GUEST POST: UM PÁSSARO NUMA GAIOLA GRANDE AINDA ESTÁ PRESO
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GUEST POST: UM PÁSSARO NUMA GAIOLA GRANDE AINDA ESTÁ PRESO


A V. me enviou esta mistura de desabafo com agradecimento que me comoveu:

Oi, Lola! Muita gente te diz isso, mas é verdade: de tanto ler seu blog, parece que você é uma amiga de longa data, que dá vontade de chamar pra tomar chá, comer bolo de chocolate e chamar de Lolinha.
Este e-mail é um obrigada. E eu contando minha historinha boba. Mas principalmente um obrigada! Hoje eu vi na TV uma sul-africana explicando o significado da filosofia ubuntu: eu sou o que eu sou porque você é o que você é (e vice-versa). E assim eu acho que explico muito bem o que aconteceu comigo e tantas outras pessoas, em relação a esse bloguinho lindo tchuti-cuti.
Quando comecei a passear aqui, três anos atrás, dude, eu me achava tão liberal e prafrentex! Eu conversava com meus amigos e amigas, e tudo que eu ouvia sobre seus namoros me deixava de cabelo em pé! "Como assim, ele não DEIXA você usar essa roupa? É seu namorado ou seu pai?"
E o engraçado é que pouco depois eu arranjei um namorado. É. Não sei o que deu em mim. Aliás, eu sei. Foi uma mistura de "Nossa, tô ficando velha e nunca namorei sério", com "Aaah, tô careeeente!". Mas sabe, eu chorava direto -- tinha medo de namorar, medo de perder minha identidade. Era um medo paralisante, que por duas vezes me fez hiperventilar. Mas pensava que isso era um defeito de fabricação meu, porque eu tinha um parceiro tão supimpa, que até dizia que entendia o meu medo.
A questão, pra encurtar uma história que é chata e demorada (e chorosa), é que eu fui me perdendo. Sem perceber, fui deixando para trás pequenos pedacinhos de mim. A manipulação vinha tão suave, tão discreta, que até hoje tenho dificuldade de perceber como acontecia.
Até que um dia, um ano e meio de namoro depois, eu acordei, olhei pros lados e percebi que muitos pedaços haviam ficado no caminho, que eu era uma estranha pra mim mesma. E foi quando o inferno começou.
Só quem já tentou terminar um relacionamento com um manipulador emocional, alguém que sabe apertar todos seus botões e te fazer desistir, sabe o quanto é difícil. Eu tentava, mas sempre desistia.
E, se não fosse seu blog, eu não teria conseguido. Não teria conseguido porque foi o feminismo que me fez perceber que existe muito mais dominação do que pode supor nossa vã filosofia. Foi o feminismo que me mostrou que eu estava perdida. Que aquele buraco negro que sugava todas minhas forças tinha nome e sobrenome -- eu dormia com o inimigo. Alguém que incentivava meus sonhos até certo ponto. Que me aceitava livre como um pássaro -- mas um pássaro numa gaiola grande ainda está preso.
Eu havia perdido o contato com meus amigos, com minha família. Minhas ausências e omissões haviam magoado mais pessoas do que posso imaginar. Eu estava na cidade errada, com as pessoas erradas, fazendo a faculdade errada. Eu havia sido coagida a perder minha virgindade, e a continuar tendo relações, mesmo que eu tivesse uma crise de choro logo em seguida todas as vezes.
Não, ele nunca colocou uma arma na minha cabeça -- mas quando eu me negava (e veio um momento que eu me negava até a beijá-lo), as brigas eram tão terríveis que eu preferia ceder do que ir pra casa pensando que eu devia ter algum problema, que devia ser "fria". Eu não pensava que ele tinha um problema por colocar o dedo na minha vagina enquanto eu dormia -- logo depois de um discurso meu dizendo que estava me sentindo violada e queria que ele parasse.
Eu vivia tão estressada que desenvolvi gastrite nervosa e depressão. Até que depois de três anos de inferno, eu consegui escapar. E hoje eu me considero uma sobrevivente. Tenho tentado ter minha vida de volta, ser dona do meu corpo de novo. Ser feliz de novo.
Eu sei que os horrores que eu vivi não são nada perto do leque de desgraças que o machismo nos dá, mas eu só queria contar minha história pra alguém que fosse entender, que não fosse achar frescura, dizer que nada disso importa. Queria ter meu sofrimento e minha luta reconhecidos por alguém. Porque, às vezes, ainda penso que estou louca.
E por isso, por toda a coragem que você me deu -- outras coragens, que não falei aqui: coragem de dizer o que penso, de me vestir como quero, de mudar de faculdade, de questionar minhas ideologias, coragem de me aceitar -- que eu agradeço, Lolinha, sua linda.

Meu comentário: Eu é que agradeço todo esse carinho, V.! Acho que não convém ficar medindo sofrimento, sabe? Não tem comissão pra decidir quem sofreu mais ou menos, quem foi mais ou menos oprimida, qual sofrimento é ou não legítimo. Todos são. Outro dia recebi um grande elogio de uma leitora, que disse que eu acolho todo mundo, e que eu não fico julgando, não desconfio, só aceito. Eu nem sabia que eu fazia isso! Fiquei feliz em saber.
Assim como não podemos jogar as Olimpíadas da Opressão (este grupo historicamente oprimido sofreu mais do que aquele!), também não temos por que medir, em nível individual, quem sofreu mais. Não é preciso ter uma arma apontada na cabeça pra se sentir presa a um relacionamento abusivo. O importante mesmo é se libertar. E depois, se possível, ajudar a sair abrindo outras gaiolas por aí. 




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