, e li.
Eu não sei se quero falar o que li. Eu li coisas que crianças de onze anos não deveriam ler.
Na hora eu soube que eram conversas do meu pai com outra mulher. Por que o meu pai estava marcando para comer a xota de uma mulher? O que era lamber o c*? Coisas que eu não entendia muito bem.
Mas foi assim que eu soube que ele traía a minha mãe.
Pensei em me matar duas semanas depois. Ia pular da sacada. Liguei para a minha melhor amiga antes. Graças a ela, não pulei.
Minha visão de pai e mãe tinha sido destruída. Assim que meu pai saía pela porta, minha mãe virava outra pessoa. Gritava comigo, me batia, dizia que eu nunca ia conseguir passar de ano no colégio. Quando o meu pai chegava, eu sabia que ele tinha saído para "comer a xoxotinha" de uma mulher.
Um mês depois ele começou a esquecer sites de pornografia abertos no computador. Ele simplesmente os abria e ia embora.
Eu corria para o computador pra fechar os sites. Não sei até hoje se ele queria que a minha mãe visse, não sei.
Sei que eu fechava os sites para que a minha mãe não soubesse. Eu tinha medo de ficar sozinha com a minha mãe, e se meus pais se separassem, por que ele ia me querer? Quem iria chegar em casa e fazer a minha mãe voltar ao normal?
Com onze anos eu fui exposta a uma quantidade imensa de pornografia. Aos onze anos eu fechei inúmeras conversas, muitos sites pornôs, inúmeras mulheres arremessando coisas pelo c* ou com um pau na boca.
Eu garanto que não estava preparada pra ver aquilo.
Nessa época, comecei a acordar suada e tremendo muito. Os tremores e o suor evoluíam para uma falta de ar imensa, e por fim eu vomitava tudo que tinha comido.
Dois anos mais tarde eu fui diagnosticada: síndrome do pânico. Eu sofro com a síndrome até hoje.
Bom, não falei dos meus irmãos. Sei que escrevi muito e vou resumir. Minha irmã tambem apanhava. Meu irmão, não.
Meu irmão cresceu e foi criado de uma maneira muito diferente. Minha mãe o deixa tirar notas baixas no colégio. Ele nunca teve alguma punição pelos comportamentos dele.
Hoje ele está com 12 anos. E sabe, ele não é uma cópia do meu pai, nem da minha mãe. Ele é o pior dos dois juntos em uma pessoa só. Meu irmão me chama de vadia na frente de todo mundo. Me chama de empregadinha, de putinha, manda eu ficar de quatro. Ele se masturba na minha frente.
Quando ele fica com raiva, ele bate em mim, na minha irmã e na minha mãe.
O meu pai deixa. Na verdade, o meu pai também bate na minha mãe.
As únicas vezes que meu irmão é reprimido pelos meus pais é quando há visitas na casa. Aí, ao me chamar de putinha, ele é punido. Ao bater na minha mãe ele leva um tapa de volta do meu pai. Mas isso é para manter as aparências.
Lola, eu sei que a minha história é pesada. Nunca tinha escrito ela antes, e posso te garantir que chorei da primeira linha ao fim.
Hoje tenho 20 anos. Ainda moro com os meus pais. Hoje o meu horizonte não é tão escuro quanto eu achava que ia ser. Hoje eu não quero mais morrer todos os dias.
Estudo na melhor faculdade do meu estado. E namoro o amor da minha vida. Ele nunca gritou comigo, e sei que nunca vai gritar. Nunca me bateu, e sei que nunca vai me bater. Lola, eu nunca tinha sido tratada dessa maneira. Com tanto respeito, com tanto carinho.
Apesar de todos os esforços dele, eu continuo me achando feia. E estou tão cansada de achar que sou burra. Estou tão cansada de pedir desculpas MIL VEZES por dia, porque eu sempre acho que quando algo dá errado, seja na faculdade, seja com meu namorado, seja com minhas amigas... eu acho que é minha culpa.
Teu blog é muito importante para mim. Por favor, continue sempre escrevendo. Sei que você deve ser muito ocupada. Sei como é. Pra ficar longe de casa eu faço dez cadeiras e tenho uma bolsa de iniciação científica.




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