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GUEST POST: APANHAR DOS PAIS NA INFÂNCIA DÓI A VIDA INTEIRA
Faz uns quinze dias falei sobre o terrível caso de Larissa, menina de 15 anos que morreu após ser espancada pelos pais, indignados com seu namoro com um garoto de sua idade, no interior de SP. Recebi este email doloroso de uma moça que deseja se manter anônima. Ela fala sobre sua experiência como cobaia de “corretivos”, aqueles que os defensores das “palmadas educativas” juram ser o melhor para formar pessoas de caráter. Depois de enviar o email e autorizar a publicação como guest post, a leitora quis alertar que, ao contrário de Larissa, ela não veio de uma família de classe baixa e religiosa de uma cidade do interior. Ela e sua família, de classe média alta, viviam numa capital: “Esse tipo de violência com filhos acontece em qualquer lugar, não só famílias humildes interioranas evangélicas retrógradas. Durante a noite, jantares beneficientes do Lions. Durante o dia, surra na filha mais velha”. Esse seu post sobre a Larissa me tocou.Sempre me perguntei por que as pessoas acham que bater em seus filhos é ok.Eu, até os meus dez anos, morei com a minha vó e nunca soube o que era um tapa. Quando minha mãe casou e engravidou, o marido dela me assumiu como filha legítima, e fui morar com eles. Em pouco tempo passei a apanhar muito.Durante o fim da minha infância e toda a minha adolescência até os 17 anos apanhei, mais do meu "pai", que chegou a me bater com o meu guarda chuva uma vez porque eu disse que não queria usá-lo para ir até a escola. Ninguém nunca interferiu, até eu ter 14 anos e minha mãe apanhar dele. Depois que isso aconteceu todo mundo percebeu que era "verdade" o que estava acontecendo, e meus avós interferiram. Voltei a morar com eles, e como não era mais "criança" e também era "revoltada" (palavras deles), não durou muito. Minha mãe perdoou seu marido, eu voltei para a casa deles. Apanhei mais um pouco até que, quando tinha 17, revidei e passei dois anos sem falar com ele. Minha mãe também bateu em mim incontáveis vezes, tapas no rosto, puxões de cabelo. Ele não, me empurrava contra parede e me batia até eu cair. Sempre doeu, tudo o que ele e ela fizeram. DOEU. Muito, não só na minha pele, mas na minha alma. Dói até hoje. Não penso mais nisso, desde os 10 anos percebi que não tenho família, e que sou sozinha. Ninguém nunca quer se envolver com isso, ninguém nunca fica do lado do filho até que uma tragédia acontece. Uma vez cheguei a ir na delegacia prestar queixas, mas como eu era menor de idade me disseram que alguém teria que estar comigo, ninguém quis. Ouvi dez milhões de vezes o sermão de "eles fizeram o melhor por você", ou "eles te deram tudo, você que era revoltada". Gostaria de saber quanta revolta eu tinha com 10, 11 anos para apanhar tanto. E que tipo de revolta alguém precisa ter para ser merecedora de ser arrastada pelos cabelos pela casa e ser jogada contra o chão da cozinha.Os dois fizeram (e fazem até hoje) tratamento psiquiátrico, já me pediram desculpas, eu disse que desculpava, até porque há dois anos discuti com minha mãe, e depois de tudo ela tentou se matar, e escreveu um bilhete dizendo que era minha culpa.Tudo o que aconteceu mudou algo em mim, não me fez uma pessoa mais decente, ou uma mulher melhor, ou mais determinada. Me fez ter gastrite nervosa, ataques de ansiedade quando pessoas gritam comigo, me fez ter pânico de escuro (eu ficava de castigo no escuro depois da "surra"), mas também me fez ODIAR pessoas com atitudes ofensivas contra crianças, ou mulheres ou outras minorias.Não importa se são pais, não importa se acham que é corretivo, é errado! É humilhante. É doloroso! Apanhar dos pais machuca na hora e a dor continua para o resto da vida.Hoje eu moro em São Paulo, sozinha, e esperam que um dia eu volte para a casa deles, o que nunca mais vai acontecer...Desculpa a sessão desabafo aqui. Nem pedi licença e já fui falando da minha vida. Mas eu só queria que você soubesse um pouquinho da minha história, já que você no seu blog abre tanto a sua. Me senti à vontade para contar para você o que eu passei, para que você entenda porque me toca tão profundamente tudo o que fala sobre feminismo e sobre sua luta e ideais pessoais.
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