LARISSA, 15 ANOS, MORTA PELOS PAIS
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LARISSA, 15 ANOS, MORTA PELOS PAIS


Fiquei horrorizada com a notícia de uma menina de 15 anos que morreu após ser espancada pelos pais. O caso aconteceu na terça-feira em Cafelândia, cidade de apenas 16 mil habitantes no interior de SP, e ainda há versões conflitantes. O fato é que os pais de Larissa, evangélicos (mas convém não se fixar neste ponto pra não descambar em precoceito religioso — afinal, até parece que violência contra mulheres e crianças é exclusividade de alguma religião!), não queriam que a filha namorasse. Ela tinha um namoradinho de 14, da mesma escola, que conta que ela apanhava com frequência. No dia, a mãe bateu nela com uma cinta e, depois que o pai chegou, a violência continuou por parte dele com chutes na cabeça. Poucas horas depois, ela teve tremores, foi levada a um hospital, e morreu. A mãe foi internada em estado de choque. Primeiro foi divulgado que apenas o pai seria indiciado, e só por lesão corporal seguida de morte. Agora já se fala que a acusação de homicídio doloso (intencional) será para ambos. O delegado fez umas declarações meio absurdas, dizendo que foi uma fatalidade, que a menina pode ter se suicidado tomando shampoo (?!), que o pior castigo prum pai é perder a filha. O advogado de defesa, que já conseguiu tirar o pai da cadeia, negou os chutes na cabeça: “Ele disse que deu uns chutes no traseiro da garota apenas”. Chutes (no plural!) no traseiro pode, na cabeça não, é isso? Pra chutar o traseiro de alguém, a vítima precisa estar deitada, caída, indefesa. Como alguém pode chutar a própria filha?
A história é terrível demais. Lendo os comentário por aí, no entanto, vejo que todo mundo está revoltado. Tirando uma ou outra reação como a enquete que vi num blog, do tipo “Se você fosse um dos jurados, condenaria ou absolveria o pai?”, em geral o pessoal está indignado. Então torço para que este caso escabroso sirva pra alguma coisa, pra gerar reflexão e diálogo, pra fazer os pais pensarem. Primeiro que é mais um caso óbvio de machismo, ou alguém em sã consciência conseguiria imaginar pais batendo no filho por ele namorar?! Só se ele quisesse namorar um outro menino, aí sim. Mas os pais ficariam orgulhosos em ver seu filho de 15 anos namorando uma menina. É o que se espera dos garotos, né? Que pratiquem sua sexualidade. Já as garotas devem se manter dentro de casa, seguras (ahã), longe de predadores sexuais, podendo ser vigiadas pelos pais, já que desejo sexual feminino é algo pra ser combatido, sempre. Se filhos são vistos como propriedade dos pais, filhas são muito mais, numa sociedade patriarcal como a nossa. O corpo da garota não lhe pertence — pertence aos pais. E, quando crescer, se ela tiver um bom casamento, seu corpo pertencerá ao marido. É assim que as coisas são, certo? (como não se cansam de repetir os conformistas).
Mas aí eu fico pensando se o que causa essa reação condenatória das pessoas não são as circunstâncias. Olha só que pitoresco: cidadezinha do interior (em que a criminalidade é muito menor que em cidades grandes), menina namorando na praça com menino da mesma idade, tudo tão inocente! Quem pode se opor a esse cenário bucólico? E se a menina estivesse namorando um rapaz de 25 anos? E se eles tivessem sido flagrados num motel, não numa praça? E se ela usasse drogas? Um “corretivo” dos pais seria justificado nesses casos?
Vejo com desconfiança a reação das pessoas, porque elas costumam vibrar e aplaudir sempre que uma novela mostra um pai “decente” batendo na filha. E elas próprias batem. Claro que elas creem que têm ótimos motivos pra bater. Elas batem pra educar, não pra matar. Ahn, alguém acha que os pais de Larissa queriam realmente matá-la? Queriam “corrigi-la”, educá-la! Felizmente são poucos os pais que chutam a cabeça dos filhos, mas volto a repetir a pergunta: e chutar o traseiro tá ok? Pais vão dar palmadinhas (que eles, e só eles, acham que não doem) nos filhos até que idade? Porque passando dos dez, doze anos, fica até meio patético dar palmada no bumbum. Mas quem falou que todas aquelas “palmadinhas pedagógicas” dos últimos dez anos corrigiram a criatura? Ela continua errando, ora! E agora palmada não resolve mais. Entra o quê no lugar? Diálogo é que não é! Tapa no rosto? Soco? Não, soco não, que deixa marca. Cinta em que parte do corpo agora?
Foi feita uma experiência num bairro de classe média na África do Sul. Quando há barulho de bateria no meio da madrugada, vários vizinhos reclamam. Quando há barulho de briga doméstica, de um marido espancando a mulher que grita, desesperada, ninguém interfere. Em quase todo lugar do mundo é assim. Temos até um provérbio pra isso: em briga de marido e mulher não se mete a colher. Pois bem, com criança é pior. Imagina se alguém vai se intrometer na educação que os pais dão aos filhos? A criança pode chorar sem parar, a gente pode ouvir os golpes, e continuar pensando: “Alguma ela aprontou. Os pais sabem o que é bom pra ela”. Vizinhos não se metem por que eles mesmos fazem isso em casa.
E aí, quando o governo sugere uma nova mentalidade, uma lei que condene qualquer tipo de violência física contra uma criança (e não sei por que tanta gente considera que bater em mulher é covardia, mas em criança, desde que sejam os pais, não), vem uma gritaria da sociedade, pregando que o Estado quer se intrometer no seu direito sagrado de educar os filhos. Engraçado como a gente não vê essa gritaria pra parar de vez a violência doméstica, mas ela surge como reação a quem ousa tentar pará-la. Que tal adotar um novo grito de guerra: “Bater nunca mais”? Nem palmadinha, nem beliscão, nem tapa, nem cinta, nem chute no traseiro ou na cabeça. Substituir tudo isso por apenas amor e diálogo, é possível? Porque, francamente, pra mim soa tão ultrapassado bater nos filhos como proibir que uma menina de 15 anos namore numa pracinha. É muito, muito antigo. Um costume que deveria ter sido enterrado junto com nossos ancestrais.




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