GUEST POST: MEDO DE APANHAR NÃO É EDUCAR
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GUEST POST: MEDO DE APANHAR NÃO É EDUCAR


Não preciso ter filhos para ser terminantemente contra as palmadas. Sinto muito, mas ser pai ou mãe não faz de ninguém um especialista na criação dos filhos. 
Quem é contra a violência doméstica deve entender que bater nos filhos é também violência doméstica. Não tem isso de palmadinha pedagógica, de surra educativa. Bater não educa, a menos que você considere que ensinar a ter medo é educar. Em muitos casos, apanhar traumatiza. 
Patrícia decidiu compartilhar conosco suas reflexões sobre bater como forma de educação.

Estou escrevendo para contar a minha  história e que nunca tive coragem de contar para ninguém, ninguém mesmo. Talvez com isso possa ajudar a conscientizar outras pessoas a não basearem a educação dos seus filhos no medo e na violência.
Eu sempre fui um criança normal, não era super comportada, mas nada de terrível. Minha mãe era adepta da famosa palmada. Ela acreditava (acredita?) que a gente só aprende se sofrer na carne. 
E, assim, as palmadas eram cotidianas. Quando a gente passava mais dos limites (ou quando ela estava especialmente mais irritada por algum outro motivo que nem tinha relação conosco), ela nos mandava ir pro banheiro e ficar peladas esperando. E ali a gente ficava, às vezes vários minutos de tortura, esperando ela chegar com a cinta pra bater em mim e nas minhas irmãs. Outras vezes ela anunciava fora de casa: “quando chegarem podem ir direto para o banheiro”, e ficávamos horas sofrendo por antecipação. Muitas vezes saíamos dessas sessões com marcas roxas nas pernas, marcas das quais eu morria de vergonha.
Eu tinha muito medo da minha mãe. Eu tinha medo de desapontá-la, de fazer qualquer coisa errada, tipo quebrar algum objeto preferido dela e acabar apanhando. Uma vez ela me jogou no chão por eu ter mentindo e começou a me chutar.
Assim foi a minha infância e adolescência inteira. Sim, a gente ainda apanhava quando era adolescente. As minhas irmãs mais, porque causavam mais problemas, eu menos porque tinha medo e sempre fui mais retraída e comportada. Mesmo assim nem sempre escapava. Meu pai também batia na gente, com muito menos frequência mas batia, e era conivente também.
Uma vez por ter sujado uma toalha de mesa que minha mãe tinha acabado de lavar, ela me bateu com um pau de macarrão. O golpe pegou no meu pé. Não foi grave, mas eu decidi que não iria apanhar mais daquele jeito. Então fui ao banheiro e comecei a bater com uma vassoura no meu pé, bati com raiva até formar um calombo enorme. Não cheguei e quebrar meu próprio pé (faltou força, não vontade), mas fiz um estrago suficiente para minha mãe ter que me levar ao médico e passar semanas com remorso pelo ocorrido. Eu sabia que ela estava sofrendo, mas continuei firme, e nunca revelei a verdade.
Carrego essas cicatrizes da infância comigo até hoje. Só consigo sentir prazer no sexo que tiver uma pitada de dor ou violência. Quando a gente apanha de quem deveria nos proteger, eu acho que o nosso cérebro aprende a gostar de sentir dor.
Hoje tenho meus próprios filhos e tive que lutar muito contra a inércia para educá-los sem violência, sem ameaça, sem chantagem emocional. Não quero que eles tenham medo de mim. Quero sim, que me respeitem, mas acredito que a gente só consegue respeito, respeitando os outros.
Minhas irmãs aparentemente não pensam com eu, já que elas ainda batem nos meus sobrinhos e defendem esse tipo de educação. Engraçado, eu acho que talvez a palmada cause mais malefícios quando funciona. Em mim funcionava: depois que eu apanhava eu ficava boazinha um bom tempo, temendo apanhar de novo. As minhas irmãs acho que não estavam nem aí, continuavam aprontando e hoje parecem sofrer menos com o passado do que eu.
Hoje eu entendo melhor os meus pais. Sei o quanto é difícil romper o ciclo de violência, já que eles também apanharam na infância. Mas mesmo assim não consigo ter uma proximidade corporal com eles. Não consigo pedir um cafuné, me entregar num abraço apertado. A minha mente quer, mas o meu corpo recua. 
Não quero que esse seja o futuro da minha relação com os meus filhos e por isso decidi mudar e baseio a minha maternagem na educação positiva. Espero de coração que esse relato ajude aos adolescentes que apanham a entenderem que eles não merecem, que não é culpa deles, que cabe aos pais descobrirem outras formas não violentas de educar. 
Bater não deve ser uma opção
Também espero que as mães e pais que leiam esse relato pensem um pouquinho sobre com que base querem construir uma relação com seus filhos: na base do medo e da violência, ou na base do respeito?




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