LUANA, VIOLÊNCIA, E MULHERES BARBUDAS
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LUANA, VIOLÊNCIA, E MULHERES BARBUDAS


Atire a primeira pedra quem nunca foi chamada de vadia.

Esses dias fiquei sabendo muito mais do que queria sobre a vida da Luana Piovani. Quer dizer, eu sei que o seu ex, Dado Dolabella, agrediu Luana e sua assistente. Sei que há camisetas circulando por aí apoiando o rapaz, porque ele virou símbolo pra alguns machões de que homem com H não pode ser pussy-whipped (expressão americana muito pejorativa pra quando uma mulher manda num homem. Note que o contrário, um termo como dick-whipped, ou homem mandando em mulher, não existe. Por ser a norma, não precisa de expressão específica). E dia desses a Camomila fez um post explicando porque gosta da Luana.
Eu nem tenho muito o que dizer. Assisto pouquíssima televisão, mal acompanho fofocas sobre celebridades, e a vida pessoal de Luana não me diz respeito. Lembro dela em O Homem que Copiava. Acho que ela estava bem. E um amigo meu que a conhece pessoalmente a define como “louca”. E só. Mas, quando uma mulher é agredida - qualquer uma -, ela tem o meu apoio e solidariedade. Porque não é algo que acontece apenas com aquela mulher que, dita a regra, “mereceu” ser agredida, estuprada ou morta (sério? Alguém merece isso?). Basta um grupo de mulheres se juntar e relatar suas histórias de horror pra ver que essa agressão acontece com quase todas, e acontece por um simples motivo: somos mulheres. E nesta sociedade mulher ainda está em segundo plano. Ainda é considerada sub-humana, histérica, provocadora, responsável pela violência que sofre.
Queria sugerir uma situação hipotética: vamos supor que uma revista machista ou um blog eminentemente masculino colocasse um post que chama a Luana de “mulher extra-insuportável-cadela-irritante”, onde pede pra que ela acabe na Praça é Nossa, sendo “linchada violentamente na calçada e perde[ndo] todos os dentes”. Agora suponha que essa incitação à violência rendesse dezenas de comentários como “O Dado bateu foi é pouco na fuça dessa vagabunda”; “Luana merece uma surra de manhã, outra à tarde, e outra à noite! Dado subiu dez pontos no meu conceito quando deu na cara dessa cachorra!”; e “Por que o Dado não tinha um canivete bem pertinho dele na hora da briga? Perdeu a chance de enfiar no bucho dessa vadia!”. Além do mais, Luana é chamada repetidas vezes de maldita, nojenta, lixo, vagabunda, vaca, vadia, velha e gorda. Opa, velha e gorda?! Acho que agora me entreguei. Pois é, o post foi escrito por uma mulher. E todos os comentários e insultos que citei foram feitos por mulheres.
Reconheço que tenho muita dificuldade pra compreender como palavras assim podem vir de mulheres. Será que elas não vêem que toda essa agressividade se volta não contra a Luana, mas contra elas próprias? Por que não canalizar tal energia pra algo mais construtivo, como para lutar contra todo um sistema opressor? Eu não sei se é por odiarmos tanto os nossos próprios corpos que temos que descontar esse ódio numa completa estranha como Luana.
Tampouco entendo por que ela seria uma cadela, vagabunda, vadia. Na minha condição de mulher, já ouvi esses insultos várias vezes. Acho que a maior parte das muheres já ouviu. Eles estão sempre associados a nossa sexualidade, e não são unissex. Não servem pra homem, já que homem pode (e deve) ser sexualmente ativo. Mas se a Luana mudar de namorado toda semana, ela só pode ser uma vagaba. Isso vale pra gente também!
Se nós mesmas continuarmos usando esses termos, fica difícil exigir respeito dos homens. Inclusive porque são grandes as chances que meninos cresçam ouvindo tais expressões vindas de nós, suas mães e professoras. E cresçam achando que o comportamento sexual de uma mulher é algo pra ser julgado e condenado, e que, nessa condenação, a pena imposta frequentemente deva ser a violência física. Não acho que sejamos as principais algozes da violência contra a mulher. Mas, às vezes, somos belas cúmplices.
Isso me lembra as mulheres disfarçadas de homens participando de um apedrejamento no início de A Vida de Brian. Você pode ver o pedaço do filme aqui, mas como ele está sem legendas e é falado em inglês britânico, explico: na época de Cristo, havia apedrejamentos (há ainda). Só os homens podiam participar, ainda que várias das apedrejadas fossem mulheres. Esta ótima comédia sugere que todos os participantes de um apedrejamento eram mulheres disfarçadas de homens. À certa altura, o soldado romano pergunta, desconfiado, se há mulheres lá. E todas engrossam a voz pra dizer que não. Seria uma cena perfeita se a vítima do apedrejamento (condenada porque blasfemou) fosse mulher. E note o olhar que os dois soldados trocam no final, como se dissessem “É sempre assim”.
Eu vejo essa reação furiosa contra a Luana do mesmo jeito. Nós, mulheres, fomos criadas num sistema patriarcal e somos parte dele. Uma sociedade machista vai gerar pessoas machistas de ambos os sexos. Muitas mulheres se dão conta que o sistema não é benéfico pra elas (nem pra eles), e se rebelam. Outras apenas o perpetuam. Essas costumam achar que feministas como eu são masculinas. Pra mim é o contrário. São elas, não eu, que adotaram valores tão “másculos” como competitivade e agressividade. Mas o interessante é que a violência não é contra qualquer um. Só contra mulheres. Essa cena de A Vida de Brian mostra um homem comandando a violência, e mulheres barbudas obedecendo, entusiasmadas. Eu só quero dizer: meninas, tirem essas barbas. Larguem essas pedras.




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