O PRIMEIRO PASSO É VOCÊ GOSTAR DE VOCÊ
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O PRIMEIRO PASSO É VOCÊ GOSTAR DE VOCÊ


Recebi este pedido de ajuda da D., de 17 anos, que mora no centro-oeste.

De uns três anos pra cá conheci o feminismo e seu blog foi um divisor de águas na minha vida, quebrou tabus, abriu minha visão. Depois de ter aberto os olhos muita coisa mudou. Não consigo mais ir à igreja da mesma forma que antes, não consigo ir às reuniões de família como antes, muito menos concordar com meus pais e meu namorado como antes. 
Todas essas reviravoltas já seriam motivo suficiente para amar o seu blog, aí meio que sem querer vi um guest post sobre estrias (um que dizia que estrias eram marcas de guerra) e foi tudo que eu precisava, até hoje eu salvei o link dele nos favoritos do Google e quando preciso de algo pra me dar um UP eu leio... Vou dar um jeito de resumir o que me aflige.
PARTE UM: relacionamentos
Essa história de mulher que tem muitos relacionamentos é vadia, que esposa tem que ser submissa ao marido, eu estou cansada de ouvir.
Nas reuniões de família somente as mulheres cozinham (embora meus tios sejam cozinheiros que até trabalham em festas), e depois do almoço somente as mulheres lavam a louça, enquanto meus primos e tios estão sentados bebendo, mesmo sabendo que são eles os responsáveis por sujar a maior parte da louça, quando a cada cerveja usam um copo diferente, e pra cada rodada de churrasco um prato diferente; sempre sobra para nós mulheres sair pela casa recolhendo pratos e copos e limpando tudo.
Tenho que ouvir calada eles contarem piadas machistas; tenho que ouvir calada minha avó, minhas tias e até minha mãe falarem de uma mulher com "a vida torta", como se liberdade sexual fosse algo horrível e nojento. Se eu for argumentar vou ouvir coisas do tipo: "Nossa! Diz que é crente mas olha o jeito que ela fala!" ou "Tá virando puta, é?" 
Um dia meu namorado veio com o papo de mulher "se dar o respeito". Aí eu grilei, e falei tudo que estava guardado há muito tempo. Depois desse dia ele melhorou bastante em relação ao machismo, mas sabe Lola, é difícil tirar as pessoas desse monstrinho verde. Tanto meus avós, quanto meus tios e tias, meus pais e até meu namorado tiveram uma criação nos moldes machistas e conservadores. Com minha irmã mais velha e meus primos eu argumento, mostro o outro lado da moeda, mostro o machismo oculto, porque um dia eu também fui assim: cega e machista. Me despi de meus preconceitos. Infelizmente, muitos a minha volta ainda não.
PARTE DOIS: corpo
Sempre achei que meu corpo fosse realmente meu, até o dia em que manifestei a minha vontade (que vem desde a infância) de fazer uma tatuagem no ombro e furar o nariz. Pra quê?
Ouvi da minha irmã, uma mulher formada, super inteligente: "Isso é pecado!"
Isso mesmo Lola, pecado... Sendo que já ouvi tantos pastores falarem "Deus quer o seu coração..." E pra quem acredita em Deus isso é verdade. Eu tenho um bom coração, qual o problema? 
Minha irmã é a pessoa dentro de casa pra quem eu conto algumas coisas, minha mãe mesmo sendo conservadora é muito gente boa, mas raramente consigo contar algo pra ela. Meu pai é um anjo, nunca brigou comigo, tem uma paciência enorme, mas é um senhor de 64 anos e também muito conservador. Já que eu não tive apoio de minha irmã, resolvi falar com meu namorado. Afinal, sempre o apoiei em tudo.
O que eu ouvi: "Piercing? Tatuagem? O que minha família vai dizer? Que eu achei minha namorada numa boca de fumo! Como você vai entrar na igreja? Isso é horrível, um absurdo!"
Ah Lola, tive vontade de terminar com ele e quase fiz isso. Que discurso mais preconceituoso! Não entendo como um piercing ou uma tatuagem afeta o caráter de alguém.
Em novembro eu faço 18 anos e queria muito mesmo um furo no nariz e uma tatuagem. O que tem de ruim nisso?
Comecei a namorar em agosto do ano passado e meu namorado era ciclista, louco por academia, barriga tanquinho. E eu? Engordei 8 kg do ano passado pra cá. As estrias no bumbum só aumentaram. Eu nem ligava pra estrias até minha mãe entrar no quarto e dizer que elas eram horríveis, que eu parecia uma zebra, uma garota negra cheia de estrias dá nisso, né? Eu me sentia mal com meu corpo, por cima da roupa tudo lindo, por baixo estrias. 
Mês passado fomos viajar e mesmo estando com 58 kg eu estava feliz pra ir. Tinha lido uns textos seus sobre se amar e se aceitar e estava pronta pra colocar um biquíni. Escolhi um com shortinho embaixo porque meu namorado também ia e eu não queria que ele visse as estrias. 
Na noite anterior ao passeio minha mãe me detonou: “Você vai ver o quanto vai sentir vergonha do seu corpo, gorda e cheia de estrias, todas as garotas vão olhar pro tanquinho do seu namorado, se você não se cuidar ele vai te deixar, ele é vaidoso, a família dele é vaidosa”.
Eu confesso que chorei escondido, debaixo do cobertor de madrugada. Senti raiva de mim.
O passeio foi super legal. Mas quando eu olhava pra mim sentia vergonha. Em casa minha mãe e minha irmã disseram: “Tá vendo? No clube nenhuma das garotas com namorados tinham estrias, nem eram gordas. É pro seu bem que eu falo, emagrece antes de ficar sozinha”.
Então Lola, o que eu faço? Sinto-me mal com MEU corpo. Não posso fazer algo que me agrada sem correr o “risco de ir pro inferno". Me sinto triste e sozinha na maioria das vezes. Rola aquela pressão porque esse ano eu termino o ensino médio e tenho que entrar na faculdade, se não vou ser eternamente comparada com minha irmã porque ela passou na primeira tentativa no vestibular, sem cursinho e sem ajuda.
Gosto de pensar que eu sou a garota “gostosa e legal” que tem piercing no nariz e pássaros desenhados no ombro. Gosto de pensar que minha família e meu namorado me acham linda. Gosto de pensar que LIBERDADE SEXUAL existe e gosto mais ainda de pensar que eu sou livre pra sentir prazer sem ser condenada.
Despi-me de tudo... O que os outros esperam pra se despir também?
O que eu faço? Heeelp!

Meus comentários: Não tem fórmula pronta, D. querida. Talvez as pessoas com quem você convive, pessoas que você ama, nunca se livrem desses preconceitos todos. Você tem que aprender a se amar e a aceitar o seu corpo mesmo que elas não o aceitem. Você precisa aprender a não depender da aprovação de ninguém. 
Claro, falar é fácil. E mais fácil ainda é falar de onde eu falo, com a vivência de uma mulher de 48 anos. Certamente com 17 anos eu era muito insegura e tinha mil neuras sobre o meu corpo. Porém, creio que mesmo naquela época, três décadas atrás, eu era a crítica mais ferrenha do meu próprio corpo. O que as pessoas achavam ou deixavam de achar sobre minha aparência física não me afetava muito.
Mas e o meu olhar crítico e impiedoso? Eu não via um monte de defeitos nos corpos dos outros. Ah, mas no meu, como eu via!
Algo que me ajudou demais a destruir essa imagem foi a leitura do Mito da Beleza, da Naomi Wolf. Aqui tem o livro de graça, em português. Leia com calma, e veja como somos ensinadas a odiar nosso próprio corpo. E como essa é uma excelente estratégia de dominação. 
No seu caso, linda D., você ainda parece ter vários problemas com a religião e uma certa competição com a sua irmã. Você vai ter que trabalhar tudo isso, e tudo bem: você tem tempo. Mas o primeiro passo é você gostar de você. Mãos à obra!




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