MULHERES INFELIZES? CULPA DO FEMINISMO
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MULHERES INFELIZES? CULPA DO FEMINISMO


Uma leitora pediu pra eu comentar a reportagem da Época chamada “A Queda da Satisfação Feminina”, que começa falando que, 46 anos após o marco que foi a publicação de A Mística Feminina, da Betty Friedan, as mulheres nunca estiveram tão infelizes. Esse estudo que a revista menciona é conhecido. Ele aparece em todos os blogs misóginos que querem provar que feminismo é uma doença da era moderna, que feministas são feminazis que se aproveitam das mulheres, e que as fêmeas (só as jovens e bonitas, claro) estariam melhor servidas se ouvissem apenas os cafajestes que escrevem tais blogs. Na realidade, não dá pra entender bem o que esses blogs reacionários querem: que a mulher volte a ficar em casa, unicamente cuidando dos filhos? Ou que continue trabalhando, mas pare de reclamar? Ou só querem mesmo que as feministas morram?
Pra começo de conversa, duas coisinhas. A reportagem trata de uma mulher divorciada de 46 anos, que trabalha, cuida dos filhos, dorme pouco, e, aparentemente, é muito triste. Como aponta a matéria, a mulher “tem empregada apenas duas vezes por semana”. Ninguém entrevistou a empregada, certo? Não é a empregada o foco da reportagem. A empregada não tem essa escolha de poder ou não trabalhar. Não é uma opção pras mulheres pobres ficar em casa cuidando dos filhos. Nunca foi. E é essa, inclusive, uma grande crítica feita à Mística Feminina—que Friedan (e boa parte do feminismo) só fala às mulheres de classe média. É um movimento burguês, que não contempla todas as mulheres, porque, lógico, a luta de uma mulher negra que mora na favela não é a mesma de uma branca de classe média. A outra coisinha é que essa história de que as mulheres eram felizes nos anos 50, quando ficavam em casa, é pura balela. Foi justamente por isso que Friedan escreveu seu livro, que foi fruto de muita pesquisa. Não é que ela acordou um dia, viu a mulherada feliz a sua volta, e pensou: “Ueba! Vou estragar a vida delas dizendo que são infelizes e que devem mudar!”. Através de pesquisas, ela constatou que as mulheres estavam extremamente insatisfeitas com o fato de ficar em casa. Mas é difícil ver isso com os olhos de hoje. Mística deve ser visto no seu contexto histórico: as mulheres de classe média trabalharam durante a Segunda Guerra. E, com o fim da guerra, pra não ocuparem o mercado de trabalho que caberia aos homens, tiveram que voltar pra casa. Isso fez que muitas mulheres, que gostaram de trabalhar, se chateassem com a falta de perspectivas. A década de 50 vivenciou um enorme backlash, um retrocesso conservador em inúmeros sentidos. Foi a única vez no século 20 que o número de mulheres com curso superior despencou. Isso porque até a educação passou a ser vista como algo supérfluo pro sexo feminino. As mulheres que iam pra faculdade só iam pra arranjar marido. Os cursos “pra mulheres” não eram levados a sério. Havia matérias como culinária na faculdade, porque a única ambição da mulher era ser mãe e dona de casa. E, ainda assim, mesmo conseguindo “tudo” que queriam, elas não estavam felizes. Mas este é só um resuminho. Mística é um livro fascinante de mais de 400 páginas, cheio de exemplos e estatísticas, e dói que tanta gente fale mal dele sem nunca ter chegado perto. Dá pra lê-lo de graça, em português, aqui. É um excelente retrato da situação da mulher na década de 50. Ou pelo menos da mulher americana branca de classe média. E é um grande chega pra lá nas almas que apregoam besteiras como “a gente era feliz e não sabia”. Não éramos felizes, e sabíamos.
Mas o que eu gosto é que a reportagem, tal qual os reaças, culpa o feminismo por todos os males do mundo. Mulheres têm jornada dupla e tripla (a revista diz que não)? Culpa do feminismo. Mulheres precisam se manter jovens e belas por toda a vida? Culpa do feminismo. Ah pessoal, vai ler O Mito da Beleza, da Naomi Wolf (aqui, de graça)! Que explica direitinho que a ditadura da beleza veio como resposta ao movimento feminista. Entende? Não consequência do feminismo, mas resposta ao feminismo. O objetivo confesso da obsessão pelo corpo “perfeito” (extremamente magro e inatingível para 99% das mulheres) é vender produtos. Mas, pra que o capitalismo lucre, ele precisa fazer com que as mulheres acreditem que são horrendas. E que só ficarão belas se investirem muito tempo e dinheiro nisso. Aquilo de “só é feia quem quer”. Vejamos: não pode ser que a ditadura da beleza tenha mais responsabilidade pela frustração atual das mulheres que o fato d'elas trabalharem fora?
E nisso de trabalhar fora, o que eu vejo é o seguinte: aumentou demais a insatisfação com o trabalho. Tanto entre os homens quanto entre as mulheres. É cada vez mais raro ouvir gente que diz amar seu trabalho. Pelo contrário, o que se ouve é que, se a pessoa fosse rica, não trabalharia. Portanto, se perguntassem aos homens o mesmo que perguntam às mulheres (você trabalharia se não precisasse?), acho que a resposta não seria tão diferente. Além do mais, não sei quanto a vocês, mas muitas das minhas amigas de classe média param de trabalhar. Não tem feminismo algum batendo nelas com uma clava e mandando-as trabalhar. Elas param pra cuidar dos filhos ou pra estudar. Algumas voltam ao mercado de trabalho depois, outras não. Algumas gostam de ficar em casa, outras sentem que falta alguma coisa. Varia bastante. Mas o artigo entra em contradição ao mencionar que pela primeira vez em 22 anos o número de mulheres trabalhando fora caiu. Ué, se cada vez mais mulheres estão abdicando do trabalho para ficar em casa cuidando dos filhos, por que estão mais infelizes?
Mas o maior erro da matéria é abrir com uma personagem, Claudia, que culpa o feminismo por suas mazelas. Segundo ela, “A emancipação feminina é um contrato que tem de ser renegociado”. Mas sua vida seria melhor sem a emancipação feminina? Claudia tem três filhos de dois casamentos, e reclama que seus ex-maridos ajudam pouco. As pessoas se divorciavam em 1963, quando Mística foi lançado, mas num ritmo menor. Muitos reaças juram que o feminismo representa uma ameaça à família, já que antigamente as mulheres simplesmente aturavam um casamento infeliz, e hoje têm a opção de se separar. Isso é ruim? Claudia gostaria de estar casada com qual dos seus ex-maridos? Ou queria um novo marido? Ou queria que os dois ex-maridos a ajudassem mais? Ou queria não trabalhar? O que parece é que ela queria mesmo era não ter rugas, e nisso o feminismo não pode ajudar. Nem foi ele o causador das rugas. Aliás, o feminismo insiste pra que não se dê tanta atenção às rugas.
Que as mulheres são mais cobradas hoje em dia que 50 anos atrás, não há dúvida. Que essas cobranças causam um monte de frustrações, idem. Há pressão pra que a mulher trabalhe fora? Sim, há. Há pressão pra que tenhamos filhos? Ô, definitivamente. Mas até dá pra fechar os olhos pra essas cobranças. Mais difícil é ignorar a ditadura da beleza, que atinge a todas nós, gera infelicidades mil, e que surge quando somos meninas e nos acompanha até o túmulo. O feminismo pode ser o antídoto pra essa obsessão. Nunca sua causa.




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